Brasil

Novo regime fiscal, salário mínimo, investimento privado: os sinais de Lula em mensagem ao Congresso

Presidente Lula enviou mensagem na abertura do ano legislativo nesta quinta-feira, 2. Leia a carta na íntegra

Luiz Inácio Lula da Silva com Arthur Lira e Rodrigo Pacheco (EVARISTO SA/Getty Images)

Luiz Inácio Lula da Silva com Arthur Lira e Rodrigo Pacheco (EVARISTO SA/Getty Images)

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Carolina Riveira

Publicado em 2 de fevereiro de 2023 às 17h03.

Última atualização em 2 de fevereiro de 2023 às 19h23.

Em mensagem ao Congresso nesta quinta-feira, 2, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) indicou as prioridades de seu governo e o que espera da relação com o Legislativo nos próximos meses. Deputados e senadores eleitos no ano passado tomaram posse na quarta-feira, 1º de fevereiro, e iniciam agora as primeiras sessões da legislatura.

O texto do governo é de praxe em virtude da abertura dos trabalhos no Congresso.

O documento tem 180 páginas e uma carta de apresentação de Lula. Na mensagem de abertura, o chefe do Executivo começa afirmando que, há vinte anos, em seu primeiro mandato, apresentou sua primeira carta ao Congresso, e que exaltou na ocasião "a importância do Parlamento para a democracia e para a construção de um Brasil mais justo e inclusivo".

"Honrado pelo povo brasileiro com um terceiro mandato, volto a me dirigir ao Parlamento para propor uma atuação harmônica, ainda que independente, em favor da reconstrução do Brasil", escreveu. 

"Reorganizar situação fiscal"

Lula afirmou que espera estimular o investimento privado enquanto também retomará o investimento público, e citou frentes como política de crédito para empresários (veja na íntegra aqui).

"Reconstruir o Brasil exige que estejamos comprometidos com a geração de emprego, trabalho e renda. Vamos retomar o investimento público e estimular o investimento privado para que os empregos voltem a ser gerados. Os empreendedores voltarão a contar com crédito em condições adequadas", declarou o presidente.

Na mensagem, citou também o novo regime fiscal a substituir o atual teto de gastos, e cuja proposta deve ser apresentada no primeiro semestre. A chamada "PEC da Transição" aprovada no fim do ano pelo Congresso e articulada pelo então governo eleito aponta que o governo deve enviar uma proposta neste ano, o que Lula assegurou que será feito antes do prazo.

"Submeteremos à apreciação do Congresso Nacional novas regras fiscais que assegurem previsibilidade e credibilidade ao nosso país", disse.

O presidente ressaltou também que a reforma tributária é prioridade, e que que deverá "promover uma mudança capaz de distribuir a carga tributária de maneira mais justa", deixando claro que o texto deve conter mudanças na tributação da renda, uma das promessas de campanha e que vem gerando debate.

"É de nosso máximo interesse reorganizar, o mais breve possível, a situação fiscal para que possamos voltar a investir nas brasileiras e nos brasileiros", diz a mensagem. "Queremos políticas públicas mais robustas, queremos atrair investimentos privados nacionais e externos. Por isso, reafirmo o compromisso e a disposição deste presidente e da equipe do governo para dialogar com o Congresso em favor da aprovação das medidas de reorganização fiscal."

Desafios de Lula no Congresso

Lula terá desafios no Congresso nos próximos anos, em meio a uma base aliada de esquerda e centro-esquerda pequena, embora a reeleição do senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG) para a Presidência do Senado seja vista como uma vitória inicial do governo. Além de Pacheco, Arthur Lira (PP-AL) foi reeleito presidente da Câmara, em vitória dada como certa.

Ao contrário de Lira, Pacheco é hoje visto como mais próximo do governo Lula, mas sua reeleição foi ameaçada pela candidatura de Rogério Marinho (PL-RN), que aglutinou parte da oposição bolsonarista. Pacheco venceu com 49 votos, ante 81 senadores no total. Em seu discurso após a vitória, Pacheco disse que pautas como a reforma tributária também estão no topo de suas prioridades na Presidência da Casa.

Dentre os temas na carta ao Congresso nesta quinta-feira, Lula falou também sobre salário mínimo, redução da fila do INSS, reconstrução das relações internacionais do Brasil e investimentos no Sistema Único de Saúde e na educação, muitos dos quais dependerão da interlocução com o Congresso.

