O ministro foi convocado via requerimento assinado por 16 deputados federais (Gabriel Jabur/MEC/Flickr)
São Paulo - O ministro da Educação, Abraham Weintraub, reafirmou durante debate na Comissão de Educação na Câmara dos Deputados nesta quarta-feira (11) que há plantações de maconha e produção de drogas sintéticas nas universidades federais brasileiras.
As acusações foram feitas sem novas provas e com base em reportagens que já foram apuradas posteriormente pela polícia e não geraram responsabilização das instituições.
O ministro foi convocado pela Comissão de Educação, por 22 votos a oito, para explicar as mesmas acusações, feitas inicialmente em entrevista ao Jornal Cidade Online no dia 21 de novembro.
"Você tem plantações de maconha, mas não são três pés de maconha, são plantações extensivas de algumas universidades, a ponto de ter borrifador de agrotóxico. Porque orgânico é bom contra a soja para não ter agroindústria no Brasil, mas na maconha deles eles querem toda tecnologia a disposição", disse ao jornal.
Na comissão, o ministro reproduziu uma reportagem da TV Record que apresentou uma plantação de maconha encontrada pela polícia no campus da Universidade de Brasília (UnB). Na ocasião, os policiais recolheram mudas, ainda em vasos, que eram manipuladas por três alunos da universidade.
A investigação do episódio depois viria a constatar que a plantação não estava em área da universidade, e os jovens não foram condenados por tráfico de drogas.
O vídeo causou indignação e aplausos entre os deputados presentes. A pedido da deputada Rosa Neide (PT-MT), a reitora da UnB, Márcia Abrahão Moura, passou então a participar da reunião.
Uma segunda reportagem veiculada pela Rede Globo também foi reproduzida como suposta prova de que havia produção de drogas sintéticas na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). De acordo com a reportagem, os traficantes processavam as drogas no interior do laboratório de química.
Em nota de esclarecimento ainda em novembro, o Conselho Universitário da UFMG informou que com o fim das investigações, foi comprovado que "nenhum dos acusados é estudante ou servidor da UFMG" e que "não há na sentença qualquer prova ou sequer indício que ampare a acusação improcedente de que houve uso dos laboratórios de química da UFMG para a fabricação de drogas ilícitas".
Weintraub ainda apresentou outras reportagens mostrando consumo e venda de drogas dentro de universidades. "As provas encontram-se em material acessível na internet", disse.
Durante a reunião, o ministrou reiterou que "estão tentando destruir as universidades federais", sem se referir a alguém. Ele ressaltou que as polícias militares não podem entrar nos campi universitários, destacando a autonomia das universidades, onde traficantes encontrariam "refúgio".
A autonomia didática, administrativa e de gestão patrimonial das universidades é garantida pela Constituição Federal.
"Nas universidades eles encontram refúgio, a PM não pode entrar nos campi" afirmou. "Eu sou 100% a favor de total autonomia de pesquisa, total autonomia de ensino nas universidades, você pode falar o que quiser e pesquisar o que quiser, mas roubo, estupro e consumo de drogas ilícitas, não pode ter e a PM tem que entrar nos campi", completou.
“Se a pauta vai ser exclusivamente esta diante de tudo que está se passando de crise nas universidades, é um desrespeito profundo à educação, e vou me retirar”, disse o deputado Marcelo Freixo (Psol-RJ) já na apresentação do primeiro caso. “É um insulto aos educadores”, completou.
O deputado Professor Israel (PV-DF), que estudou na UnB, disse que o ministro usou casos pontuais para generalizar e causar pânico social:
"O senhor não pode agir como os demagogos que pegam casos de exceção, casos extraordinários e transformam na regra, o senhor não pode destruir a reputação da universidade agindo dessa forma, com argumentos que generalizam fatores e questões pontuais - afirmou.
Margarida Salomão (PT-MG), uma das requerentes, afirmou que o ministro desconhece as universidades brasileiras e seu impacto na pesquisa no Brasil e no mundo.
"O que nós vimos aqui apresentado é uma sequência de telejornais, uma sequência de apresentações sensacionalistas que tratam de uma forma indevida eventos que já foram apurados", declarou.
No caso da UFMG, a deputada lembrou que o delegado Rodolfo Machado, responsável pelo caso, identificou que os suspeitos não eram alunos da universidade.
"Além disso, o juiz de direto responsável pela ação afirma que não existe nenhuma prova que a direção das faculdades serviram de palco para o delito ou tenham de alguma forma concorrido para o fato criminoso, ou mesmo oficialmente classificado como ocorrência", disse Salomão.
