Eduardo Cunha: impossível listar todas as manobras do presidente da Câmara (Ueslei Marcelino/Reuters)
Raphael Martins
Publicado em 5 de maio de 2016 às 17h38.
Última atualização em 1 de agosto de 2017 às 14h46.
São Paulo – Pesquisa Datafolha do mês de abril revela que três em cada quatro brasileiros apoiam a cassação do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Mais precisamente, o número de favoráveis à saída de Cunha representa 77% do total, contra apenas 11% de votos contrários à cassação.
Por isso foi tão bem recebida a notícia da decisão do ministro do STF Teori Zavascki desta quinta-feira (5) de afastá-lo do cargo de deputado federal e presidente da Câmara. Nesta tarde, o Supremo chancelou voto do relator e garantiu que Cunha não volta para a cadeira em futuro próximo.
Ele é acusado pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, por tentar interferir na condução das investigações da Operação Lava Jato.
"Não há a menor dúvida de que o investigado não possui condições pessoais mínimas para exercer, neste momento, na sua plenitude, as responsabilidades do cargo de Presidente da Câmara dos Deputados, pois ele não se qualifica para o encargo de substituição da Presidência da República, já que figura na condição de reú no Inquérito 3983, em curso neste Supremo Tribunal Federal", disse Zavascki na liminar.
Desde novembro tramita no Conselho de Ética da Câmara um pedido de cassação de seu mandato, que notoriamente o político vem tentando postergar. Foram seis meses de chicanas, barganhas para reverter votações e manobras com base no regimento da Casa e com apoio da Tropa de Cunha.
Abaixo, você relembra as mais importantes chicanas que fizeram o caso se alongar tanto no Conselho e serviram de motivação para a decisão do Judiciário. Estão de fora outros notórios episódios, como as votações para criação de novas comissões para minorias e maioridade penal, que Cunha repetiu votações até o resultado que desejava.
Desde o primeiro dia do processo no Conselho de Ética, o grupo de parlamentares aliados de Eduardo Cunha planejava travar o andamento dos trabalhos com o maior número de medidas protelatórias possível.
As táticas iam das mais simples, como pedir a fala em todas as oportunidades, até pedir vistas ou recorrer de qualquer decisão com o Conselho fosse tomar. A atitude esgotava a paciência dos demais parlamentares, causando atropelos e reiniciando procedimentos do zero.
Marcada para inicialmente para o dia 19, a leitura do parecer do relator Fausto Pinato (PRB-SP) pela continuidade das investigações contra Cunha foi adiada após o início da ordem do dia na Casa antes do horário habitual. A chamada de Cunha foi usada paulatinamente, pois encerra obrigatoriamente a reunião do Conselho.
Até a antecipação da posição de Pinato foi contestada pela defesa de Cunha no dia 18, sem sucesso. Quando já enfrentavam chicanas dos deputados da Tropa de Cunha, a mesa diretora do Conselho ainda era otimista em votar o relatório em 1º de dezembro.
Mas outra alternativa de afastar o relator deu certo.
O presidente da Câmara contestou Fausto Pinato como relator do processo e que sua manutenção feria o Código de Ética da Casa.
Segundo o peemedebista, o parlamentar paulista não poderia participar do sorteio para o cargo, pois pertencia ao mesmo bloco partidário que ele no início da legislatura.
Resultado? Destituição de Pinato e reinício de todo o processo, com as devidas manobras protelatórias.
Marcos Rogério (atual DEM-RO) foi escolhido relator e optou por manter o relatório. Aliados de Cunha atacaram novamente e pediram vista. O colegiado negou, já que o documento seria o mesmo.
– Conselho de Ética aceita parecer de cassação de Cunha
No dia 15 de dezembro e oitava sessão do colegiado, o Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara decidiu pela admissibilidade do relatório do deputado Marcos Rogério (PDT) que pedia o prosseguimento do processo de cassação.
Foram 11 votos a favor e 9 contra. Naquela altura, o pedido havia sido protocolado há mais de 60 dias. Cunha tinha, no entanto, uma carta na manga. Por quebra do regimento ao rejeitar o pedido de vista e outras quebras de regimento, o Conselho precisou dar passos para trás.
Em seu pedido à CCJ, então comandada por um de seus aliados, o presidente da Câmara requisitou a nulidade do sorteio de escolha de novo relator (por inobservância de formalidades regimentais absolutas), do parecer apresentado pelo novo relator, da votação do parecer (por ausência de discussão), da deliberação do parecer, por negativa de pedido de vista, e por sua respectiva votação no plenário do Conselho.
O processo anula todos os procedimentos, inclusive as votações e só volta a ser analisado em fevereiro do ano seguinte por conta do recesso parlamentar.
Em ano novo, a diretriz do presidente do Conselho, José Carlos Araújo (atual PR-BA), foi tomar os mais devidos cuidados para que o processo de cassação não recuasse. Cunha e aliados seguiam batendo como podiam, de pressões nos bastidores a recursos.
A lista é longa, mas valem uns exemplos.
Depois de meses de manobras regimentais, já na madrugada do dia 2 de março, o Conselho de Ética se reuniu para votar o parecer de Marcos Rogério. Na noite do dia 1º, Cunha só encerrou a sessão plenária nas últimas horas do dia, tentando bloquear a votação.
Outro motivo da postergação era a substituição de Vinícius Gurgel (PR-AP), que não estava em Brasília para votar. Ele pediu a renúncia, por carta, para impedir que seu suplente, do PT, votasse contra Cunha.
Em caso de renúncia, quem indica o substituto é o partido. Foi escolhido o líder da bancada, Maurício Quintella Lessa (PR). Cunha esperou até quase 23 horas para que a carta chegasse ao Conselho.
A votação acirrada terminou em 11 a 10, com voto de Quintella Lessa a favor de Cunha e desempate decidido pelo presidente da comissão, José Carlos Araújo (PSD), em voto de minerva.
As manobras seguiram, inclusive um pequeno escândalo de falsificação de assinatura de Vinícius Gurgel na referida carta que quase arquivou o processo.
Em outros momentos, Cunha fugiu da notificação de aceitação do pedido — quando recebeu, recorreu da decisão —, pressionou partidos próximos a recompor sua base no Conselho e tentou limitar investigações por parte do colegiado.
O caso mais marcante foi de atraso de liberação de verba de passagem aérea para Fernando Baiano, delator da Operação Lava Jato que vinha depor contra o presidente da Câmara.
A última grande revelação do Conselho de Ética foi a confirmação por parte de Baiano que Cunha recebeu dele R$ 4 milhões em propinas. Marcos Rogério, relator do caso, pretende anexar ao processo todas as acusações contra o deputado, desde o envolvimento em crimes de corrupção no esquema da Petrobras, até a coação que foi acusado por Fausto Pinato, que alega ter recebido proposta de propina enquanto relator.
Por base, ele tomaria o pedido do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que protocolou 11 motivos para afastamento de Cunha do cargo no STF. Motivos esses que o Supremo chancelou nesta quinta-feira e suspendeu por tempo indeterminado Eduardo Cunha de sua cadeira.