A seis meses das eleições, terceira via não consegue emplacar um nome viável (Montagem/Exame)
Alessandra Azevedo
Publicado em 3 de abril de 2022 às 09h00.
Não é de hoje que as sondagens mostram uma polarização entre Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL) na disputa pelo Palácio do Planalto. O primeiro tem 40% das intenções de voto, de acordo com a pesquisa EXAME/IDEIA mais recente, divulgada em 24 de março. O segundo, 29%. Entre os dois, no entanto, há 31% que não sabem, não gostam de nenhuma das opções ou votarão em algum dos candidatos da chamada terceira via.
Partidos como MDB, PSDB, PDT, União Brasil e Novo tentam se encaixar nas expectativas dessa parcela do eleitorado, mas, sem um nome único, acabam se dividindo com pequenas porcentagens cada. De Ciro Gomes (PDT) a Simone Tebet (MDB), nenhum candidato de terceira via consegue hoje chegar aos dois dígitos nas pesquisas, embora eles contem com a alta rejeição aos nomes de Lula e Bolsonaro.
Nos últimos dias, houve mudanças importantes nesse tabuleiro. Na quinta-feira, 31, o ex-juiz da Lava Jato Sergio Moro, que seria candidato à Presidência pelo Podemos, migrou para o União Brasil e disse que desistiu de tentar ser presidente “neste momento”, depois de quase cinco meses estagnado com não mais que 10% das intenções de voto.
No dia da filiação de Moro ao União Brasil, o secretário-geral do partido, ACM Neto, divulgou uma nota na qual deixa claro que o ingresso dele à legenda “não pode se dar na condição de pré-candidato à Presidência da República”. O documento é assinado por outros nomes importantes do partido, como Efraim Filho, José Agripino Maia, Ronaldo Caiado e Davi Alcolumbre.
Um dia depois do anúncio de que abriria mão da candidatura à Presidência, no entanto, Moro afirmou que “não desistiu de nada” e negou que tentará uma vaga na Câmara dos Deputados, declarações que levaram uma ala do União Brasil a ameaçar pedir a impugnação da filiação do ex-juiz. “Sem experiência política, Moro está completamente perdido”, avalia o cientista político André César, da Hold Assessoria Legislativa. “Ele é um ex-político em atividade, que nunca chegou a entrar em campo”, definiu.
No pronunciamento feito na sexta-feira, o ex-ministro da Justiça do governo Bolsonaro defendeu a união do “centro democrático” contra os “extremos” e disse que o nome que unifica esse polo político é o de Luciano Bivar, presidente do União Brasil. Mas está claro que, pelo partido, Moro não será candidato à Presidência. A legenda tem negociado com MDB e PSDB a possibilidade de uma candidatura única, mas o ex-juiz não é citado nessas conversas como possível cabeça de chapa.
A situação do PSDB também impacta na definição de um nome para a terceira via. Depois de também ensaiar uma desistência, João Doria (PSDB) confirmou, na quinta-feira, que será candidato à Presidência e anunciou a saída do governo paulista. Ele conta, porém, com apenas 1% das intenções de voto, o que leva o PSDB a entrar na mesa de discussão com outros partidos pela criação de uma chapa única.
As conversas não avançam na velocidade esperada – faltam seis meses para as eleições e, até agora, nada foi decidido. Para chegar a um nome viável com o PSDB, é preciso resolver o drama interno do partido, que continua rachado. Na quinta-feira, o presidente da legenda, Bruno Araújo, publicou uma carta na qual reforça que Doria é o candidato do PSDB, mas isso não significa que não há divergências e que não possa haver mudanças até agosto, quando as candidaturas serão registradas.
Nada garante que, no caso de uma candidatura única com outras siglas, Doria mantenha a cabeça de chapa. Eduardo Leite, que renunciou ao governo do Rio Grande do Sul sem indicar a que cargo vai concorrer, continua sendo uma ameaça aos planos do paulista. “Com a carta de Bruno Araújo, o custo político de trocar o nome aumenta, mas não quer dizer que isso não possa acontecer”, diz o gerente de análise política e econômica da consultoria Prospectiva, Adriano Laureno.