Após a resposta de alguns deputados, o ministro voltou a falar e afirmou que nunca culpou reitores e funcionários pelas acusações e lembrou que é professor concursado da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Todos os deputados que falaram sobre as declarações do ministro, contra ou a favor, recebiam respostas ponto a ponto de Weintraub. Muitas vezes, essas respostas causavam réplicas que geravam reações do restante dos parlamentares, como palmas e gritos, tornando o clima ríspido.
Em outro momento, os deputados discutiram sobre a presença de membros da União Nacional dos Estudantes (UNE) na Comissão. Parlamentares que defendiam o ministro Weintraub queriam a saída dos estudantes, enquanto deputados da oposição defenderam a permanência deles. O presidente da instituição, Iago Montalvão, esteve presente durante toda a audiência.
Questionado sobre os 39 quilos de cocaína encontrados no avião da Força Aérea Brasileira (FAB), durante uma viagem presidencial a Espanha para reunião do G-20, Weintraub se irritou.
"Eu não vim aqui pra ficar de palhaçada", disse. "O assunto é sério, é a vida de jovens".
O deputado Bacelar (Pode-BA), autor de um dos requerimentos de convocação e vice-líder do Podemos, afirmou que caso seguindo a mesma linha de raciocínio do ministro, de "domínio do fato" no caso das universidades - ele poderia afirmar que Bolsonaro tem responsabilidade nas drogas do avião da FAB.
"Ou ele [deveria ser responsabilizado] ou o gabinete institucional. Porque é um espaço muito menor, ministro, do que um campus de uma universidade. Porque tinham muito menos pessoas nesse avião do que 50 mil alunos de uma instituição de ensino", declarou.
Bacelar disse também que não acredita que Weintraub tenha cometido crimes ao fazer tais declarações, mas que vai oficializar à Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) um pedido de intimação ao ministro para que esclareça as acusações.
"Não são as universidades brasileiras ministro, são casos isolados, fruto de uma sociedade doente", conclui.
Otoni de Paula (PSC-RJ), disse que compareceu ao debate para "defender" o ministro, a pedido de um assessor especial do Ministério da Educação (MEC).
"Eu queria que a esquerda provasse que em algum momento o senhor acusa algum reitor. Eu quero que a esquerda prove que em algum momento o senhor acusa até mesmo a universidade enquanto instituição. Eu queria que eles dessem a prova", declarou.
A deputada Tabata Amaral (PDT-SP) disse entender a gravidade dos problemas relacionados às drogas, mas que acredita que este assunto não deve ser tratado pelo ministro da Educação.
"O que o ensino superior, o que a educação tem a ver com isso? De forma nenhuma os estudos mostram que a universidade é responsável por isso", afirmou a deputada. "O que não falta mais uma vez são problemas para o senhor resolver."
"O que fica pra mim, fazendo essa leitura de quase um ano de governo, é que é mais uma desculpa pro senhor se esconder atrás dela, não dar uma resposta para os problemas reais da educação e continuar limitando as liberdades individuais, as liberdades de pensamento que a gente tem na nossa democracia", disse Tabata.
Weintraub também disse que o Brasil está vivendo uma "a maior revolução na área de ensino" e que "o simbolo máximo é que sai o kit gay, e entra livros para as crianças lerem com os pais".
O suposto "kit gay", que nunca existiu, foi uma das principais notícias falsas espalhadas por Jair Bolsonaro ao longo da sua carreira política e na campanha de 2018.
Em 2011, o Ministério da Educação desenvolveu um material de combate à homofobia que tinha como público-alvo adolescentes e professores e havia sido aprovado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e pelo Conselho Federal de Psicologia.
Ele nunca trouxe representações de crianças mantendo relações sexuais e não chegou a ser distribuído.
Bolsonaro também já apresentou como "kit gay" o livro “Aparelho sexual e cia: um guia inusitado para crianças descoladas”, editado pela Companhia das Letras e indicado para alunos de 11 a 15 anos.
28 exemplares da obra, um bestseller internacional, foram adquiridos para bibliotecas públicas em 2011, mas ele nunca foi distribuído em escolas.
Ao final da sua fala, o deputado propôs a criação de uma comissão externa para que sejam analisadas as denúncias feitas pelo ministro, sem que haja a obrigação de avisar previamente as reitorias das universidades sobre as visitas a serem realizadas nos campi.
(Com João Pedro Caleiro, de EXAME, Agência Câmara de Notícias e Agência O Globo)