Osmar Terra: ministro da Cidadania já tinha prometido mudanças na Lei Rouanet (Wilson Dias/Agência Brasil)
Estadão Conteúdo
Publicado em 24 de abril de 2019 às 09h22.
Última atualização em 24 de abril de 2019 às 09h39.
Brasília — O Ministério da Cidadania formalizou no Diário Oficial da União (DOU) desta quarta-feira, 24, as novas regras da Lei de Incentivo à Cultura, a Lei Rouanet, que foram anunciadas pelo ministro Osmar Terra no início da semana. Dentre as mudanças, a principal delas fixa em R$ 1 milhão o teto do financiamento de projetos culturais pela lei, e não mais R$ 60 milhões.
As alterações constam de uma Instrução Normativa (IN) que regula os procedimentos de apresentação, recebimento, análise, homologação, execução, acompanhamento, prestação de contas e avaliação de resultados dos projetos apresentados no âmbito da lei.
De acordo com a IN, as ações culturais e documentações correspondentes serão apresentadas, por pessoas físicas ou jurídicas, por meio do Sistema de Apoio às Leis de Incentivo à Cultura (Salic), disponível no site da Secretaria Especial de Cultura. No ato de inscrição, o proponente precisa comprovar sua atuação na área cultural e sendo pessoa jurídica deve ter natureza cultural comprovada por meio de CNPJ e código de Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE). O período para apresentação de propostas culturais é de 1º de fevereiro até 30 de novembro de cada ano.
As mudanças preveem um foco maior nos estados para além do eixo Rio de Janeiro-São Paulo. Foram introduzidas novas exigências, como a ampliação do percentual de ingressos gratuitos, que deverão ser assegurados entre 20% e 40%. Terão tratamento especial tipos específicos de incentivo, como para projetos envolvendo patrimônio tombado, construções de teatro e cinemas em cidades pequenas e planos anuais de museus e orquestras.
A representante do Brasil no Comitê Internacional de Museus (ICOM – Brasil), Renata Motta, destaca a importância de terem sido excluídos do limite projetos de restauro de patrimônios tombados e planos anuais de museus. Essa exceção pode assegurar a recuperação do Museu Nacional, no Rio de Janeiro, e o Museu do Ipiranga, em São Paulo.
Mas ela pontua que pode haver impactos em exposições montadas fora dos planos anuais dos museus. “Há empresas que atuam há muito tempo e que realizaram mostras muito importantes em espaços como o CCBB [Centro Cultural Banco do Brasil], como a sobre o pintor Paul Klee”, exemplifica Renata Motta.
Em entrevista à Agência Brasil, a professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Glaucia Campregher, que atua na área de economia da cultura, destaca que a descentralização é importante e que o foco em outros estados distintos do Rio de Janeiro e de São Paulo é um propósito relevante, assim como a redução dos limites. Mas ela pondera que há ainda muita desinformação sobre a lei, com a ilusão de que o mecanismo funciona com o repasse de dinheiro pelo governo a artistas.
A acadêmica lembra que o incentivo opera de outra forma, com o Executivo habilitando projetos que vão ser financiados ou não pelas empresas, que decidem no fim onde os recursos vão ser alocados. Por isso, as novas regras ainda dependem de como as empresas vão atuar na prática. “Temos que ver como é que vão ser os comitês de avaliação dos projetos, como empresas vão reagir a isso, como é que vai ‘pegar’.”
Na opinião da produtora cultural Andreia Alves (responsável por espetáculos de renome como o sobre Elza Soares), as mudanças poderiam ter sido precedidas de um diálogo maior com o setor cultural para avaliar os impactos, que podem comprometer postos de trabalho. Segundo ela, a cadeia produtiva da cultura emprega atualmente cerca de 1 milhão de pessoas no país.
“Acho que faltou uma discussão qualificada antes de tomar essa resolução. Principalmente com relação ao que vai ser afetado com essa redução drástica do teto, de ser R$ 1 milhão por projeto, a gente está falando de redução de empregos drástica de um setor que emprega muito”, sublinha a produtora.
Para o secretário de Cultura do Ceará e presidente do Fórum de Dirigentes Estaduais de Cultura, Fabiano Piúba, a alteração pode dificultar projetos com orçamentos maiores do que R$ 1 milhão. Mas, em sua opinião, a discussão para o problema da centralização geográfica do financiamento da cultura passa também pelo fortalecimento do Fundo Nacional de Cultura (FNC), formado por verbas do Tesouro Nacional e de loterias.
“A gente está num pedaço do debate. A questão substancial da democratização do acesso e da desconcentração de recursos é o fortalecimento do Fundo Nacional de Cultura. É isso que o fórum defende. Este é o instrumento mais adequado para que os recursos possam chegar aos estados e municípios. E faltam recursos para este instrumento”, analisa Piúba.
O diretor da Associação de Produtores de Teatro (APTR), Eduardo Barata, também destaca a importância do fundo. Para ele, o instrumento mais adequado para a política pública de desconcentração do financiamento da cultura seria o FNC.
“O Fundo Nacional de Cultura foi criado para essa função, desconcentrar, apostar na inovação e atender a regiões que não serão contempladas no mecenato”, avalia.