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"Não vamos baixar o nível”, diz Neca Setubal sobre ataques

Alvo da campanha do PT, Neca afirmou a EXAME.com que não vê conflito de interesses no fato de ser acionista do Itaú - mas não diz o mesmo de Henrique Meirelles como presidente do BC durante a era Lula

Maria Alice Setubal (EXAME/Arquivo)

Maria Alice Setubal (EXAME/Arquivo)

Talita Abrantes

Talita Abrantes

Publicado em 14 de setembro de 2014 às 18h31.

São Paulo -  Desde o primeiro debate dos presidenciáveis, Maria Alice Setubal, coordenadora do programa de governo de Marina Silva (PSB), foi alvo de (ainda tímidos) ataques feitos pelos candidatos ao Planalto. Nos últimos dias, contudo, o tom subiu e Neca (como é chamada) se viu em meio ao tiroteio da campanha de Dilma Rousseff (PT) contra a candidata do PSB - hoje, a principal ameaça ao projeto de reeleição da presidente. 

Na pauta estão os negócios da família da educadora. Herdeira de Olavo Setubal, fundador do banco Itaú, Neca é dona de 1,3% das ações do grupo - o que representa 0,5% do Itaú Unibanco. Com formação em sociologia e uma carreira voltada para a educação, ela, contudo, nunca ocupou um cargo na empresa da família.

“No caso de Henrique Meirelles, que era presidente do BankBoston fora do Brasil e foi chamado para ser presidente do Banco Central, você pode dizer que havia um conflito de interesse. No meu caso, não”, disse em entrevista a EXAME.com na última sexta-feira no diretório nacional da campanha do PSB. Meirelles presidiu o BC durante o governo de Luiz Inácio Lula da Silva.

Presidente da Fundação Tide Setubal e fundadora do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (CENPEC), Neca conheceu Marina em 2009. Nas eleições deste ano, já doou 200 mil reais ao comitê de campanha da candidata. Do Itaú, por sua vez, foram  2 milhões de reais - o mesmo valor destinado para Aécio Neves (PSDB).

Em 2010, o grupo financiou 4 milhões de reais para Dilma Rousseff (PT) e José Serra (PSDB). Para Marina, a doação foi de 1 milhão de reais. 

EXAME.com: Qual a reação da senhora ao ver seu nome citado pela campanha de Dilma Rousseff?
Neca Setubal:
Eu entendo que quando a Marina está na posição de candidata à presidência, ela tem que prestar contas para a sociedade. As pessoas que estão muito próximas também se tornam figuras públicas e têm que prestar contas. Isso é parte da democracia e é importante.

Não tenho nada para esconder. Sempre tive uma vida profissional consistente, sempre atuei na área da educação e social. Não sou banqueira. Nunca ocupei nenhum cargo, não faço parte do Conselho. Eu sou acionista do Banco Itaú.

EXAME.com: Um dos argumentos do PT é que a autonomia do Banco Central, defendida pela campanha do PSB, é favorável aos bancos ...
Neca Setubal:
A autonomia do Banco Central foi definida pelo Eduardo Campos. A Marina respalda esta proposta porque houve um desajuste do tripé econômico. Eu não respondo pela área de economia. Estou com a Marina pela legitimidade e reconhecimento do meu trabalho como educadora. É disso que se trata.

EXAME.com: Muito se fala que pode existir um conflito de interesses no fato da senhora ser acionista de um banco e estar em um eventual governo. A senhora pensa em vender suas ações do Itaú?
Neca Setubal:
Do meu ponto de vista, não há nenhum conflito de interesse. No caso de Henrique Meirelles, que era presidente do BankBoston fora do Brasil e foi chamado para ser presidente do Banco Central, você pode dizer que havia um conflito de interesses. No meu caso, não.

EXAME.com: Como a campanha vê os resultados das últimas pesquisas de intenção de votos do Ibope e do Datafolha?
Neca Setubal:
Não tenho elementos para avaliar a pesquisa do Ibope [a entrevista aconteceu algumas horas após a divulgação dos resultados]. Vou focar na [pesquisa] do Datafolha. Depois de dez dias da Marina apanhar direto [de outros candidatos], ela caiu pouco e a Dilma aumentou um pouco. Acho que é um resultado ótimo porque mostrou consistência - mesmo com dois minutos de tempo na TV e a Dilma com 12.