No geral, dos 513 deputados eleitos ou reeleitos em 2022, por exemplo, só 108 são de esquerda ou centro-esquerda, embora Lula venha articulando para ter apoio de parte da centro-direita. Leia abaixo na íntegra a carta de Lula ao Legislativo e veja o restante do documento completo aqui.


Leia na íntegra a carta de Lula ao Congresso:

"Senhoras e Senhores Parlamentares.

Vinte anos atrás, quando apresentei à esta Casa a primeira das oito mensagens presidenciais que tive a honra de assinar, exaltei a importância do Parlamento para a democracia e para a construção de um Brasil mais justo e inclusivo.

Durante meus oito anos como presidente, mantive uma relação de harmonia e independência com o Congresso Nacional. Todos os avanços que conquistamos dependeram, fundamentalmente, do profundo diálogo e da busca de convergências com a Câmara dos Deputados e o Senado Federal.

Honrado pelo povo brasileiro com um terceiro mandato, volto a me dirigir ao Parlamento para propor uma atuação harmônica, ainda que independente, em favor da reconstrução do Brasil. Reconstrução urgente e necessária porque o Brasil e o povo brasileiro foram submetidos, nos últimos quatro anos, a um estarrecedor processo de fragilização das instituições e de negação de direitos e oportunidades.

Tenho a mais absoluta certeza de que o diálogo, a parceria, a confiança mútua e a união de esforços pela reconstrução do País serão o norte de nossas relações nos próximos quatro anos. E o Congresso Nacional, recentemente, deu duas demonstrações cabais de seu compromisso com o povo brasileiro.

A primeira delas foi a aprovação da Emenda Constitucional nº 126, de 21 de dezembro de 2022, que excluiu do Teto de Gastos o montante de R$ 145 bilhões necessários para fazer frente ao pagamento de um Bolsa Família fortalecido e mais justo. Que ampliou recursos para ações urgentes na área da saúde. E abriu espaço orçamentário suficiente para, entre outras ações, retomarmos obras prioritárias em Estados e Municípios, a serem definidas a partir de um amplo diálogo federativo.

A aprovação da Emenda, ainda antes de minha posse, simboliza uma colaboração sem precedentes, na qual o Congresso Nacional foi extremamente aberto e cooperativo. Em conjunto com a Equipe de Transição, construiu respostas rápidas e consistentes ao caos orçamentário que nos foi deixado e que tanto prejudicou a vida da população brasileira.

A segunda demonstração do Congresso Nacional foi a reação célere, firme e determinada aos atos terroristas do dia 8 de janeiro. O Senado Federal e a Câmara dos Deputados se levantaram contra a barbárie cometida pela tentativa de golpe. Aprovaram rapidamente os atos necessários para a garantia da segurança e da ordem institucional. E deram um claro recado: juntos, os três Poderes da República jamais permitirão que qualquer aventura autoritária vingue em nosso país. Não permitirão que se trilhe, no Brasil, qualquer caminho que não seja o da democracia e o da Constituição.

De minha parte, reafirmo o compromisso de defender e fortalecer nossa democracia, respondendo ao terror e à violência com a Lei e suas consequências. Reitero minha convicção de que o povo brasileiro rejeita a violência. Ele quer paz para estudar, trabalhar, cuidar da família e ser feliz. Quer de volta o direito de sonhar e as oportunidades para construir um futuro digno para si e para as gerações que virão.

A nós, como representantes eleitos pelo povo, cabe criarmos as condições necessárias para que isso seja possível. É urgente enfrentar a fome e as desigualdades. Mais do que governar, é preciso cuidar de todos e todas, mas olhando com atenção especial para as populações mais fragilizadas. É preciso tirar o pobre da fila do osso e recolocá-lo no Orçamento. Caso contrário, jamais conquistaremos a verdadeira democracia.

Como as Senhoras e os Senhores poderão ver, o primeiro capítulo desta Mensagem reproduz muitos dos temas que registramos no programa de governo de nossa coligação, nas eleições de 2022. Desde o início do nosso Governo, estamos trabalhando de forma incansável e dialogando com parlamentares, governantes estaduais e municipais, trabalhadores, empresários e representantes da sociedade. Temos um país para reconstruir e isso só será possível com a contribuição de diferentes forças políticas e da sociedade como um todo.

