Lula: ex-presidente pode se beneficiar de uma decisão do STF sobre Aldemir Bendine (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Mariana Martucci
Publicado em 29 de agosto de 2019 às 13h46.
A decisão da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) que anulou a condenação do ex-presidente do Banco do Brasil e da Petrobras Aldemir Bendine poderá ter impacto em pelo menos 32 processos com sentenças na Lava Jato, de acordo com levantamento da força-tarefa da operação em Curitiba revelado pelo jornal O Estado de S. Paulo. Segundo o Ministério Público Federal, as sentenças envolvem 143 réus.
Entre eles estariam o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o ex-ministro José Dirceu e o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto, além do ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha (MDB-RJ). A possibilidade de um "efeito cascata" nas ações penais já julgadas levou ministros da Corte a avaliar uma forma de delimitar o impacto da decisão de terça-feira (27).
Por 3 votos a 1, a Segunda Turma derrubou a sentença do ex-juiz e atual ministro da Justiça, Sérgio Moro, que, em março de 2018, condenou Bendine a 11 anos de prisão pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. O entendimento que anulou a sentença de Bendine e alarmou investigadores da Lava Jato é de que é direito do réu se manifestar na ação penal após as alegações de delatores que também são acusados no processo, e não no mesmo prazo.
Nesta quarta-feira, 28, a defesa de Lula pediu a anulação das condenações nos casos do triplex do Guarujá - no qual está condenado no Superior Tribunal de Justiça a 8 anos e 10 meses e cumpre prisão na capital paranaense - e do sítio de Atibaia (sentenciado a 12 anos e 11 meses em primeira instância). Os advogados do ex-presidente também pediram a anulação da ação do Instituto Lula, na qual ainda não foi sentenciado.
Ainda na quarta, o ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato no Supremo, determinou que a Justiça Federal no Paraná reabra prazo para alegações finais do petista na ação penal em que é acusado por supostas propinas de R$ 12,5 milhões da Odebrecht.
Fachin foi o único ministro da Segunda Turma que votou para manter a pena de Bendine. Ao invalidar a condenação do ex-presidente da Petrobras - na primeira vez que uma sentença de Moro foi anulada -, o colegiado impôs uma derrota à Lava Jato, mas já há na Corte uma preocupação com os efeitos da decisão em outros processos.
Uma das hipóteses avaliadas por ministros do Supremo é a de aceitar apenas sentenças em que o condenado pediu ao juiz mais prazo e teve a solicitação negada, como ocorreu com Bendine, e não expandir o entendimento para todos os processos nos quais os réus - incluindo delatores - tiveram o mesmo prazo de defesa.
Essa saída teria o potencial de reduzir os casos em que investigados poderão se livrar das condenações, avaliam interlocutores. Um ministro ouvido reservadamente considera que o recurso discutido pela Segunda Turma ataca processos em que houve pedido da defesa por mais prazo e a solicitação foi indeferida. A discussão sobre a extensão do entendimento teria de ser analisada caso a caso, na avaliação desse ministro.
Integrantes da Corte ressaltaram que a ministra Cármen Lúcia, que preside a Segunda Turma, observou que seu voto se referia ao caso específico de Bendine. A ministra surpreendeu ao divergir de Fachin e se alinhar à posição dos ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski, cujas críticas aos métodos da Lava Jato são frequentes.
O relator da Lava Jato na Corte entende que a controvérsia deveria ser discutida no plenário. Na quarta, Fachin encaminhou um caso semelhante para análise pelos 11 ministros - um habeas corpus de um ex-gerente da Petrobras que trata do direito ou não de o réu se manifestar na ação penal após as alegações dos delatores acusados no processo, e não no mesmo prazo.
Fachin já pediu que o julgamento seja marcado pelo presidente do STF, ministro Dias Toffoli, responsável pela definição da pauta. "Indico preferência para julgamento." A decisão pode fazer com que o plenário discuta o entendimento que anulou a condenação de Moro.
O ministro Marco Aurélio Mello afirmou ao Estadão/Broadcast que "qualquer novo entendimento" deve ser avaliado pelo plenário.
A força-tarefa em Curitiba manteve as críticas à decisão da Segunda Turma. Em nota, o MPF afirmou que "a regra aplicada pelo Supremo Tribunal Federal não está prevista no Código de Processo Penal ou em outras leis". Os procuradores sustentam que a decisão do STF "cria situações nebulosas e fecundas para nulidades".
Conforme levantamento do jornal, dos 50 processos julgados na capital paranaense, 37 têm delatores entre os réus.
"A força-tarefa confia que o Supremo reverá essa questão, inclusive para restringir a sua aplicação para casos futuros ou quando demonstrado prejuízo concreto, de modo a preservar os trabalhos feitos por diferentes instâncias em inúmeros casos de acordo com a lei e entendimento dos tribunais até então vigente" disse o Ministério Público Federal em nota.
Para o ex-ministro da Justiça José Gregori, a decisão da Segunda Turma pode, sim, ter alcance amplo. "Do ponto de vista jurídico, se essa for uma decisão processual que deveria estabelecer certa ordem cronológica que não foi obedecida, em todos os outros processos semelhantes o advogado vai alegar a mesma coisa, e a decisão teria que ser igual", afirmou ao Estado.
