Prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB) (Nacho Doce/Reuters)
Talita Abrantes
Publicado em 9 de abril de 2017 às 06h30.
Última atualização em 19 de abril de 2017 às 11h44.
São Paulo — Como a maioria dos novos prefeitos eleitos em outubro do ano passado, o tucano João Doria completa nesta segunda-feira (10) cem dias no comando da Prefeitura de São Paulo. Tempo suficiente para ele, que nunca havia assumido um cargo eletivo, despontar na lista de cotados para a corrida eleitoral pelo PSDB para a Presidência da República em 2018.
Fenômeno nas redes sociais e inspiração para outros gestores municipais pelo país, Doria chega a esses 100 primeiros dias com uma taxa de aprovação de 60%, segundo pesquisa exclusiva da Editora Abril em parceria com a MindMiners para EXAME.com feita com 500 pessoas entre 31 de março e 4 de abril.
Três questões básicas derivam desse cenário: O que explica a ascensão meteórica de Doria diante da opinião pública? Ele tem fôlego para manter o mesmo ritmo de aprovação até o final do mandato? Tem culhões para encarar a disputa pelo Palácio do Planalto já no próximo ano?
Três especialistas dão suas respostas a seguir:
Quem diz: Roberto Romano, professor emérito da Unicamp
A ascensão do João Doria deve ser entendida no contexto do fracasso do Estado em termos mundiais. A crise da política é, na verdade, uma crise das máquinas estatais que não estão conseguindo levar políticas públicas adequadas para populações urbanas.
No caso brasileiro, além dessa crise, você tem o fato que o Estado é excessivamente centralizador e deixa estados e municípios à míngua.
A população de São Paulo, historicamente, sempre está interessada em propostas de boa administração pública. Doria, como homem de marketing e conhecedor da história política local, se lançou como uma pessoa que não repetiria a política tradicional -- à semelhança de Jânio Quadros, que foi prefeito e governador de São Paulo, além de presidente da República.
Para isso, ele usa muitas técnicas de marketing político. O Philip Kotler, que é um clássico nessa área, diz que você pode vender um candidato a um cargo político como se vende um sabão. Só outro político nacional tem essa capacidade no momento e ele se chama Luiz Inácio Lula da Silva.
A estratégia de marketing do Dória é pensar no eleitor que quer bons serviços. É como se ele fizesse a fusão do eleitor com o consumidor, que habita o mundo do mercado. Ele se apresenta como um instrumento para realizar o que é preciso nessa situação de carência de bons serviços públicos.
No caso do Lula, por outro lado, é um marketing que vende a ele não como instrumento, mas como a solução. E o eleitor é visto como aquele que espera alguma coisa da pessoa do líder.
A estratégia do Doria deve ser replicada em outras regiões, mas cabe lembrar que o eleitorado brasileiro não é o paulistano. O Brasil é muito desigual segundo as tradições políticas regionais. Se sair candidato em 2018 e basear a sua política de marketing na tática que foi muito eficaz em São Paulo, ele pode se dar mal.
Quem diz: Humberto Dantas, cientista político e coordenador do Centro de Liderança Pública
Quando o governador Geraldo Alckmin empenhou recursos estaduais para angariar apoio a João Doria, garantiu ao afilhado tempo de TV que, numa eleição curta, foi decisivo à inédita vitória em primeiro turno na capital paulista.
Para além do espaço midiático em universo de recursos escassos, demarcado por novas regras que reduziram tempo e dinheiro às campanhas, o discurso do debutante foi assertivo. Doria foi a novidade, e se apresentou como gestor trabalhador distante da política. Por mais questionáveis que fossem tais afirmações, os adversários perceberam tardiamente seu sucesso.
Nesse contexto, Doria tem sido apontado como capaz de transcender sua vitória e, até mesmo, seu padrinho. Bem avaliado, a despeito de ter menos de 100 dias no poder e ancorar-se em propaganda, seu nome passou a figurar como provável candidato à Presidência da República. Essa alternativa desarticularia Alckmin, que não teria como apresentar-se como “não político”.
A questão, assim, é compreender se Doria efetivamente representa algo viável ao PSDB, se é fruto de fogo amigo no ninho tucano ou um agente capaz de arrefecer o entusiasmo de alguns eleitores com Jair Bolsonaro – o paulistano rouba votos do deputado fluminense.
O fato é que Doria propagandeia muito, nacionaliza atitudes, se mostra apressado em um universo público lento e, a despeito de colher simpatias, pode colecionar ansiedade e fracassos, sobretudo em termos do ritmo que deseja impor.
Diante de tais aspectos, ele pode ser visto como potencial nome à Presidência, agente desestabilizador no partido, peça partidária para enfraquecer adversários e, até mesmo, prefeito de São Paulo.
Quem diz: Marco Antonio Teixeira, vice-coordenador da graduação em administração pública da FGV-EAESP
O debate eleitoral colocou alguns problemas cruciais cujas respostas deveriam vir rapidamente por parte do prefeito eleito. Dentre eles estavam: a manutenção e a limpeza da cidade, incluindo seus parques e as pichações; a política de saúde e o crescimento da população de rua, além da Cracolândia.
De posse desse diagnóstico, Doria passou a ter respostas para tudo e se apresentava como o prefeito-trabalhador, por trás da ideia de “João Trabalhador”, algo que certamente aumentou a expectativa social quanto a sua capacidade de governar.
A sensação de deterioração da manutenção da cidade, algo quase generalizado ao final do governo Haddad, colocou pressão sobre o novo prefeito. Passados quase 100 dias de governo, no conjunto, a popularidade de Doria pode ser explicada pelo fato de ele estar respondendo de forma rápida a pelo menos duas das principais demandas: a manutenção e a limpeza da cidade por meio de ações como o Cidade Linda e a redução da fila de espera de exames laboratoriais por meio do programa Corujão. Entretanto, os avanços esperados na política para a população de rua, bem como em relação à Cracolândia ainda são pífios.
Todavia, ainda não se sabe o quanto essas ações em que Doria vai bem serão sustentáveis ao longo do tempo. Até o momento, elas vem ocorrendo como intervenções de caráter pontual e não se efetivaram como política pública. Por exemplo, o Cidade Linda não tem se desenvolvido de forma homogênea no território do município. Também não é consensual os resultados acerca da redução da fila em exames laboratoriais como produto da parceria com hospitais privados, os dados tem provocado muita controvérsia sobre o seu real alcance.
Apesar de polêmica, as ações de Doria com o setor privado, revertidas em doações de remédios e instalações de banheiros em parques públicos sem ônus ao município, parecem ter agradado aos paulistanos.
Não por acaso, muitos prefeitos querem entender o que acontece em São Paulo para que possam tentar replicar em seus municípios. A gestão João Doria ganhou dimensão nacional e, nesse momento, está colhendo os frutos desse sucesso repentino com o bordão de que muitos prefeitos querem ser Doria. Se assim vai permanecer, apenas os resultados de gestão mais efetivos, e não baseados em ações de marketing, é que vão confirmar.