Já o segundo capítulo desta Mensagem corresponde ao relatório síntese do Gabinete de Transição. Fiz questão de incluí-lo neste documento para explicitar, mais uma vez, a gravidade do processo de desmonte do Estado e desorganização das políticas públicas nos últimos anos.

O trabalho do Gabinete de Transição mostrou que a tragédia que se abateu sobre o Brasil tem múltiplas faces. A fome voltou e a pobreza e a exclusão explodiram. Faltam recursos para a saúde, a educação e a ciência e tecnologia. Os direitos dos povos originários foram duramente atacados, assim como nossa biodiversidade, provocando um retrocesso no combate às mudanças climáticas. O obscurantismo tomou conta da cultura. As políticas de direitos humanos e de enfrentamento das desigualdades foram propositalmente abandonadas. A gestão do Estado foi relegada e a transparência deu lugar ao sigilo despropositado. A governança na economia foi desorganizada, assim como as políticas de apoio ao produtor, de todos os setores e tamanhos.

Demos início, já no primeiro dia de Governo, a mudanças fundamentais. Estabelecemos uma política de controle de armas mais severa, revertendo a criminosa liberalização promovida no governo anterior, que tanta insegurança trouxe ao nosso País. Restituímos as políticas de combate ao desmatamento, reativamos o Fundo Amazônia e revimos a destinação das multas ambientais, porque é urgente retomar uma política responsável em relação à nossa biodiversidade. Vamos tornar o Brasil uma potência ambiental, com uma agropecuária e mineração sustentáveis, uma indústria mais verde, e o estímulo à bioeconomia e aos empreendimentos da sociobiodiversidade.

Os desafios da reconstrução são grandes. Sua superação exigirá vontade, determinação política e plena abertura ao diálogo com os demais poderes da República. Estejam cientes que, a mim e ao Vice-Presidente, Geraldo Alckmin, nenhum desses ingredientes faltará.

Nesta Casa, o trabalho e a busca pelo consenso começam desde já, com o debate que precede a deliberação sobre medidas provisórias que entendemos fundamentais neste início de Governo. São textos relativos à reestruturação do Estado e recriação de ministérios, além da retomada e do fortalecimento do Bolsa Família, tão urgente quanto a fome que afeta nossos irmãos e nossas irmãs de todo o Brasil. Lembro ainda as medidas de recuperação das contas públicas que apresentamos em 12 de janeiro, que também esperamos ver aprovadas pelo Congresso.

No curto e no médio prazo, vamos juntos debater outros temas estruturantes. Encontramos um Estado em profundo desequilíbrio fiscal. O Teto de Gastos teve efeitos destrutivos sobre as políticas sociais, ao mesmo tempo que se tornou absolutamente inócuo como instrumento de controle fiscal. Vamos construir um novo regime fiscal para o Brasil.

Ainda no primeiro semestre, antes mesmo da data prevista na Emenda Constitucional nº 126, de 2022, submeteremos à apreciação do Congresso Nacional novas regras fiscais que assegurem previsibilidade e credibilidade ao nosso País. Também avançaremos na reforma tributária, essencial para a retomada sustentável do crescimento, e que deverá promover uma mudança capaz de distribuir a carga tributária de maneira mais justa.

É de nosso máximo interesse reorganizar, o mais breve possível, a situação fiscal para que possamos voltar a investir nas brasileiras e nos brasileiros. Queremos políticas públicas mais robustas, queremos atrair investimentos privados nacionais e externos. Por isso, reafirmo o compromisso e a disposição deste Presidente e da equipe do Governo para dialogar com o Congresso em favor da aprovação das medidas de reorganização fiscal.

Na educação, vamos apresentar à sociedade, ainda em 2023, propostas consistentes para elevar a qualidade da educação básica, assim como para ampliar a oferta de creches e expandir a educação em tempo integral. Já iniciamos a recuperação dos orçamentos das universidades e dos institutos federais de educação tecnológica. Apresentaremos, ainda em 2023, uma proposta para retomar a expansão das vagas nas redes federais de educação, com o fortalecimento das cotas, que será acompanhada de medidas consistentes para garantir a permanência dos estudantes.

