Brasil

Maio/2016: Mercadante tentou "comprar silêncio" de Delcídio; ouça áudio

Segundo a revista, as conversas foram entregues à PGR por Delcídio, que, em depoimento formal, disse que o ministro agira a mando da presidente Dilma

Dilma cumprimenta Mercadante: Delcídio do Amaral acredita que ministro o teria procurado a mando da presidente - no entanto, essa hipótese não fica clara na gravação (Ueslei Marcelino/Reuters)

Dilma cumprimenta Mercadante: Delcídio do Amaral acredita que ministro o teria procurado a mando da presidente - no entanto, essa hipótese não fica clara na gravação (Ueslei Marcelino/Reuters)

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Da Redação

Publicado em 5 de maio de 2016 às 19h23.

Última atualização em 13 de dezembro de 2022 às 20h38.

São Paulo – O ministro da Educação, Aloizio Mercadante (PT), foi gravado por José Eduardo Marzagão, assessor do senador Delcídio do Amaral (Sem partido),  oferecendo apoio jurídico, financeiro e político para que o senador não fizesse delação. A informação e os áudios foram publicados nesta terça-feira (15) pelo site da revista VEJA.

Os encontros teriam acontecido em dezembro, pouco depois da prisão de Delcídio. À época, além do senador, foram presos seu chefe de gabinete, Diogo Ferreira, o advogado de Cerveró, Edson Ribeiro, e o banqueiro André Esteves pela mesma suspeita de obstruírem a Operação Lava Jato, que investiga o esquema de corrupção na Petrobras.

Segundo a revista, as conversas foram entregues à Procuradoria-Geral da República por Delcídio. Em depoimento formal, ele afirmou que acredita que o ministro agiu a mando da presidente Dilma Rousseff, acusando-os de tentar comprar o silêncio de uma testemunha.

Segundo o ex-líder do governo no Senado, Mercadante é um dos poucos em quem a presidente confia. Na gravação, o ministro aparece dizendo que "se ela tiver que descer a rampa do Planalto sozinha, eu descerei ao lado dela".

No primeiro áudio é possível ouvir a voz do ministro dizendo que o congressista "errou" e diz ter achado "um absurdo" a postura do presidente do PT, Rui Falcão, quando foi exposta a gravação de Delcídio propondo formas de fuga e repasses constantes para Nestor Cerveró. (Ouça a íntegra da gravação obtida por VEJA no final do texto)

No segundo áudio, o ministro indica que o senador deve pensar em uma saída jurídica, pois a prisão não se justificaria.

"Eu acho que ele devia esperar, não fazer nenhum movimento precipitado, ele já fez um movimento errado, deixar baixar a poeira, ele vai sair, a confusão é muito grande. Aí... entendeu?", diz Mercadante. "Para ele não ser um agente que desestabilize tudo. Porque senão vai sobrar uma responsabilidade pra ele monumental, entendeu?"

O ministro também oferece articulação com senadores para que seja feita uma moção de apoio a Delcídio. Como se sabe, em seguida, os congressistas votaram pela manutenção da prisão.

Marzagão indica ainda que a família estaria vendendo bens para arrecadar dinheiro, Mercadante também oferece ajuda.

"Bom, isso aí também a gente pode ver no que é que a gente pode ajudar, na coisa de advogado, essa coisa", diz o ministro. "Não sei. Pô, Marzagão, você tem que dizer no que é que eu possa ajudar. Eu só to aqui pra ajudar. Veja o que que eu posso ajudar."

Veja ao fim do texto os diálogos completos divulgados pela revista VEJA.

NA DELAÇÃO

O senador Delcídio do Amaral cita as reuniões de seu assessor com Mercadante em sua delação premiada. Pelas palavras do senador, as sutis incisivas do ministro, dizendo que ele não deveria "se precipitar", foram decisivas para que ele fechasse o acordo de colaboração com o MPF.

"TaI se dá porque o depoente conhece o Governo 'por dentro' e, por isso, não sentiu qualquer firmeza nas promessas de solidariedade e de ajuda politica que, eventualmente, receberia", diz o documento divulgado nesta terça-feira (15).

Veja o relato a partir da página 142 da delação de Delcídio do Amaral.

REPERCUSSÃO

Segundo o jornal O Estado de S. Paulo, líderes de oposição na Câmara cobraram nesta terça-feira, 15, a demissão de Mercadante.

"O governo está em metástase, acabou", comentou o líder do PPS, Rubens Bueno, ao jornal. "O governo perdeu o mínimo de equilíbrio para continuar governando".

O líder do PSDB na Câmara, Antonio Imbassahy, afirmou que a mesma acusação que prendeu Delcídio, de obstrução das investigações, caberia a Mercadante. "Se (o governo) tivesse dignidade, exoneraria imediatamente o ministro", afirmou ao Estadão.

A RESPOSTA

O ministro Aloizio Mercadante concedeu entrevista coletiva nesta terça (15) dizendo que sua atitude tratou-se apenas de ato de "solidariedade" e que pretendia discutir uma "tese jurídica" de participação do Senado para liberação de Delcídio.

Sua ideia era debater se caberia um pedido da casa em uma moção de apoio. "Eu não ia me meter na desfesa dele", diz Mercadante.

