"Márcio Faria, depois do início da Lava Jato, já no 2º semestre de 2014, enviou milhões de reais ao exterior", afirmou Sérgio Moro (Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)
Da Redação
Publicado em 7 de julho de 2015 às 21h01.
São Paulo e Curitiba - O ex-diretor da Odebrecht Márcio Faria da Silva - que pediu demissão após sua prisão, no dia 19 de junho - remeteu R$ 11,4 milhões ao exterior, em transferências realizadas cinco meses após ser deflagrada a fase ostensiva da Operação Lava Jato.
As remessas feitas em agosto e setembro de 2014 e comunicadas pela própria defesa do executivo foram consideradas pelo juiz federal Sérgio Moro como um dos indicativos de risco de fuga do investigado.
"Márcio Faria, depois do início das investigações na Operação Lava Jato, já no segundo semestre de 2014, enviou milhões de reais ao exterior, o que ainda mais reforça o risco de fuga", anotou o juiz da Lava Jato, em ofício encaminhado nesta terça-feira, 7, ao Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região.
São quatro transferências citadas pelo magistrado entre 13 de agosto e 15 de setembro de 2014, no valor de R$ 7,3 milhões, R$ 2,9 milhões, R$ 547 mil e R$ 600 mil.
O ofício foi encaminhado por Moro ao desembargador Nivaldo Brunoni, do TRF-4, que vai julgar um habeas corpus da defesa de Márcio Faria, pedindo sua liberdade.
Moro ressalta que além das provas relacionadas à participação da Odebrecht nos crimes de cartel, corrupção e lavagem, "que não se limitam às declarações de criminosos colaboradores", existem "provas específicas da participação de Márcio Faria da Silva nos fatos".
Segundo as suspeitas da Lava Jato, a Odebrecht e seus executivos tinham papel de liderança no esquema de cartel que atuou na Petrobras a partir de 2014, afastando concorrência e pagando propina em troca de contratos.
A estatal incluiu em seus balanços um prejuízo de R$ 6,2 bilhões com os desvios, mas a Polícia Federal fala em mais de R$ 19 milhões - apenas em um grupo de contratações analisadas.
"Quanto aos fundamentos da preventiva, como consignei na decisão atacada, o principal deles, em relação a executivos da Odebrecht, consiste no risco à ordem pública, tanto caracterizado pela gravidade em concreto dos crimes em apuração como pelo risco de reiteração delitiva", afirmou Moro.
"Quer sejam crimes violentos ou crimes graves de corrupção, ajuste de licitações e lavagem, como é o caso, a prisão cautelar justifica-se para interrompê-los, já que reiterados e sistematizados, e para proteger a sociedade e outros indivíduos de sua renovação."
Márcio Faria é apontado por investigadores da Lava Jato como um dos ordenadores dos pagamentos de propina em nome da Odebrecht, ao lado de dois outros executivos do grupo: Rogério dos Santos Araújo e Alexandrino Alencar.
Nesse sentido, Moro destacou "risco à instrução e quiçá à própria aplicação da lei penal", por conta das ligações dos executivos com o doleiro Bernando Freiburghaus, apontado como operador dos pagamentos de propina da Odebrecht.
Foragido na Suíça, ele é apontado por ter "destruído provas já ao tempo dos crimes". "Se refugiado na Suíça no decorrer da investigação em 2014", ressalta Moro.
Risco de fuga
O juiz apontou ainda o fato de Márcio Faria ter dupla cidadania como risco de fuga. "Esse risco, em relação a Márcio Faria da Silva, é agravado, pois possui ele dupla nacionalidade, brasileira e suíça."
Para o magistrado, há "risco de que Márcio Faria da Silva se junte ao outro subordinado da Odebrecht, Bernardo Schiller Freiburghaus, para destruir provas e refugiar-se, no exterior, da Justiça brasileira".
Nesse ponto do ofício, o juiz da Lava Jato voltou a citar o caso do ex-diretor do Banco do Brasil Henrique Pizzolatto, condenado no mensalão que se refugiou na Itália - mantendo-se longe da prisão decretada no Brasil.
"É ilustrativo, aliás, das dificuldades em obter extradição de nacionais europeus de seus respectivos países. Já tem este Juízo notícia de que a Suíça não extradita seus nacionais."
Para Moro, o fato de Márcio Faria "ter depositado seus passaportes em Juízo não altera o quadro em vista da porosidade das fronteiras brasileiras, o que também é ilustrado pela fuga do condenado referido no parágrafo anterior (Freiburghaus)".
Elementos
Para Moro, há fartos elementos, além das delações dos colaboradores, que comprovam o envolvimento dos executivos da Odebrecht com o esquema. "Não se pode afirmar, em relação a qualquer um, que inexistem quaisquer provas de corroboração", registra o magistrado.
Além dos elementos apresentados no pedido de prisão, deferido em 16 de junho, Moro lista novos documentos que corroborariam as suspeitas de envolvimento da Odebrecht e seus executivos com o esquema de cartel e corrupção na Petrobras.
"Houve, desde o curto período posterior à decretação da prisão preventiva, até mesmo o surgimento de novos elementos probatórios que novamente corroboram os depoimentos dos criminosos colaboradores."
Confissão
O juiz da Lava Jato atacou argumento usado pela defesa de Márcio Faria sobre o uso de prisões cautelares como forma de pressionar os investigados.
"Quanto à insistência do impetrante de que a prisão se faz para obter confissão, repudio essas afirmações, como já fiz constar na decisão atacada. Não passa de argumento retórico da defesa inconsistente com a realidade do processo."
O juiz afirmou ao desembargador ainda que a demissão do executivo anunciado após sua prisão foi um estratagema. "Formular o pedido de demissão após a prisão é um mero estratagema para obter a revogação da preventiva."
Segundo o magistrado, o pedido de demissão não altera o quadro de provas colhidas até aqui nas investigações.
"Seria significativo se tivesse ocorrido meses atrás, com as primeiras notícias do envolvimento da Odebrecht no esquema criminoso, pois, aí sim, poderia significar um rompimento de fato entre o investigado e a empresa e suas práticas."
Para Moro, a alternativa única à prisão preventiva não pode ser considerada.
"Como consignei na decisão anterior e acima, a única medida alternativa eficaz à preventiva, seria suspender todos os contratos públicos da Odebrecht e proibir novas contratações com o Poder Público, hipótese atualmente não cogitável considerando os danos colaterais a terceiros."
A defesa de Marcio Faria informa que prestou todas as informações voluntariamente no pedido de habeas corpus, duas semanas antes do despacho do juiz.