José Junior, da AfroReggae: sua vasta rede de contatos com políticos, empresários, artistas e movimentos sociais transformou a ONG em símbolo do Rio. Ela agora vem a SP (Chechena/EXAME.com)
Da Redação
Publicado em 13 de abril de 2013 às 15h56.
São Paulo – Quando o Complexo do Alemão, favela no Rio de Janeiro, estava em processo de pacificação, em 2010, e dezenas de traficantes se recusavam a se render e mantinham-se a postos armados de fuzis, o Brasil acompanhou ao vivo o que poderia se tornar um banho de sangue. José Junior, um civil bem conhecido no Rio, mas nem tanto fora dele, foi um dos que pôde subir o morro para tentar negociar com os chefes do tráfico.
Como um jovem nascido em Ramos, subúrbio carioca, e criado em bairros violentos do Rio de Janeiro, cercado de pobreza e com pouco acesso à educação chegou a posto de mediador no processo de pacificação das favelas no Rio de Janeiro? Várias são as razões, mas uma se destaca: José Junior, coordenador executivo da AfroReggae, é um verdadeiro diplomata.
Foi mantendo uma rede enorme de contatos e comprando briga apenas com “as pessoas certas” que ele transformou o que antes eram festas de funk e reggae em um jornal para as favelas e, mais tarde, no AfroReggae, ONG que arrecadou 20 milhões de reais para seus 40 projetos em 2012.
Símbolo no Rio, a organização chegou nesta semana à São Paulo bancada por uma parceria com a Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo).
José Junior recebeu EXAME.com no saguão do hotel em que está hospedado, próximo à Avenida Paulista. O carioca usa óculos escuros e está na cidade acompanhado de um colega que já foi traficante de drogas, mas hoje tira fotos para a ONG. Durante a conversa, ele recebe ligações de grandes empresários e demonstra um pouco de pressa, já que logo teria reuniões com o governador paulista Geraldo Alckmin e o prefeito Fernando Haddad (“Ah, eles pediram para me conhecer”).
Junior conversou com EXAME.com sobre o que a ONG ligada ao Rio fará em São Paulo e opinou ainda sobre a maioridade penal e o papel da polícia.
EXAME.com – No RIo, a AfroReggae é amplamante conhecida por seu trabalho social e mediação. E agora vem a São Paulo. Como você resumiria a ONG para os paulistas?
José Junior – Transformação social e de vidas. Isso para resumir de maneira simples. Eu fundei o AfroReggae há vinte anos. O que motivou foi antes de tudo o fato de que boa parte dos meus amigos da minha adolescência foram mortos. Eu também vivia uma ociosidade muito grande e, por mais que eu tentasse fazer coisas que de alguma maneira pudessem colaborar com meu crescimento, tinha dificuldade. O que gerou o AfroReggae de fato foram as festas que eu fazia de funk. Aí o funk foi proibido e eu comecei a tocar reggae. A partir daí eu percebi que faltava um veículo de comunicação da cultura afro brasileira e disso surgiu a ONG.
EXAME.com – Como foi a articulação para vir para São Paulo?
Junior – O grande parceiro do AfroReggae aqui em São Paulo é a Fiesp. Um enorme parceiro institucional, mesmo. Por causa deles, a gente não está esbarrando em burocracia. A gente não veio montar nada do AfroReggae, aqui seremos coadjuvantes, não protagonistas. A gente não veio competir com nenhuma ONG. Pelo contrário. As obrigações que a gente tem no Rio, não tem nenhuma aqui. Você não vai me ver mediando conflito aqui. Lá a gente é artilheiro, tem que fazer gol. Aqui a gente tem que passar a bola.
EXAME.com – Passar a bola pra quem?
Junior – Para projetos sociais, empreendedores. Coisas que já existem em São Paulo.
EXAME.com – Um dos projetos mais conhecidos do AfroReggae é o de reintegração de presos e ex-presos ao mercado de trabalho. Vai ter algo semelhante em São Paulo?
Junior – Vai ter algo melhor. Lá no Rio a gente pega o cara que é egresso ou o preso que está em regime semiaberto e encaminha ele pra trabalhar. Ele não é qualificado em nada. Esse emprego, esse trabalho, é um trabalho que ele vai ganhar um salário mínimo ou um pouco mais que isso. É difícil o cara evoluir se não estudar. Em São Paulo, por causa da parceria com o Senai, ele vai receber uma bolsa e vai estudar. E quando terminar o curso, já sairá empregado. Essa é a força da máquina que a Fiesp tem. O embaixador desse projeto é o Luciano Huck, que também representa o projeto no Rio de Janeiro. Pena que no Rio a gente não consegue qualificar esse cara.
EXAME.com – Por que não? Falta parceria?
Junior – Não é que não role parceria. A gente tem muito mais força no Rio do que aqui, mas tudo na vida é gestão. Em 2004, nós tínhamos um projeto chamado “Juventude e Polícia”, que era focado em segurança pública. Eu não consegui fazer no Rio, consegui fazer em Minas. Por quê? Porque tinha um cara chamado Aécio Neves. E não é que no Rio não queiram fazer, mas a pegada em São Paulo é diferente. O Paulo [Skaf, presidente da Fiesp] é um cara mais gente que faz, entendeu? Lá no Rio eu encontro muita burocracia para esses projetos, que eu não estou encontrando aqui.