"Isso permite a anulação de todos os processos em que algum réu tenha sido delatado", completou o jurista Modesto Carvalhosa.
A decisão da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) que atendeu a um pedido da defesa de Aldemir Bendine, ex-presidente do Banco do Brasil e da Petrobras, e tornou sem efeito sua condenação em primeira instância, amplia a possibilidade de prescrição de crimes e outras anulações em casos relacionados à Operação Lava Jato. Essa é a avaliação de advogados criminalistas. Eles concordam com os argumentos apresentados pelos ministros Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia no julgamento de terça-feira (27).
Para os magistrados, o processo de Bendine não seguiu todas as etapas previstas em lei, já que o réu teve o mesmo tempo que seus delatores da Odebrecht para apresentar suas alegações, quando o correto seria, segundo eles, se manifestar por último, após todas as exposições.
Bendine chegou a ser preso em julho de 2017, mas foi solto em abril deste ano. Ele foi condenado pelo então juiz Sérgio Moro a 11 anos de prisão pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro. Sua pena chegou a ser reduzida pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), para 7 anos e 9 meses.
Daniel Gerber, criminalista e mestre em Direito Penal e Processual Penal, destaca que o acusado somente é instado a se pronunciar, seja em interrogatório, seja em alegações finais, após todas as acusações contra si estarem no processo. "Coube à Suprema Corte a readequação constitucional e adequada de um equívoco lamentável ocorrido em sede de instrução processual. Resta claro também que essa readequação atinge todo e qualquer procedimento que tenha incorrido no mesmo equívoco", diz.
Fernando Castelo Branco, criminalista e professor da pós-graduação da Escola de Direito de Brasil (EDB), discorda da tese defendida por procuradores de que a anulação represente uma derrota da Lava Jato.
"Eu não acredito que a decisão do STF tenha significado um abalo na Lava Jato e nas investigações. Ou ainda que tenha aumentado a sensação de impunidade. Acredito que o caráter alarmista nesse caso é profundamente equivocado", avalia.
Castelo Branco complementa que o Supremo apenas fez uma correção do processo. "Houve uma detecção de uma falha grave no momento da instrução do processo ainda em primeiro grau. Ou seja, o juiz de primeiro grau deveria ter analisado com cautela que a ordem da apresentação das defesas por parte dos acusados e delatores deveria ser: primeiro a defesa dos delatores por escrito e só depois as respectivas defesas dos acusados. Na ciência do Direito, a decisão do STF é absolutamente correta e adequada".
Adib Abdouni, advogado criminalista e constitucionalista, defende a diferenciação de prazos processuais entre delatores e delatados. "A abertura de prazo simultâneo para a apresentação de alegações finais sem distinção entre delatores e delatados incorre em grave violação aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa".
Abdouni conclui que a repetição desse procedimento nos demais processos da Lava Jato levará a novas anulações, "confirmando que o STF ainda continua sendo o último refúgio de justiça do cidadão, seja ele quem for".
Daniel Bialski, criminalista especializado em Direito Penal e Processual Penal, ressalta que a ampla defesa do contraditório é "princípio sagrado da Constituição". "Sem dúvida, os delatores têm que se manifestar antes da defesa dos acusados delatados, justamente, para que tenham a oportunidade de rebater o que esses delatores mencionaram, seja em interrogatórios ou em alegações finais", diz.
Ainda de acordo com Bialski, todos os processos em que delatores apresentaram alegações ao mesmo tempo que os acusados deverão ser anulados.
João Paulo Martinelli, criminalista e professor da pós-graduação da Escola de Direito do Brasil (EDB), entende que a decisão pode ser usada como jurisprudência. "Em tese, todos que foram delatados e condenados e tiveram o mesmo prazo para alegações finais que os delatores poderão pedir extensão dos efeitos dessa decisão".
Para Sylvia Urquiza, especialista em Direito Penal e sócia do Urquiza, Pimentel e Fonti Advogados, trata-se de um "divisor de águas" na Lava Jato. "É direito dos réus ter conhecimento de todas as razões de acusação antes de apresentar as suas razões de defesa. Não fosse assim, o réu ficaria 'vendido' no processo, face à impossibilidade de poder contestar todos os motivos pelos quais a acusação pede sua condenação. Equivaleria a tentar se defender do desconhecido, uma verdadeira situação kafkiana", diz.
Sylvia também vê a possibilidade de repercussão da decisão, mas essa só poderá ser aplicada a casos em que o prazo das alegações finais foi dado em conjunto a réus e colaboradores. "Não adianta atropelar o processo para limitar a defesa e ganhar eventualmente 10 ou 15 dias. Fica a lição", conclui.
Everton Moreira Seguro, especialista em Direito Penal do Peixoto & Cury Advogados, classifica como "totalmente positiva" a decisão do STF, já que acaba regulamentando uma questão que não há no Código de Processo Penal: sobre quem apresentará primeiro suas alegações finais, se delatores ou deletados. "O delator, na condição de acusador, teria que falar primeiro ao ponto que o delatado, teria que falar por último, como bem foi reconhecido pelos ministros. Essa decisão poderá acarretar com certeza a nulidade de outras decisões proferidas em casos similares que não respeitaram esta ordem processual".