Na intenção de votos, não há grandes diferenças entre Doria e Leite. O primeiro conta com 1% e o segundo, com 2%, atualmente. O que pode diferenciar os dois é o potencial de crescimento nas pesquisas, já que o ex-governador paulista, mais conhecido pelo eleitorado, tem uma rejeição de 18%, enquanto 11% dizem que não votariam em Leite de jeito nenhum.
Mas não é garantido que será um nome do PSDB que liderará uma eventual candidatura única, ainda mais diante das conversas com partidos maiores. Vale lembrar que Geraldo Alckmin, o candidato tucano à Presidência em 2018, teve um desempenho muito fraco no pleito e conseguiu apenas 4,7% dos votos válidos.
Nesse contexto, cresce a possibilidade de que Simone Tebet (MS), pré-candidata à Presidência pelo MDB, encabece uma possível chapa, apesar de a senadora contar com apenas 1% das intenções de voto atualmente. O fato de Tebet ainda ser pouco conhecida entre o eleitorado prejudica o crescimento nas pesquisas, mas tem um lado positivo: a baixa rejeição.
Apenas 6% dizem que não votariam de jeito nenhum na emedebista, bem menos não só do que Lula e Bolsonaro, que têm respectivamente 35% e 47% de rejeição, mas também do que nomes da terceira via, como Doria e Ciro Gomes, que é rejeitado por 14%.
Sem Moro no jogo, Ciro é hoje o nome mais forte da terceira via, com 9% das intenções de voto, e já deixou claro que não vai desistir da disputa. “Muitos vão ceder, mas não serei eu”, afirmou na quinta-feira, após vir à tona a possibilidade de que Doria abrisse mão da candidatura. O problema é que, além de também não ter crescido nas pesquisas até agora, ele não deve herdar muitos dos votos de Moro.
Quem mais ganha com a saída do ex-juiz da disputa é Bolsonaro, acredita Laureno. “Haverá dispersão desses votos, mas o presidente deve acabar conseguindo boa parte, por ainda ser o mais relacionado a pautas como anticorrupção e segurança”, explica. O cenário poderia ser diferente caso Moro tivesse anunciado apoio a algum dos outros candidatos de terceira via ao sair da disputa.
Os nomes que desistem, em geral, não têm se posicionado, o que, segundo o analista da Prospectiva, fortalece a polarização entre Lula e Bolsonaro. “A forma como Moro saiu, sem fechar aliança em benefício de outro candidato, é ruim para a terceira via, porque prejudica que esses votos sejam transferidos internamente”, avalia.
O mesmo movimento foi feito por Rodrigo Pacheco (PSD) e Alessandro Vieira (Cidadania). Até agora, só quem abriu mão da candidatura em prol de um outro nome de terceira via foi Cabo Daciolo (Patriota), que saiu da disputa em dezembro para apoiar Ciro Gomes. O pedetista é um dos poucos da terceira via que não têm negociado abrir mão da cabeça de chapa pela unificação de um nome de centro.
Por enquanto, a chapa única é apenas uma ideia que não se concretiza. Para André César, da Hold, o centro está “perdendo o timing” enquanto lida com disputas internas e falta de projeção. “A terceira via está afunilando de maneira muito rápida e carece de consistência. É uma ideia em busca de um cérebro e de um corpo que ainda não apareceram”, diz. A polarização, nesse cenário, só se fortalece.
“A cada mês que passa essas candidaturas não conseguem se mover tanto no voto espontâneo quanto no estimulado. Assim, elas se distanciam da polarização que está cada vez mais consolidada entre Bolsonaro e Lula”, concluiu Maurício Moura, fundador do IDEIA, instituto especializado em opinião pública, na pesquisa EXAME/IDEIA divulgada em 24 de março.