Barroso: ministrou não mencionou o nome do ex-presidente de maneira expressa, mas fez uma referência velada a ele (Ueslei Marcelino/Reuters)
Estadão Conteúdo
Publicado em 7 de abril de 2018 às 21h46.
Boston - No dia em que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi preso, o ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso disse que "do mesmo modo que não se deve criminalizar a política, não se deve glamourizar o crime". Aplaudido de pé ao fim de palestra na Brazil Conference at Harvard & MIT, em Cambridge, Barroso afirmou ainda que há uma "operação abafa" em curso, que tinha como alvo a manutenção do foro privilegiado e agora se centra na derrubada da jurisprudência do STF que permite a prisão depois de julgamento em segunda instância.
"A estratégia mudou para acabar com a execução após o segundo grau. Daí o processo (contra corrupção) vai começar no primeiro grau e não vai acabar nunca. A estratégia foi alterada diante da perspectiva da mudança do foro", observou o ministro, depois de lembrar que já há oito votos no Supremo favoráveis ao fim do foro privilegiado. A jurisprudência que permite a execução da pena depois de julgamento em segunda instância esteve na base da decisão da corte de negar o pedido de habeas corpus de Lula.
Barroso não mencionou o nome do ex-presidente de maneira expressa, mas fez uma referência velada a ele. "Procuro ser o melhor juiz que eu consigo ser, que é um juiz que faz uma interpretação constitucional retilínea e não desvia quando chega em A, não desvia quando chega T e não desvia quando chega em L" - a menção à inicial do nome de Lula provocou risos e aplausos na plateia.
"Quem cobra dinheiro para dar desoneração em medida provisória, quem achaca em Comissão Parlamentar de Inquérito ou quem cobra pedágio para dar financiamento público, isso não é criminalização da política. Isso é crime mesmo", afirmou. Barroso disse que o Mensalão e a Lava Jato começaram a mudar a cultura de que o Direito Penal se aplica apenas aos pobres e não atingia ninguém que ganhe mais que cinco salários mínimos. "A incapacidade de punir a criminalidade do colarinho branco criou um País de ricos delinquentes, gente que pratica sem nenhuma cerimônia corrupção ativa, corrupção passiva, peculato, fraudes em licitações e lavagem de dinheiro".
Segundo ele, a dimensão da corrupção no Brasil é fruto de um "pacto oligárquico" para beneficiar o que chama de "elites extrativistas". Diante do avanço na punição, Barroso disse que os mesmos grupos reagem às ações do Judiciário.
No mesmo evento, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, pediu que a opinião pública se mantenha "ativa" e cobre das instituições e do Judiciário a aplicação da lei de maneira igualitária para todos. Para Raquel, a pressão popular foi um dos fatores fundamentais que ampliaram o combate à corrupção nos últimos anos, ao lado da delação premiada, dos acordos de leniência para empresas e da decisão STF de permitir a prisão de réus após condenação em segunda instância.
Dodge disse estar confiante de que o Supremo manterá esse entendimento. "O STF acaba de chancelar pela quarta vez essa possibilidade. Isso é importante porque abrevia o tempo de aplicação da sanção e torna possível divisar no horizonte a ideia de que a condenação vai ser realmente cumprida", afirmou.
Barroso ressaltou que a defesa da integridade deve estar acima de ideologias e fazer parte de um pacto que anteceda a disputa por ideias. Depois de mencionar estatísticas da operação Lava Jato, o ministro afirmou que a escala do sistema de corrupção é "tão impressionante" que poderia levar alguns a imaginarem que se trata de uma conomenspiração-teoria que é defendida por muitos dos apoiadores de Lula.
"Só há um problema contra essa teoria: os fatos, os malditos dos fatos. Os áudios, os vídeos, as fotos, as malas, as mochilas, os apartamentos. Onde se destampa há coisa errada. Isso poderia abater cidadania de qualquer país, mas eu continuo achando que temos futuro promissor pela frente", afirmou.