Patrimônio do povo brasileiro, o Sistema Único de Saúde (SUS) terá recursos para reorganizar a atenção básica e retomar programas como o Farmácia Popular e as campanhas de vacinação. Daremos especial atenção à ampliação da oferta de atenção especializada, adotando, ainda nestes primeiros meses de 2023, medidas para enfrentar as filas de exames e tratamentos especializados.

Asseguro nosso compromisso de cuidar da saúde de todas e todos, sem exceção, para que situações como a de nossos irmãos Yanomami, deliberadamente abandonados pelo governo anterior, não se repitam nunca mais. O genocídio cometido contra o povo Yanomami exige de nós medidas mais drásticas, além do atendimento médico de urgência e do combate à desnutrição. É urgente a retirada de 20 mil garimpeiros que atuam de forma ilegal no território indígena, assassinando crianças, destruindo florestas e envenenando rios e peixes com mercúrio.

Reconstruir o Brasil exige que estejamos comprometidos com a geração de emprego, trabalho e renda. Vamos retomar o investimento público e estimular o investimento privado para que os empregos voltem a ser gerados. Os empreendedores voltarão a contar com crédito em condições adequadas.

Adotaremos uma nova política de valorização do salário mínimo. Criamos uma comissão para, até abril de 2023, elaborar uma proposta sobre o tema, que vamos encaminhar, em seguida, para análise do Parlamento. E, em breve, queremos também contar com a colaboração do Congresso para a construção negociada de regras para um novo sistema sindical e de proteção ao trabalho. As propostas serão elaboradas por meio de diálogo tripartite – governo, centrais sindicais e empresariais – e submetidas à apreciação e ao aperfeiçoamento pelos representantes do povo no Congresso. Haveremos de alcançar o equilíbrio entre a proteção ao trabalho, a liberdade de empreender e o estímulo ao investimento.

As filas do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) vão acabar. A garantia de direitos das cidadãs e dos cidadãos voltará a ser o parâmetro para medir a eficiência da gestão. Cada redução de desigualdade alcançada será medida de eficácia da gestão. O Estado brasileiro volta, a partir de agora, a atuar de forma obstinada contra o preconceito, a discriminação e o racismo. Assegurar igualdade de direitos e oportunidades a todas e todos exigirá políticas ativas e afirmativas. As mulheres, as negras e os negros, os povos indígenas e as pessoas com deficiência voltam a ter no Estado um parceiro para suas lutas por igualdade.

O Brasil terá, em nossa gestão, uma política externa soberana, dedicada ao desenvolvimento sustentável e à construção de nova ordem global comprometida com o multilateralismo, o respeito à soberania das nações, a paz, a inclusão social e a sustentabilidade ambiental. A cooperação com nossos vizinhos continentais voltará a ser central em nossa política exterior, com a reintegração à Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), o fortalecimento do Mercado Comum do Sul (Mercosul) e a revitalização da União de Nações Sul-Americanas (Unasul), além das parcerias bilaterais.

Reassumiremos nossa posição histórica em defesa dos direitos humanos em todos os foros internacionais. Voltaremos a nos posicionar como um país comprometido com a defesa da biodiversidade e com o enfrentamento dos desafios impostos pelas mudanças climáticas. As viagens internacionais, que incluirão igualmente o continente africano em clara demonstração da centralidade daquela região para o Brasil, voltarão a ser momentos da prática de uma política de um país que se reconhece como relevante no cenário internacional, que respeita e valoriza seus parceiros desenvolvidos e em desenvolvimento, mas principalmente defende e valoriza sua soberania.

O ano de 2023 será o início de um tempo de união e reconstrução, um tempo de reafirmação da democracia e de retomada do compromisso de cuidar do povo brasileiro. Trabalharemos de forma incansável, em profunda interlocução republicana com governantes estaduais e municipais, sem qualquer distinção partidária. Ouviremos, sempre, trabalhadores, empresários e representantes da sociedade.

Estaremos, sobretudo, trabalhando de maneira harmônica e independente com o Congresso Nacional. Temos uma agenda prioritária robusta neste ano legislativo que se inicia. Temos, sobretudo, a missão de deixar mais uma vez escrito na história desse País que é somente a partir do diálogo, da boa política e da busca pelos consensos que poderemos avançar no processo de reconstrução do Brasil.

É isso que o povo brasileiro espera de todos nós.

Luiz Inácio Lula da Silva

Presidente da República"

 

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