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No Rio, intolerância atinge mais religiões afro-brasileiras

Segundo relatório, 70% das denúncias de intolerância religiosa na cidade nos últimos anos foram contra religiões de matriz africana


	Candomblé: as denúncias de crimes contra religiões afro-brasileiras representaram 71,15% dos casos nos últimos quatro anos
 (Arquivo/ABr)

Candomblé: as denúncias de crimes contra religiões afro-brasileiras representaram 71,15% dos casos nos últimos quatro anos (Arquivo/ABr)

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Da Redação

Publicado em 21 de janeiro de 2016 às 20h25.

Rio de Janeiro - Das cerca de mil denúncias de intolerância religiosa registradas no Rio de Janeiro nos últimos quatro anos, mais de 70% foram de crimes praticados contra religiões de matriz africana.

A informação está em relatório da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa, divulgado hoje (21), dia nacional de enfrentamento desse tipo de discriminação.

O coordenador do Relatório de Intolerância Religiosa, babalawo Ivanir dos Santos, ressaltou que os dados – coletados nacionalmente de dez fontes distintas – não dialogam, o que evidencia a ausência de uma base nacional de informações sobre casos de intolerância religiosa.

“Não temos dados consolidados, embora sejam muito representativos e mostrem que os casos não são isolados. Mas precisamos de uma politica nacional para combater esse problema, pois acredito que os dados estejam subestimados, muitos casos não chegam até nós”.

De acordo com o Centro de Promoção da Liberdade Religiosa e Direitos Humanos (Ceplir), do governo do Rio, responsável pelo atendimento às vítimas de intolerância religiosa, as denúncias de crimes contra religiões afro-brasileiras representaram 71,15% dos casos nos últimos quatro anos.

Entretanto, em 2015, de setembro a dezembro, 32% dos casos de intolerância denunciados foram contra muçulmanos, seguidos de 30% contra candomblecistas, indígenas (6%), agnósticos (5 %), pagãos (3 %) e kardecistas (3%).

Em todo o Brasil, de acordo com a Secretaria de Direitos Humanos, entre 2011 e 2015, foram registrados 697 casos de intolerância religiosa, denunciados pelo Disque 100.

Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais encabeçam a lista de denúncias, com 131, 128 e 64 casos, respectivamente.

Já os registros da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir) revelam que os pardos e negros são as principais vítimas de intolerância religiosa, com 34,66% dos casos; os brancos foram vítimas em 22,38% das denúncias.

Em relação ao perfil dos responsáveis pela discriminação religiosa, os suspeitos eram vizinhos das vítimas em 26,94% dos casos e, em 29,4% das denúncias, desconhecidos.

Ivanir dos Santos chamou a atenção para o fato de que cerca de 5% dos agressores eram professores.

“Esse é um dos dados mais alarmantes, pois mostram que agentes da educação agridem crianças e jovens de religiões diferentes”, disse o babalawo.

“Ou há um mau uso da educação religiosa ou há resistência à Lei 10.639, que fala da história da África e do negro no Brasil”, ponderou.

Ato contra a intolerância religiosa O relatório foi divulgado na Igreja Ecumênica da Religião de Deus, em Riachuelo, zona norte do Rio de Janeiro.

Antes, um trem com integrantes de diferentes religiões partiu da Central do Brasil rumo à estação do Riachuelo e de lá o grupo saiu em cortejo até a igreja, onde discutiu os resultados do documento.

Uma das participantes do ato foi a adolescente Kayllane Campos, 12 anos, que levou uma pedrada no ano passado por estar com vestuário de candomblé.

“Fiquei mais consciente do preconceito, pois depois do meu caso vieram vários outros e vi como é difícil sofrer intolerância religiosa. Não podemos nos intimidar”.

“A pedrada que atingiu Kayllane acordou o nosso povo”, disse a avó da adolescente e mãe de santo Kátia Coelho Marinho.

“Ela se tornou nosso símbolo de luta. Estávamos acostumados a sermos hostilizados e deixar para lá e agora não. Estamos colocando a boca no trombone e estamos mais conscientes de que somos apedrejados todos os dias”.

A representante dos pajés da Costa Verde, Papiõn Karipuna, lamentou que seja necessário uma mobilização de combate à intolerância religiosa em pleno século 21.

“Não deveríamos ter um evento para lembrar que todos devemos ser respeitados. Mas o encontro entre outras religiões é importante, pois quando conhecemos a outra religião, conhecemos a diversidade e aprendemos a respeitar”, disse.

Papiõn disse que também aproveita eventos como este para denunciar o avanço das igrejas pentecostais dentro das aldeias indígenas. “A espiritualidade do povo indígena existe, não podemos permitir invasões religiosas nas nossas aldeias. Já temos nossa religião”.

Integrante da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa há 8 anos, Raga Bhumi sempre participa dos encontros ecumênicos representando o movimento Hare Krishna.

“É um fato que a intolerância religiosa está se espalhando rapidamente e vem acompanhada do fanatismo, da violência e da injustiça. Essa intolerância tem como base geralmente a ignorância, a falta de conhecimento sobre o outro”.

Dificuldade para registrar denúncias O relatório cita estudo da Universidade Federal Fluminense (UFF) que avaliou 32 casos registrados na Comissão de Combate à Intolerância Religiosa e identificou a recorrente dificuldade em denunciar casos de intolerância religiosa em delegacias policiais, devido a discordâncias na interpretação dos casos.

O documento da comissão também abordou o perfil dos terreiros no Rio de Janeiro, com base na pesquisa da Pontifícia Universidade Católica (PUC) Mapeamento de Terreiros.

Dos 846 locais pesquisados em todo o estado, 74,8% informaram que são do Candomblé. A capital fluminense tem o maior número de terreiros, seguida da Baixada Fluminense.

No município do Rio, do total de 392 terreiros, 196 encontram-se na zona oeste, seguida da zona norte, com 183.

O estudo da PUC revela que 48% das denúncias contra terreiros foram registradas em boletim de ocorrência, sendo que os terreiros pequenos sofreram a maior parte dos atos intolerantes.

Em relação a agressões verbais, na maioria dos casos (70%) foram usados os termos “macumbeiros” e “filho do demônio”.

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