(Alfieri/Getty Images)
Alessandra Azevedo
Publicado em 1 de janeiro de 2021 às 13h38.
Última atualização em 1 de janeiro de 2021 às 16h06.
Em mais de 5.500 municípios brasileiros, prefeitos iniciam novos mandatos com a responsabilidade de organizar a vacinação contra o coronavírus — um processo que ainda não tem data certa para ter início. As prefeituras serão encarregadas de tarefas como a aplicação das doses, o atendimento ao público e parte da logística do transporte e armazenamento, mas dependem dos governos federal e estaduais para o fornecimento das doses no prazo e em quantidade suficiente. Especialistas e gestores públicos têm debatido o risco de haver desigualdade na distribuição entre regiões ricas e pobres.
Com a demora do Ministério da Saúde para definir a compra dos imunizantes, algumas cidades têm tomado a iniciativa por conta própria. Capitais como Belo Horizonte, Curitiba e Rio de Janeiro já têm acordos para a compra da CoronaVac, desenvolvida pelo Instituto Butantan e pelo laboratório chinês Sinovac.
Enquanto isso, Recife e Salvador negociam com o Butantan e o governo João Doria (PSDB) para garantir o fornecimento. “Já adquirimos seringas e agulhas. Temos um plano de imunização pronto para garantir o público prioritário. Não vamos ficar só na dependência do governo federal”, diz o novo prefeito de Salvador, Bruno Reis (DEM). Além do Butantan a cidade conversa com outros laboratórios. “Reservamos 80 milhões de reais para a compra de vacina. Não há nada mais importante nesse momento. É lamentável que o país não tenha iniciado a imunização ainda.”
Municípios pequenos, porém, não têm dinheiro para a compra de insumos básicos e dependem do repasse da vacina pelo governo federal. A Frente Nacional dos Prefeitos (FNP), que representa 406 cidades com mais de 80.000 habitantes e cerca de 70% do produto interno bruto (PIB) nacional, também assinou um termo de cooperação com o Butantan.
Uma das cláusulas dá a prerrogativa de compra para o Ministério da Saúde mas, ao mesmo tempo, o termo garante o repasse do imunizante para os municípios filiados caso a aquisição pelo ministério não ocorra. “Todas essas vacinas que estão lá no Butantan, se o governo federal disser ‘vou comprar’, ele compra tudo”, diz o presidente da FNP, Jonas Donizette, que deixa a prefeitura de Campinas hoje. “Se não fizer, aí as pessoas [prefeitos] que assinaram o protocolo terão prerrogativa como a Frente.”
Segundo o presidente da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), Glademir Aroldi, a desigualdade na distribuição das vacinas é um tema que preocupa secretários e prefeitos. “Não dá para cada estado, cada município da federação, adquirir e imunizar de forma isolada.”
Uma reunião entre a confederação e o Ministério da Saúde está prevista para a segunda semana de janeiro. Os prefeitos querem orientações sobre a distribuição das vacinas, equipamentos necessários para transporte e armazenagem, e clareza sobre a data de início da campanha.
Mesmo municípios mais pobres tentam não depender do governo federal. Na Grande São Paulo, o novo prefeito de Itaquaquecetuba, Eduardo Boigues, começou a se organizar com o Consórcio de Desenvolvimento dos Municípios do Alto Tietê. Ele diz que, se a vacina chegasse hoje, a cidade não teria como aplicá-la, pois faltam insumos.
“A partir do consórcio, estamos viabilizando a infraestrutura para que no dia 25 de janeiro nós tenhamos capacidade de vacinar a população.” Um dos planos é que cidades com insumos sobrando forneçam materiais para as que não têm o suficiente.
Para um sistema de Saúde acostumado com grandes campanhas, como a da gripe, a novidade será atender grupos de risco com segurança, além de obter insumos suficientes e locais de armazenamento. “O primeiro desafio é ter a vacina. Depois, seringas e agulhas”, diz Juarez Cunha, presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações.
Para ele, é difícil preparar um plano com tanta indefinição sobre qual vacina o país vai comprar. Já os insumos não devem ser um problema no curto prazo, mas podem faltar se não houver reposição. “As primeiras vacinas serão aplicadas provavelmente em uma situação pior de covid-19 do que temos hoje. Será preciso evitar juntar grupos de risco.”