EXAME.com: Para reverter o quadro das pesquisas, Dilma optou pelo ataque e parece que deu certo. Qual vai ser o tom da campanha de Marina daqui para frente?
Neca Setubal:
A Marina responde o que ela acredita ser importante e continuamos em uma posição propositiva. Nós não vamos baixar o nível, não vamos descontextualizar propostas, falar inverdades e fazer conexões absurdas como a campanha do PT fez em relação ao Banco Central, como está fazendo em relação ao pré-sal. Aliás, a primeira coisa que a gente gostaria de ter é o programa [de governo] do PT. 

EXAME.com: Mas a Marina tem atacado Dilma sobre a CPI da Petrobras ...
Neca Setubal:
Acho que a Marina está falando uma coisa que todos os brasileiros querem saber: o que aconteceu com a Petrobras. Esses dados ainda estão por vir.

EXAME.com: O que a campanha tem a dizer sobre o fato de Eduardo Campos ser mencionado na lista de envolvidos com o esquema da Petrobras?
Neca Setubal:
Não sabemos ainda o que aconteceu.

EXAME.com: Durante as manifestações no ano passado, Marina falou que a sociedade buscava protagonismo político. Ao mesmo tempo, o programa de governo cita o tema das candidaturas avulsas, que permitem que cidadãos se candidatem às eleições de maneira independente. Por que, apesar disso, tanto a senhora quanto a Marina se esforçam para criar mais um partido?
Neca Setubal:
Nosso programa mostra a importância de deflagrar uma reforma política, que só será possível se for construída com a sociedade. O programa não diz que apoiamos a candidatura avulsa como se fosse um consenso. Este é um ponto da Rede. Colocamos vários pontos para serem debatidos pela sociedade.Obviamente, isso será articulado com os partidos e o Congresso como a instância máxima que nós temos na Constituição.

A Marina é uma pessoa de partido. Estamos apoiando a posição da Rede, que é um partido político dentro da estrutura partidária do país. Portanto, é a confirmação de nosso total apoio ao Congresso e aos partidos. 

EXAME.com: Como isso será possível sem uma ampla base de apoio no Congresso?
Neca Setubal:
Nós temos um diálogo aberto com a sociedade. Este é um primeiro ponto. O outro é o diálogo aberto com os partidos. Temos uma capacidade de dialogar com diferentes partidos e formar uma base. Isso vai ser construído. Vamos esperar chegar no segundo turno, quando serão dois candidatos. Aí, vamos poder começar a pensar qual é essa base de governabilidade.

EXAME.com: Como conseguir tal apoio sem troca de cargos no governo – algo rechaçado pela campanha? Será que vocês não teriam que ceder?
Neca Setubal:
A gente tem que desconstruir algumas premissas. A primeira é que não é possível mudar, que a sociedade brasileira sempre foi assim. A segunda é que não existem políticos honestos. Partindo dessas duas premissas, o tiroteio é feito. Então, nem precisa ter eleição. Fica tudo do jeito que está.

EXAME.com: Há algumas semanas, a senhora disse que Dilma tinha uma liderança masculina. Qual seria o estilo de Marina?
Neca Setubal:
[Dilma tem] a referência de uma  liderança que sempre existiu e é baseada em uma postura mais masculina, mais vertical, mais autoritária. O século 21 [pede] um modelo mais feminino, do acolhimento, do diálogo, da capacidade de implementar e de costurar as diferentes ideias, com firmeza.

EXAME.com: Mas muito se tem falado que a Marina Silva é inflexível ...
Neca Setubal:
Se a Marina é uma pessoa que evoluiu, que ampliou o diálogo, [dizem que] é porque ela é inconstante e sempre muda de opinião. Se ela não muda, é intolerante. Não tem saída. O que é preciso olhar é que ela tem capacidade de dialogar com pessoas diferentes, de credos diferentes. Mas ela tem seus princípios e valores. E isso é muito bom.

