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Mudanças climáticas tornaram a tragédia no RS duas vezes mais provável, diz estudo

Cientistas destacam, porém, que as chuvas poderiam não ter causado tanta devastação na região se os sistemas de proteção estivessem operando

Chuvas no Rio Grande do Sul: estado sofre com enchentes e deslizamentos

Chuvas no Rio Grande do Sul: estado sofre com enchentes e deslizamentos

Agência o Globo
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Publicado em 3 de junho de 2024 às 20h00.

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As mudanças climáticas estão por trás das chuvas que arrasaram o Rio Grande do Sul, afirma um estudo do World Weather Attribution (WWA, na sigla em inglês) apresentado nesta segunda-feira. Segundo a organização, esses fatores dobraram o risco de ocorrência do evento extremo na região.

O estudo aponta ainda que mudança do clima associada à ação humana amplificou o efeito do El Niño para que chuvas extraordinariamente intensas acontecessem. Porém, destacaram os cientistas, elas poderiam não ter causado tanta devastação em Porto Alegre, caso os sistemas de proteção da cidade estivessem funcionando.

— A intensidade catastrófica das chuvas está associada às mudanças climáticas e ao El Niño, mas a magnitude e a persistência de seus efeitos foram agravadas pela falta de preparo para eventos climáticos, de qualquer grau. Essas chuvas causariam um desastre, mas ele poderia não ter sido tão grande, se houvesse um mínimo de preparo — afirma a professora de Oceanografia da Universidade Federal de Santa Catarina Regina Rodrigues, uma das autoras do estudo e especialista nos impactos do El Niño no Sul do Brasil.

O estudo também salienta que a destruição da vegetação nativa e a ocupação das margens dos rios contribuiu para amplificar o potencial destrutivo das chuvas do fim de abril e início de maio.

O trabalho destaca que o sistema de diques, comportas e bombas de Porto Alegre começou a falhar quando o nível do Lago Guaíba chegou a 4,5 metros, a despeito de, em tese, ter sido construído para suportar uma inundação de até seis metros.

Também coautora do estudo, a cientista Maja Vahlberg, do Centro Climático da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho, em Haia, na Holanda, observa que houve alerta meteorológico, mas pouca ação de resposta. Não se trata de resiliência contra eventos inéditos, como esse, mas mesmo para chuvas que já ocorreram em outras ocasiões. O Rio Grande do Sul tem um histórico de enchentes, mas nunca desenvolveu sequer um plano estratégico, acrescentaram os pesquisadores.

— A falha no sistema de proteção teve impacto importante porque permitiu a inundação de áreas que poderiam ter sido poupadas ou não ter sofrido tantos danos. Por exemplo, no Centro de Porto Alegre — disse Vahberg durante a apresentação do estudo.

Foram analisados os períodos de 29 de abril a 2 de maio, que concentraram as chuvas mais intensas. E também o período maior de 26 de abril, quando começou a chover com mais força, a 5 de maio, quando desabou a última das grandes tempestades.

Lincoln Muniz Alves, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), também coautor do estudo, explica que foi analisado o período de maior severidade de chuvas. Ele ressalta, porém, que o cenário prosseguiu por todo o mês de maio, dando mais persistência e gravidade à inundação.

Os pesquisadores calcularam que esse foi um evento extremo tão raro e destrutivo que poderia se esperar que acontecesse uma vez num período de cem a 250 anos.

Contudo, à medida em que a temperatura da Terra continua a aumentar, esse tipo de evento extremo deve se tornar mais comum e intenso. A probabilidade é que chuvas e inundações catastróficas como essa ou piores se tornem duas vezes mais frequentes, se a temperatura média do planeta aumentar 2 graus Celsius acima do período pré-industrial, o que é considerado certo, mantido o ritmo atual de emissões de CO2.

Regina Rodrigues observa que o El Niño teve um papel importante, mas sozinho não causou a catástrofe. Ela sublinha que, embora o El Niño esteja no fim, o Sul do Brasil tem uma resposta diferente a ele. O Sul sente seus efeitos primeiro e é também a região onde eles se prolongam mais.

Rodrigues lembra que a tragédia do Vale do Itajaí, em Santa Catarina, aconteceu em julho de 1983, dois meses depois de o fim do El Niño daquele ano ter sido oficialmente declarado. Isso acontece, explica ela, devido à dinâmica da atmosfera na América do Sul.

— O El Niño dobra o risco de um evento extremo e não à toa quase todas as piores chuvas no Sul estão associadas a ele. Porém, as mudanças climáticas têm um efeito cumulativo e dobram o risco que já maior — frisa Rodrigues.

A pesquisa foi baseada na análise de dados meteorológicos e em modelos climáticos. Estes estimam a probabilidade de um evento extremo acontecer com a atual elevação da temperatura da Terra em 1,2 grau Celsius, associada às mudanças climáticas movidas por ação humana; e também sob as condições existentes no período pré-industrial.

O WWA é um consórcio internacional de cientistas que emprega análises numéricas para estimar o impacto das mudanças climáticas na ocorrência de eventos extremos. Participaram do estudo sobre a tragédia gaúcha cientistas de Brasil, Reino Unido, Holanda, Suécia e Estados Unidos.

Os mais de 70 estudos já realizados pelo WWA são usados pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) como evidências da intensificação de eventos extremos.

Esse não é o primeiro estudo do WWA que declara as mudanças climáticas como fator crucial para tragédias no Brasil. O clima hostil associado à ação humana, segundo estudo do WWA, fez com a seca histórica na Amazônia fosse até 30 vezes mais provável no período de junho a novembro de 2023. Outro estudo mostrou que a mudança do clima também intensificou em 20% as tempestades que mataram 133 pessoas e desabrigaram 25 mil, em 80 municípios de Pernambuco, em maio de 2022.

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