EXAME.com – A AfroReggae no Rio ficou famosa muito por conta da vinda de grandes estrelas, como a Madonna. Alguém na lista para São Paulo?
Junior – Agora a gente está conversando com o pessoal da Beyonce. Eu não sabia disso, mas o Jay-Z, marido dela, é fã do AfroReggae. A vantagem de não ter nenhum núcleo do AfroReggae fixo aqui em São Paulo é isso, se ela vier pra cá, a gente pode levar para um projeto no Capão Redondo. Quando vier outro artista, leva no Jardim Ângela, ou em Diadema.
EXAME.com – Vai vir mais algum projeto novo?
Junior – Tem o projeto “Cultura de Ponta”, que é feito em parceria com o Gilberto Dimenstein, no Catraca Livre. É um Catraca Livre só de periferia, foi lançado nessa semana. A gente também está vendo com o Santander de repetir a experiência do Rio e montar agências bancárias na favela e na periferia e no segundo andar dessas agências você leva projetos, cursos de qualificação. Mas o maior projeto é o dos egressos.
EXAME.com – Como você convence um egresso a sair do crime para estudar?
Junior – O argumento hoje é econômico. A situação no Rio mudou muito com a pacificação. O cara antes tirava “7x” com o tráfico, hoje ele tira “1,5x” e é mais perigoso. Não é que antes a gente não tirava as pessoas do tráfico, mas hoje a gente tira muito mais.
EXAME.com – Quem vai cuidar desse trabalho aqui em São Paulo?
Junior – Vai ser o [Paulo] Chinaider, que comandou o tráfico em quatro favelas no Rio, e o Gaúcho [Claudio Piuma]. Esse foi presidente do Comando Vermelho há um tempo. Chefão, mesmo. O “00001”.
EXAME.com – Você vai se encontrar com chefes do crime aqui em São Paulo, também? Como vai ser sua relação com o crime organizado paulista?
Junior – Olha só, deixa eu te dizer um negócio. Isso é um processo natural, né? Eu não vou atrás, não devo ir em nenhum lugar para falar com a, b ou c até porque eu não quero fazer mediação de conflitos aqui. Como a gente vai lidar com egressos, vai ser um processo natural, já que a gente vai estar lá. Daqui a duas semanas vou visitar o primeiro presídio aqui, nunca fui.
EXAME.com – Como você lida com críticas e acusações de que tem ligações com o crime?
Junior – Vou te falar uma coisa. Hoje, vou ser muito sincero, eu não quero convencer todo mundo. Eu quero convencer quem eu acho que de alguma maneira pode colaborar. Tem gente que diz inclusive que eu sou bandido, cara. Como assim? “Ah, esse cara deve ser bandido, lava dinheiro do tráfico”. Qualquer pessoa que faça algo fora dos padrões tradicionais ou até conservadores, há pré-julgamentos. Outro dia soube que um cara de uma empresa grande falou que me viu cheirando cocaína. Pô, eu nunca nem bebi cerveja. Nunca bebi nada com álcool na minha vida, nunca fumei maconha, nunca fumei cigarro.
EXAME.com – São Paulo está retomando um debate sobre redução da maioridade penal. Qual a sua opinião a respeito?
Junior – Olha só, até pela bandeira que eu levanto é óbvio que eu sou contra. Eu acho que você vai cair para 16 anos, 15 anos, 13 anos, 10 anos. Não é isso que vai resolver o problema. Eu acho que antes de discutir esse tema deveriam primeiro pensar mais em reformular e, principalmente, potencializar o investimento na estruturação de núcleos familiares. A questão da habitação, da educação. É muito fácil pegar um atalho, não acho que é o caminho por aí. Parece que é um caminho preguiçoso, acho que as pessoas não querem pensar, não querem discutir, não querem elaborar. Não vai resolver.
EXAME.com – No fim do ano passado tivemos uma forte onda de violência em São Paulo e a polícia interviu. Muitos consideraram a intervenção policial violenta. Você chegou a acompanhar o caso?
Junior – Sendo muito sincero, eu estou apenas agora entendendo melhor o que acontece aqui. E eu nunca dou opinião do que eu vejo só na imprensa.
EXAME.com – E o que pensa sobre as pacificações no Rio?
Junior – A pacificação é algo assim inspirador no aspecto de você poder de alguma maneira trazer, digamos, um livre acesso de qualquer pessoa. A pacificação também traz outros benefícios, mas tem esse que é um direito básico, de ir e vir. Agora, chamam de “retomada do território”, mas não é. Você não pode retomar algo que nunca ocupou, que nunca foi seu. Aquilo sempre foi abandonado.
EXAME.com – A ação da polícia nos morros é truculenta?
Junior – Eu sou contra a forma como os policiais fazem várias coisas, como eles usam megafones e falam barbaridades nas comunidades. Agora, eu também sei que se não tiver o “caveirão” [carro blindado usado pelo BOPE no Rio de Janeiro], eles vão morrer. Eu tenho que entender também o lado daquele profissional de segurança, porque uma realidade tem que ser dita: quando alguém mata um policial, dão tiro no policial, ninguém faz passeata nem manifestação. Os policiais reclamam disso e é verdade. Nem todo policial é bandido, nem todo policial é corrupto. A verdade é essa.