Somente 293 alunos que estudaram em condições extremamente desfavoráveis conseguiu ter nota no Enem equivalente à da elite dos colégios (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Estadão Conteúdo
Publicado em 18 de janeiro de 2019 às 11h22.
Última atualização em 18 de janeiro de 2019 às 12h27.
Vinícius Sueiro — Somente um pequeno grupo de 293 alunos brasileiros que estudaram em condições extremamente desfavoráveis conseguiu ter nota no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2017 equivalente à da elite dos colégios do país.
Apesar de pobres e em escolas com infraestrutura precária, esses jovens contrariam as estatísticas, que mostram que o desempenho educacional está quase sempre relacionado às condições em que o aluno vive e estuda. Pelos dados, o aluno pobre tem só 0,16% de chances de estar entre as melhores notas do Enem.
O peso desses fatores socioeconômicos é de até 85% no resultado de quem presta o Enem - principal porta de entrada no ensino superior público e privado do país.
Levantamento feito pelo cientista de dados e mestre em Economia do Setor Público pela Universidade de Brasília (UnB) Leonardo Sales cruzou dados de 1,3 milhão de candidatos cujas notas estavam disponíveis. Naquela edição, cerca de 4,6 milhões de alunos prestaram o teste.
Para fazer o cálculo, contou-se um "ponto" para cada condição geralmente relacionada a um baixo desempenho para a nota.
São elas: cursar o ensino médio em colégio municipal ou estadual, não ter carro, computador, acesso à internet nem telefone fixo, ter frequentado escola com pouca infraestrutura (como baixo número de funcionários ou poucos equipamentos multimídia) e renda familiar inferior a R$ 312 por pessoa (equivalente a um terço do salário mínimo naquele ano).
No total, 176,9 mil candidatos do Enem daquele ano somaram dez pontos — estavam associados a todas essas condições adversas de uma só vez.
Apenas 293 tiveram pontuação suficiente para entrar no grupo dos alunos mais favorecidos — o extremo oposto, sem preencher nenhum dos dez requisitos de vulnerabilidade socioeconômica.
Significa que o aluno pobre tem apenas uma chance em 600 (0,16%) de ficar entre as 5% melhores notas. E, desse total de estudantes no topo, só 0,4% são desse estrato mais pobre.
Para entrar no grupo dos melhores, o desempenho necessário era de 659,5 pontos (de mil possíveis) na média das provas objetivas (Linguagens, Matemática, Ciências Humanas e da Natureza).
Além de 180 questões dessas áreas, o exame cobra uma redação. Levantamento com notas do Enem anterior mostra tendência semelhante.
Mais da metade desses alunos (154) é do Ceará, cujo ensino público se tornou referência após ter desenvolvido programas voltados para a alfabetização na última década.
No ensino médio, a rede cearense é a quarta melhor do País, junto de São Paulo e Rondônia, como mostra o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) 2017 (mais recente), principal indicador federal de qualidade na área.
Mas, afinal, o que mais une os perfis desses alunos? O jornal O Estado de S. Paulo foi atrás das histórias de quatro desses jovens (leia mais nesta página). De origem pobre, eles contaram com o esforço dos pais para dedicarem dia e noite aos estudos - às vezes com uma brecha para estágio.
Com o objetivo de contornar dificuldades, usaram todo tipo de estratégia: videoaulas na internet, computador emprestado da prima e idas à biblioteca pública para revisar a matéria.
Em alguns casos, a condição socioeconômica pode até não pesar na nota, mas atrapalha a escolha do curso desejado. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.