Witzel: a medida já gera reações na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) (Fernando Frazão/Agência Brasil)
Agência O Globo
Publicado em 8 de janeiro de 2021 às 15h29.
Em estado de calamidade pública financeira desde 2016, sob o Regime de Recuperação Fiscal e com um déficit previsto para 2021 na casa dos R$ 20 bilhões, o estado do Rio pagará um subsídio mensal 11% maior para o governador e integrantes do primeiro e segundo escalão do governo. A medida passou a valer em dezembro, com a revogação de um corte nos salários adotada pelo então governador Luiz Fernando Pezão no final de 2015, em meio ao agravamento da crise fiscal. Com isso, voltaram a valer valores maiores estabelecidos por uma lei de 2014, ano do último reajuste do funcionalismo estadual. O aumento deverá causar um impacto de pelo menos R$ 1 milhão ao longo deste ano.
O cálculo do impacto leva em conta o valor que será pago a mais ao governador em exercício Cláudio Castro, ao governador afastado Wilson Witzel, e aos 23 secretários e estado, além dos subsecretários. Como o Governo não informou quantos ocupantes de cargos do tipo existem, a reportagem considerou pelo menos um subsecretário para cada uma das 23 pastas.
Segundo o Governo, a mudança foi feita a partir de um parecer da Procuradoria-Geral do Estado, que teria apontado uma irregularidade na redução feita por Pezão, por meio de um despacho interno do governo, sem publicação de decreto. Na época, o corte nas remunerações foi decidido em um processo interno a pedido da secretaria de Estado da Casa Civil.
"A medida, que praticava corte apenas nos cargos citados, evita o risco de dívidas futuras ou questionamentos judiciais pelo não pagamento integral dos subsídios indevidamente cortados. As remunerações estavam fora de regulamentação desde 2016 e os valores deste subsídio são determinados pela Lei 6.939/2014", diz o governo, que garante ainda não haver efeito cascata em outras remunerações do estado.
Ainda de acordo com o estado, a redução de salários feita por despacho interno poderia gerar um passivo para o tesouro. "As remunerações estavam fora de regulamentação desde 2016 e os valores deste subsídio são determinados pela Lei 6.939/2014", diz a nota. Segundo o governo, a mudança representa um aumento de 0,01% na folha de pessoal do estado, e não fere o RRF porque apenas revigora o que determina a lei.
A medida, no entando, já gera reações na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj). O deputado Flávio Serafini (PSOL) informou que vai protocolar um projeto de decreto legislativo quando a Casa encerrar o recesso, em fevereiro, para reinstituir os salários menores.
— É uma vergonha, em plena pandemia, o Rio em recuperação fiscal, o governador aumentar seu próprio salário — diz ele — O salário do governador não pode ser aumentado quando os servidores estão com seus salários congelados e o plano de cargos da saúde sequer saiu do papel — protestou.
O deputado Luiz Paulo (Cidadania) explica que a medida não é ilegal, pois retoma o valor da lei de 2014, mas questiona o aumento em meio à crise financeira e a pandemia da Covid-19:
— Em tese não tem ilegalidade, mas que é indevido é, porque impacta sem necessidade a folha de pessoal — afirma.
Para o deputado estadual Alexandre Freitas (Novo), o momento atual não é apropriado para a discussão de nenhum tipo de aumento salarial:
— O governador devia ganhar bem se desse excelentes resultados, mas o estado está deficitário há anos.
Coordenador-geral do Sindicato dos Profissionais da Educação, o professor Alex Trentino diz que a medida é uma contradição, já que o Regime de Recuperação Fiscal impede reajustes para os servidores, que estão com salários congelados desde 2014. Ele conta que o salário base de um professor em início de carreira no estado é de R$ 1.179, praticamente a metade dos R$ 2.187 que o governador receberá a mais:
— Que regime de recuperação é esse, que vale pro servidor e não vale para o governador? A gente acha isso um absurdo, no meio de uma pandemia em que devia estar investindo em saúde, resgatar vidas, o governo está privilegiando seu próprio salário — protesta.
Flávio Sueth, membro do Fórum Permanente dos Servidores Públicos do Estado do Rio (Fosperj), informou que a categoria recebeu com indignação a notícia.
— Os servidores públicos do estado, que estão na linha de frente do atendimento à população tão necessitada no cenário de pandemia e crise econômica, estão há pelo menos seis anos sem reajustes inflacionários, tendo tido perdas salarias que chegam a mais de 40% e o congelamento de todos os benefícios em razão do Regime de Recuperação Fiscal. A falta de políticas públicas de recuperação do estado e de valorização dos servidores contrastada com essa notícia nos trazem perspectivas muito preocupantes.
Presidente da Associação dos Servidores da Vigilância Sanitária do Estado do Rio (Asservisa), André Ferraz cobrou do governo a implementação do Plano de Cargos e Salários dos servidores da Saúde estadual:
— Da mesma forma que o governo do Rio é soberano para decidir sobre essa medida, que na prática reajusta os salários do primeiro escalão do Poder Executivo, esperamos que o governador Cláudio Castro sancione a LOA 2021 com a autorização e previsão orçamentária do PCCS, e inicie a implementação do plano para valorizar todo sacrifício e o esforço de nossa categoria, que diariamente é responsável por milhares de vidas salvas.