Airton Stein, professor de saúde coletiva da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre, também alerta para as aglomerações em postos de vacinação. Para evitá-las, cita a vacinação por drive-thru, usada na campanha da gripe, ou em domicílio. “As cidades que têm infraestrutura bem organizada vão desempenhar a tarefa com sucesso. As que não têm boa infraestrutura terão problemas.”
Com a legitimidade das urnas, o tucano Bruno Covas assume seu segundo mandato à frente da prefeitura de São Paulo em busca de uma marca para chamar de sua. Se a primeira gestão teve como destaque a saída precoce de João Doria (PSDB) e a pandemia do novo coronavírus — além da luta de Covas contra um câncer —, o desafio agora é fazer valer o plano de governo aprovado pelos paulistanos. Nos próximos quatro anos, o prefeito terá pela frente ao menos 79 promessas a cumprir.
Parte dos compromissos assumidos durante a campanha é urgente e diz respeito à covid-19. Oferecer a vacina em todas as regiões da cidade é meta a tirar do papel ainda em janeiro, caso o imunizante produzido pelo Instituto Butantan ou qualquer outro a ser comprado pelo Ministério da Saúde seja entregue ao município no primeiro mês do ano.
Do mesmo modo, é esperada para os primeiros dias do governo a apresentação de um plano de volta às aulas presenciais, e com recuperação do aprendizado — entre as promessas oficializadas em seu programa está a inclusão de um professor extra nas salas para auxiliar alunos com mais dificuldades.
A evolução dos dados relativos a contágio, internações e mortes por covid-19 na capital ainda definirá se o estado de calamidade pública se estenderá e quais medidas deverão ser adotadas por Covas neste segundo ano de pandemia. Há expectativa especialmente sobre a possibilidade de pagar uma nova rodada de auxílio emergencial aos mais carentes. Em 2020, cerca de 1,2 milhão de moradores receberam uma parcela de 300 reais, ao custo de 417 milhões de reais.
Com o secretariado renovado para esse segundo mandato — e mais diverso, com a presença de mulheres e negros, conforme promessa —, Covas pretende se “aventurar” em um plano de obras estimado em 18 bilhões de reais. Só os prometidos 95 quilômetros de ônibus devem exigir recursos da ordem de 2 bilhões a 4 bilhões de reais, a depender do modelo escolhido e da necessidade de promover desapropriações para viabilizá-los.
Em seu primeiro mandato, a única obra que o tucano tirou do papel por decisão própria foi a revitalização do Vale do Anhangabaú, no centro de São Paulo. Mas, após sofrer muitas críticas, a reforma foi escondida na campanha eleitoral e nem sequer chegou a ser oficialmente inaugurada.
Outro projeto assumido por Covas sem sucesso ao longo dos mais de dois anos e meio de mandato foi a transformação de Minhocão em um parque, que agora consta oficialmente do plano de governo aprovado nas urnas. Se vingar, o prefeito espera que a proposta se transforme em uma de suas marcas de gestão, ao lado da implantação do Parque Augusta, também na região central da capital paulista. Ambas as medidas são reivindicações de uma parte do eleitorado que apoiou Guilherme Boulos (PSOL) no segundo turno.
Se a promessa de governar para todos assumida no discurso da vitória valer a partir deste primeiro dia do ano, Covas ainda terá de colocar em prática compromissos importantes e necessários na área da assistência social, como triplicar o número de vagas para moradores de rua em repúblicas, no modelo de autogestão, e implantar de forma progressiva e permanente o “cartão alimentação”, em substituição ao “Cidade Solidária”, que faz distribuição de cestas básicas à população mais carente.
A cientista política Vera Chaia, da PUC-SP, considera o enfrentamento da miséria na cidade como um dos principais desafios de Covas, que passou a campanha dizendo que deseja ser conhecido como um prefeito que se dedicou a reduzir as desigualdades sociais de São Paulo.
“O prefeito deverá aumentar sua atuação na área periférica, cuidando do saneamento básico, incrementando políticas habitacionais e, principalmente, incorporando e adotando ações voltadas para os moradores de rua, que aumentaram significativamente com a pandemia. Isso sem falar na questão do desemprego e na Cracolândia, problema que persiste há várias gestões e que foi agravada neste período”, ressalta.
Se os problemas são conhecidos, o que muda neste ano é a força da oposição que Covas terá de enfrentar na Câmara Municipal, e não apenas à esquerda, mas também à direita. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.