Região Central de São Paulo: a área ocupada por viciados em crack fica no bairro da Luz (LucVi/ThinkStock/Thinkstock)
Agência Brasil
Publicado em 18 de janeiro de 2017 às 18h40.
Última atualização em 2 de maio de 2018 às 18h02.
As marcas da operação policial realizada na noite de ontem (17) na Cracolândia, na Luz, região central da capital paulista, ainda eram visíveis hoje (18).
Pelo chão, havia restos das bombas de gás usadas no confronto entre policiais militares e usuários de drogas que vivem na região e algumas pessoas tinham no corpo hematomas e cortes.
Na noite dessa terça-feira, usuários de crack se concentraram na Alameda Dino Bueno e na Rua Helvétia. Por volta das 20h, a Polícia Militar bloqueou os acessos à área com homens armados com escopetas e começou a dispersar o grupo.
Segundo a Secretaria de Estado da Segurança Pública de São Paulo, tudo começou após policiais militares intervirem em uma briga entre frequentadores da região e pessoas que participavam de um culto religioso.
"No local, eles [policiais] foram hostilizados com pedras, paus e garrafas por um grupo de pessoas que também depredou uma base da PM e uma viatura da GCM [Guarda Civil Metropolitana], além de danificarem lojas e um coletivo", informou o órgão em comunicado.
Durante a ação, oito pessoas foram presas e encaminhadas ao 2º Distrito Policial, do Bom Retiro, sob a acusação de furto qualificado. De acordo com a secretaria, um policial ficou ferido ao ser atingido no rosto por um coquetel molotov.
Em nota, a prefeitura de São Paulo disse que não teve nenhuma relação com a ação de ontem na Cracolândia e que todos os serviços de atendimento aos usuários e população de rua funcionam normalmente.
A versão da PM é contestada pelo ativista do coletivo A Craco Resiste, Raphael Escobar. Segundo ele, que passou pelo local antes do incidente, não houve problemas entre os participantes do culto e os usuários de drogas.
"Eles [usuários] gostam da igreja, porque eles ajudam, dão comida", ressaltou.
Escobar atribui o início da confusão a provocações dos policiais contra os frequentares do "fluxo"- aglomeração de pessoas que fumam crack. "A polícia faz isso, eles atiçam: batem, dão lanternada [batem com a lanterna] na cara", criticou.
Segundo o ativista, integrantes do coletivo socorreram um rapaz debilitado que ficou ferido durante a ação. "Um rapaz muito ferido, ele tinha uma sonda. Levaram ele para o médico. Ele já teve alta e a gente conseguiu levar para um albergue", contou.
Escobar disse ainda que o garçom de um bar da região foi preso de forma arbitrária, acusado de ter participado de saques a lojas. "Quando a gente chegou no DP, eles estavam afirmando que só tinha moradores de rua ali, mentira, porque o garoto [garçom] eu conheço do bar, vejo sempre quando vou almoçar", relatou.
O usuário Juliano* reclamou da truculência da ação. "Eu tirei a minha mulher e meu cachorro para não ser oprimido. Tomei uma borrachada do nada, só porque eu vim pegar o meu cachorro. Pensam que somos maus elementos, ladrão, assassino. Nós não somos isso."
Para o professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Dartiu Xavier, esse tipo de ação policial compromete o atendimento aos usuários de drogas.
"Você estabelece uma relação com esse usuário de drogas na rua no sentido de melhorar a vida dele, na hora em que você entra com uma ação agressiva você perde toda a confiança dele. Ele entende todo mundo como Estado, seja quem presta assistência, seja quem agride", disse o psiquiatra à Agência Brasil. Xavier é coordenador do Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes da Unifesp.
Além de trazer problemas para o atendimento, o professor afirma que as operações policiais são ineficazes contra o tráfico de drogas. "Os traficantes não são presos. Eles não estão ali. Quem está ali preso como se fosse traficante é usuário."
Xavier defende a abordagem de redução de danos e diz que as iniciativas com enfoque em diminuir os problemas causados pelo uso e abuso de drogas são o futuro, em contraposição às políticas que tentam extinguir a circulação e uso das substâncias. "A gente tem 50 anos de proibicionismo no mundo e não tem nenhum efeito positivo", avalia.
*Nome fictício