Depoimento de Lula a Sergio Moro (Montagem EXAME.com/Reuters)
Talita Abrantes
Publicado em 10 de maio de 2017 às 07h55.
Última atualização em 12 de maio de 2017 às 12h52.
São Paulo - Era para ser apenas mais uma fase do devido processo legal. Mas o depoimento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao juiz Sergio Moro, de Curitiba, em uma das ações em que ele é réu na Operação Lava Jato, ganhou nos últimos dias ares de embate com direito a vídeo do magistrado nas redes sociais e apelações em instâncias superiores da parte da defesa -- até o momento, todas rejeitadas.
No final da tarde de ontem, veio a última ofensiva dos advogados do petista, que apelaram ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) para cancelar a audiência de hoje -- mas os pedidos de habeas corpus também foram rejeitados.
A expectativa dos movimentos de apoio ao ex-presidente é reunir cerca de 50 mil pessoas em Curitiba (PR), onde o depoimento está marcado para as 14h na sede da Justiça Federal do Paraná. Desde a manhã desta terça, várias caravanas de militantes chegavam à cidade - onde um acampamento foi montado nos fundos da Rodoferroviária de Curitiba. No final da tarde de ontem, a Justiça do Paraná pediu a reintegração de posse do terreno.
Do lado dos opositores a Lula, foram agendadas vigílias na noite de ontem em apoio a Lava Jato. Mas os líderes desses movimento afirmam que vão evitar protestos na capital paranaense em respeito ao desejo de Moro, que foi às redes sociais pedir que grupos de apoio às investigações não fossem às ruas nesta quarta a fim de evitar confrontos.
Réu em cinco ações penais, Lula deve responder hoje aos questionamentos do juiz Moro e dos procuradores da força-tarefa da Lava Jato relacionados às suspeitas em torno de um tríplex no Guarujá e o armazenamento do acervo presidencial.
O que diz o MPF
A suspeita é de que a OAS repassou o apartamento 164-A do Edifício Solaris de 215 metros quadrados do Edifício Solaris, na Praia das Astúrias, no Guarujá, para o ex-presidente. Oficialmente, o imóvel ainda pertence à empreiteira -- mas segundo Léo Pinheiro, ex-presidente da OAS, disse em depoimento, o tríplex seria, de fato, de Lula.
Segundo o MPF, Lula teria recebido propina da ordem de 3,7 milhões de reais em contratos da OAS com duas refinarias da Petrobras.
Parte desse valor, segundo os procuradores, está relacionada ao caso do tríplex: R$ 1,1 milhão destinados à compra do apartamento, R$ 926 mil para a reforma e o restante para compra de móveis, eletrodomésticos, transporte e armazenamento de bens.
Além disso, os procuradores sustentam que a OAS teria pagado R$ 1,3 milhão para a empresa Granero guardar itens que Lula recebeu durante o exercício da presidência, entre 2002 e 2010. O pedido teria sido feito pelo presidente do Instituto Lula, Paulo Okamotto, e pelo próprio ex-presidente da República.
O que diz a defesa
Segundo os advogados do ex-presidente, de fato, a ex-primeira dama Marisa Letícia comprou, em 2005, uma cota na Cooperativa Habitacional dos Bancários de São Paulo (Bancoop), para adquirir um apartamento no condomínio Solaris. A unidade 141, de 82,5 metros quadrados, teria sido designada para ela.
Em 2006, Lula, então candidato à reeleição, declarou ter pagado até aquele momento 47,69 mil reais em uma “participação” na Bancoop em um “apartamento em construção em Guarujá”. No total, segundo informações do Instituto Lula, foram investidos 179,6 mil reais na cota da Bancoop – que em 2009 já valiam mais de R$ 209 mil.
Três anos depois, a cooperativa faliu e repassou o empreendimento para a OAS. A empreiteira, então, determinou um prazo para que os cooperados vendessem a cota ou adquirissem o imóvel.
A ex-primeira dama teria perdido a data limite estipulada pela empresa e perdeu a chance de adquirir a unidade 141. No entanto, segundo informações do Instituto Lula, ela ainda poderia optar por outro apartamento.
De acordo com o instituto, Lula e Marisa teriam visitado o triplex na companhia de Leo Pinheiro, presidente da OAS. A ex-primeira dama foi vista em outras ocasiões visitando as obras do apartamento. Em novembro de 2015, Marisa Letícia desistiu da compra do imóvel.
Já sobre o acervo presidencial, segundo Okamotto, o ex-presidente da OAS Léo Pinheiro teria se oferecido para ajudar temporariamente o Instituto Lula a armazenar os objetos em um espaço que a empresa já alugava na Granero. De acordo com ele, não houve irregularidade.
O ex-presidente Lula tem o direito de não produzir provas contra si durante o depoimento de hoje. Portanto, ele poderá ficar calado ou até mesmo faltar com a verdade. Do lado do juiz Moro, a expectativa (e o dever) é que ele haja com neutralidade. Para juristas, a menos que exista base para uma prisão cautelar, é remota a tese de que Lula terminará o dia atrás das grades - como sugerem alguns boatos.
Mas o tom do depoimento e as reações do magistrado a eventuais provocações seguem em suspense. Caberá a ambas as partes o cuidado e a estratégia para que essa fase não vire mais um capítulo para a história de polarização política que divide o Brasil nos últimos anos.