Exército: decreto lista transgressões administrativas dentro das organizações militares (Antonio Cruz/Agência Brasil)
Luiza Calegari
Publicado em 4 de abril de 2018 às 15h27.
Última atualização em 4 de abril de 2018 às 17h08.
São Paulo — Os militares do Exército e de todas as organizações militares brasileiras são proibidos, por lei, de se manifestar sobre questões políticas e partidárias.
O decreto 4346, de 2002, especifica quais são as transgressões passíveis de punição administrativa (dentro da própria instituição), e as manifestações políticas estão explícitas em três delas:
Dependendo da gravidade da transgressão, a punição pode ser de advertência (particular ou em público); impedimento disciplinar (proibição de se afastar do quartel ou local da organização por até dez dias); repreensão (censura enérgica publicada em boletim); detenção disciplinar (por até 30 dias); prisão disciplinar (por até 30 dias); licenciamento; ou exclusão do militar da organização.
A questão ganhou notoriedade desde a noite de ontem quando o comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, postou em sua conta do Twitter uma opinião sobre o julgamento de hoje do Supremo Tribunal Federal (STF) do pedido de habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva:
Asseguro à Nação que o Exército Brasileiro julga compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz social e à Democracia, bem como se mantém atento às suas missões institucionais.
— General Villas Boas (@Gen_VillasBoas) April 3, 2018
Segundo o professor de Direito Constitucional da Universidade Presbiteriana Mackenzie Flávio de Leão Bastos Pereira, em um caso como o do general Villas Bôas, o presidente Michel Temer teria autoridade para puni-lo (ou autorizá-lo a emitir opinião política) fora da esfera administrativa.
"O Temer poderia chamá-lo para conversar, ou em último caso até determinar a troca de comando, como ele já trocou ministros, por exemplo. Mas eu acredito, considerando que o governo Temer é impopular e questionado quanto à sua legitimidade, que ele não deve tomar nenhuma dessas medidas, especialmente porque a opinião do general é a de toda a população brasileira. Ninguém é a favor da impunidade", afirma Bastos Pereira.
O próprio Supremo poderia, extrajudicialmente, pedir esclarecimentos ao general, já que, segundo o professor, a expressão "se mantém atento às suas missões institucionais" é ambígua: pode significar tanto o cumprimento da missão das Forças Armadas conforme descrita na Constituição quanto uma ameaça de intervenção militar, dado o histórico recente do país, que viveu uma ditadura militar entre as décadas de 1960 e 1980.
Para que ele seja convocado ao Supremo, no entanto, seria necessário um entendimento unânime da Corte de que houve provocação direta ao STF. Segundo a coluna Painel, da Folha de S.Paulo, dois ministros já minimizaram a declaração de Villas Bôas.
No âmbito das Forças Armadas, autoridades administrativas podem avaliar que é necessário abrir uma comissão interna para investigar as implicações da declaração do general.
Nesse caso, são os próprios militares que vão decidir se o general estava se manifestando como cidadão ou se, ao se referir ao Exército em seu tuíte, usou sua posição de comando para ter influência política.
Assim, poderiam se aplicar as normas que regem as transgressões, como mostradas no decreto, ou o Código de Conduta militar, e outras legislações internas, segundo Bastos Pereira.
Por outra via, o Ministério Público Militar também pode, baseado na própria convicção, pedir uma investigação fora da esfera administrativa; por esse prisma, Villas Bôas poderia ser acusado de interferir na atuação dos três poderes (pressionando o Judiciário) e, por se tratar do comandante do Exército, o caso poderia ser julgado até no STF.
O problema, diz o professor, é que, a princípio, a fala do general não pode ser taxada, categoricamente, como uma ameaça direta ou como uma manifestação para impedir que um outro poder constituído da República atue plenamente.
Bastos Pereira diz acreditar que, desde o fim da ditadura e a adesão do Brasil aos tratados internacionais de direitos humanos, as Forças Armadas também passaram por uma profissionalização, e que, por isso, o risco de que haja uma nova ditadura é bem menor.
"Nós temos instituições democráticas fortes o suficiente para garantir que dificilmente um comentário de um comandante do Exército referente a um julgamento no Supremo gere a derrocada democrática no país. Não descarto a possibilidade, mas acho que ela seria muito remota", afirma.
Por outro lado, ele também opina que é preciso que as lideranças tenham um cuidado redobrado ao emitir opiniões nas redes sociais, já que elas podem induzir outras pessoas a terem bons ou maus comportamentos.