EXAME.com: A saída de Carlos Siqueira da coordenação da campanha não seria por conta disso?
Neca Setubal: F
oi uma posição pessoal do Carlos Siqueira, que lamento porque gosto muito dele. Nós todos da Rede tínhamos um diálogo direto com ele. Marina não é impositiva, tanto que ela colocou que gostaria muito que o Carlos Siqueira continuasse na coordenação, mas que cabia ao PSB decidir, já que o Walter [Feldman] era da Rede. Ele interpretou esta atitude como se ela o estivesse demitindo.

EXAME.com: A campanha perdeu  apoio considerável da comunidade LGBT por conta da revisão do programa.
Neca Setubal:
Foi um erro nas idas e vindas de revisão do texto. É absurdo que tenha acontecido. Como coordenadora do programa, eu assumo este erro. Mas continua sendo o programa mais avançado neste sentido.

EXAME.com: Por que a educação integral é assunto tão recorrente nos discursos de Marina?
Neca Setubal:
Desde Eduardo Campos, afirmamos que a educação integral é a grande política para refundar uma escola pública de qualidade. É um compromisso de universalizar a educação integral no ensino médio e incentivá-la a partir do ensino fundamental.

EXAME.com: Por que é a principal solução? 
Neca Setubal:
Pensar em educação integral é pensar em educação de uma forma sistêmica, onde você pensa a criança, o jovem e o adolescente em sua integralidade. Não é necessariamente escola em tempo integral. Esta pode ser uma das modalidades. Em outras, além do conceito da integralidade, a educação integral pode fazer um diálogo com a comunidade, que [o programa] não seja inteiro dentro da escola. Você tem a possibilidade de reavaliar o currículo, e no caso do ensino médio, articular com o ensino profissional.

EXAME.com: Recentemente, Eduardo Giannetti, que cuida da área econômica do programa, afirmou ser favorável à cobrança de mensalidade em universidades públicas para quem tivesse condições. Qual a sua opinião?
Neca Setubal:
É uma visão pessoal dele. Eu não concordo. A universidade tem que ter uma função social. Está no nosso programa que todas, principalmente as públicas, deveriam ter créditos obrigatórios de intervenção na comunidade na área de atuação dos cursos. É sim obrigação das universidades públicas devolver algo para a sociedade. Mas há outras formas de se pensar. Não sou favorável à cobrança de mensalidade.

EXAME.com: Dilma tem reforçado o aumento de número de vagas nas universidades federais como uma conquista do governo petista. Qual a proposta da campanha nesse sentido? 
Neca Setubal:
 Queremos ampliar a democratização do acesso ao ensino superior. Isso passa por uma avaliação e adequação do ProUni [Programa Universidade Para Todos] e Fies [Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior]. Passa também por, talvez, avaliar a necessidade de ampliação das universidades públicas em termos da gente pensar a diminuição das desigualdades regionais.

É papel do Estado redistribuir os bens públicos. Um dos bens públicos é a educação. Então, a dimensão das desigualdades regionais, principalmente no Norte e Nordeste, passa muito pela educação para que haja uma qualificação da mão de obra. 

EXAME.com: Durante o EXAME Fórum, há um mês, a senhora disse que investimentos não eram o bastante para melhorar a educação. O que é necessário, então?
Neca Setubal:
Precisa ser mais eficiente. Precisa de transparência no uso dos recursos. Tem que haver uma maior articulação entre Estado e município, porque há uma superposição de funções. O conselho do Fundeb vê se o uso do recurso está de acordo com a lei. Isso é importante. Mas mais do que isso, é saber se está dando resultados adequados, se está seguindo as metas do Plano Nacional de Educação.

EXAME.com: Para quem seria demandado o resultado?
Neca Setubal:
Para todos os envolvidos. Você não pode culpabilizar o professor, que é o que acaba acontecendo. Você tem que dar para ele as condições necessárias. Isso passa pelo Ministério da Educação, pelas Secretarias de Educação e os órgãos regionais de educação para que a escola possa funcionar e os professores tenham condições dignas de carreira, de salário e condições [na sala de aula]. É uma cadeia.

EXAME.com: A senhora disse, há algum tempo, que preferia flexibilidade em vez de um cargo no governo. Em um eventual vitória de Marina, a senhora aceitaria cuidar de qual ministério?
Neca Setubal: Ainda tem o primeiro turno, o segundo turno. Em uma eventual vitória, eu vou estar ao lado dela, onde ela achar melhor. A campanha não está discutindo cargos.

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