Solo ressecado é visto na represa de Jaguary, em Bragança Paulista (Nacho Doce/Reuters)
Vanessa Barbosa
Publicado em 29 de outubro de 2014 às 16h46.
São Paulo – À medida que a crise da água se aprofunda em São Paulo, multiplicam-se movimentos da sociedade civil que cobram ações mais enérgicas do governo. Além, claro, de mais transparência.
Com o lema de unir esforços individuais e amplificar os resultados em torno de uma agenda comum - a garantia de segurança hídrica -, nasceu nesta terça-feira (29), na capital, a Aliança pela Água.
No curto prazo, o objetivo da coalizão é chegar em abril de 2015 com uma situação segura para enfrentar mais um período de estiagem.
Para o médio e longo prazo, o foco é implantar um novo modelo de gestão da água para o Estado, baseado na sustentabilidade social, ambiental e econômica.
Não será um desafio fácil.
“Já estamos usando a segunda cota do volume morto, isso nunca aconteceu antes. Temos ‘dois cheques no vermelho para recuperar’. Se não chover o suficiente, entraremos no ano que vem com um volume útil 30% negativo”, disse Marussia Whately, coordenadora do Instituto Socioambiental (ISA).
Cerca de 30 organizações participam da Aliança, entre elas gigantes do movimento ambientalista, como os grupos WWF, TNC e Greenpeace.
“Queremos ampliar o debate e avançar nas propostas para a crise da água, por meio de um processo mais compartilhado, baseado no engajamento da sociedade civil e no diálogo com o governo”, acrescentou.
Segundo o coordenador do Programa Água para a Vida do WWF Brasil, Glauco Kimura, tais investidas podem servir de exemplo para outras cidades avançarem no debate sobre a governança da água.
“O modelo de gestão que acontece em SP, marcado pela ocupação desordenada, a degradação de mananciais e o desmatamento, é replicado por outras metrópoles brasileiras. A crise paulista é a ponta do iceberg de uma crise nacional”, alertou.
O arquiteto e urbanista Renato Tagnin, pesquisador do coletivo Curupira, destacou a importância de debater água como política pública. Segundo ele, grande parte dos problemas vivenciados por São Paulo, à exemplo da ocupação irregular dos mananciais, originaram-se de estímulos gerados pelo próprio poder público.
“A especulação fundiária e imobiliária são processos em curso em áreas de mananciais e em regiões importantes para garantir o provimento de umidade para a chuva. Tem várias politicas que não aparecem mas regem a degradação das fontes de água”, afirmou.
AÇÕES URGENTES
Durante o evento do lançamento da Aliança, o Istituto Socioambiental (ISA) apresentou o projeto Água@SP, que pretende mapear atores e propostas que possam contribuir para lidar com a crise da água em São Paulo.
O mapeamento foi realizado em parceria com a organização Cidade Democrática e contou com o apoio de 23 instituições e mais de 280 especialistas de 60 municípios.
Eles propuseram 196 ações de curto prazo e 191 de longo prazo, que serão disponibilizadas no site ao longo desta semana. A ideia é que as propostas sejam discutidas com a sociedade, ao longo dos próximos dois meses, e possam se desdobrar em um conjunto de ações concretas.
Conheça a seguir as 10 ações mais urgentes para lidar com a crise, segundo a pesquisa:
1. Comitê de gestão da crise
“Pedimos ao governo paulista que instale um comitê de gestão da crise, com ampla participação da sociedade e das prefeituras afetadas pela escassez.”
2. Salas de situação para gestão de crise
“Sugerimos ao governo paulista a instalação de salas de situação, espaços físicos nas maiores cidades de cada região afetada, que reúnam em um mesmo local, enquanto durar a crise, os atores responsáveis pela gestão local da água.”
3. Informação para a população
“As organizações participantes vão intensificar suas ações de informação e sensibilização da sociedade quanto à dimensão da crise e quanto à importância de que cada cidadão use a água ainda mais racionalmente.”
4. Campanhas públicas
“Solicitamos que os governos estadual e municipais, além das concessionárias de água, ampliem suas campanhas de informação e adotem mensagens mais claras e frequentes quanto à importância da redução do consumo de água, captação de águas da chuva e armazenamento seguro em situação de emergência.”
5. Transparência na gestão
“Exigimos que o governo estadual divulgue e garanta amplo acesso da população sobre locais e horários com maior risco de falta de água (“racionamento não oficial”) e que o governo estadual e a Sabesp trabalhem de forma integrada e coordenada com as prefeituras. Devem divulgar, ainda, um plano de ação emergencial, que mostre como vão garantir o abastecimento caso a estiagem se agrave.”
6. Incentivos à redução de consumo
“Cobramos dos governos estadual e municipais, além das concessionárias de água, que intensifiquem as medidas pela redução do consumo, uma vez que as medidas atuais ainda são insuficientes frente a gravidade da crise.”
7. Multa para usos abusivos
“Recomendamos que o governo estadual, agências reguladoras e municípios estabeleçam multas para o desperdício de água e usos abusivos da água, com o estabelecimento de metas de redução de consumo por unidade consumidora.”
8. Garantia de água em situação de emergência
“Propomos que o governo estadual, por meio do Cetesb/DAEE/Vigilância Sanitária e municípios, divulguem o quanto antes lista de fornecedores de água de caminhão pipa devidamente outorgados e em situação de regularidade sanitária. Recomendamos que seja feito, de forma compartilhada entre os governos, o mapeamento de possíveis situações de perfuração de poços, nascentes e bicas para uso de abrangência coletiva na escala de bairros e subprefeituras.”
9. Ações para grandes consumidores (industrias e agricultura)
“Propomos que o governo federal (ANA) e estadual (DAEE), com a participação dos comitês de bacia, façam uma moratória de outorgas de forma a garantir reposição de águas subterrâneas, envolvendo os representantes de grandes consumidores (celulose, bebidas, irrigação, e outros).”
“Recomendamos que o governo estadual e as associações empresariais definam metas voluntárias e, quando necessário, obrigatórias, para a redução do consumo por parte de indústrias e serviços que usam muita água.”
10. Incentivo a novas tecnologias
“Propomos aos governos federal, estadual e municipais que reforcem imediatamente os programas de incentivo à instalação de equipamentos que permitam economia de água no uso doméstico, comercial e industrial, e as exigências de uso racional da água em novas obras e reformas, públicas e particulares.”