O ministro definiu o fornecimento da gravação como prova na delação como uma distorção e "tentativa de incriminá-lo" no processo.

"Minha atitude foi sobretudo de solidariedade à família", afirma. "O que me preocupa são os valores da sociedade que queremos construir."

OS DIÁLOGOS DIVULGADOS POR VEJA

A proposta de silêncio

Aloizio Mercadante - O que é que tem que você acha que eu possa ajudar?

José Eduardo Marzagão - Ministro...

AM - De verdade. Tô falando assim. Eu tô aqui. Ó, eu falei: Eu não quero nem saber o que o Delcídio fez.

JEM - É.

AM - Eu quero... (inaudível) eu acho que ele devia esperar, não fazer nenhum movimento precipitado, ele já fez um movimento errado, deixar baixar a poeira, ele vai sair, a confusão é muito grande. Aí... entendeu?

JEM - Ministro, o problema é o seguinte.

AM - Pra ele não ser um agente que desestabilize tudo. Porque senão vai sobrar uma responsabilidade pra ele monumental, entendeu

Ajuda financeira

AM - É o seguinte, eu me disponho, já te falei isso reservadamente, eu faço uma agenda no Mato Grosso do Sul, eu tenho que ir visitar uma universidade, um instituto... eu falo Maika, eu quero passar aí ...da outra vez ela fez um jantar pra mim... quando eu fui lá fazer uma agenda e ela fez um jantar na casa. Então, ó eu gostaria de passar aí, lhe dar um abraço e tal, se tiver espaço.

JEM - Só pra você ter uma ideia, eles estão vendendo a casa.

AM - Pra não ficar expostos.

JEM - Não, até pra...

AM - Arrecadar dinheiro.

JEM - Arrecadar dinheiro. Os carros, a casa. A fazenda, porque é da mãe e do irmão, então lá não vai mexer. Aliás, o irmão tá vindo aí pra tratar desses assuntos. Assuntos financeiros mesmo.

AM - Patrimônio da família.

JEM - Patrimônio, as dívidas que ele tem. Pra você ter uma ideia da situação dele, o salário dele tem consignado. O salário do Delcídio tem empréstimo consignado, que ele está pagando.

AM - Bom, isso aí também a gente pode ver no que é que a gente pode ajudar, na coisa de advogado, essa coisa. Não sei. Pô, Marzagão, você tem que dizer no que é que eu possa ajudar. Eu só to aqui pra ajudar. Veja o que que eu posso ajudar.

Ajuda política

AM - Eu conversei com vários senadores

JEM - Hã.

AM - Eu falei: vocês se acocoraram!

JEM - Foi.

AM - Ah, pô! Nós tínhamos feito um movimento com o Sarney, o Jader e o...

JEM - Renan

AM - ...o Renan e tal... Aí veio a nota do PT. Que nota do PT? Onde que o Rui Falcão agora dirige o plenário do Senado? ... é história... essa instituição tem quase 200 anos de história! Como é que vocês aceitam uma coisa como essa, gente! Porque isso vai ser um precedente.

JEM - Abriu uma porteira.

AM - Vai abrir a porteira. Então, vocês precisam repensar o encaminhamento. Talvez o Senado fazer uma moção, a mesa do Senado, ao Teori, entendeu? Um pedido: olha, nós demos autorização considerando o flagrante, considerando as condições etc, mas não há necessidade pá, pá, pá - pá, pá, pá. E tentar construir com o Supremo uma saída. Não pode aceitar isso. Eu acho que se a gente não for pelo jurídico, pelo político, pelo bom senso e deixar tudo pra ele que tá acuado, fodido, a família desestruturada, vai sair só bateção de cabeça. Porque eu posso tentar ajudar nisso aí no Senado. Vou tentar conversar com o Renan e ponderar a ele de construir uma, entendeu, uma moção...

Ajuda jurídica

AM - Eu vou tentar um parecer jurídico que tente encontrar uma brecha pra que o Senado se pronuncie junto ao Supremo com o pedido de relaxamento da prisão, porque ela não se justifica mais. Acho que esse é o caminho que eu vejo. Vou estudar e te dou o retorno de hoje pra amanhã.

JEM - Isso, porque o problema é que o dia D é terça-feira.

AM - Tá.

JEM - Porque se passar terça-feira e não sair, só no ano que vem.

AM - Não, não, mas o presidente vai ficar no exercício... também precisa conversar com o Lewandowsky. Eu posso falar com ele pra ver se a gente encontra uma saída. Mas eu vou falar com o ministro no Supremo também.

JEM - Complicado.

AM - Mas é o seguinte, eu não tenho nada a ver...o Delcídio... zero... não tô nem aí se vai delatar, não vai delatar, não tô nem aí... a minha, a minha questão com ele é que eu acho um absurdo o que aconteceu com ele. Primeiro pelo quadro que ele é, segundo pela cagada que não era necessária aquela exposição que ele teve, terceiro pela atitude das instituições e do partido (inaudível)... lava a mão, vira as costas, um cara totalmente... uma coisa covarde pra caralho, um absurdo. Na minha interpretação, de uma vingança até da... ele pode ter se excedido na CPI dos Correios, mas é evidente que ele segurou bronca pra caralho.

JEM - Vai saber.

AM - É, lógico que ele sabe. Não sei exatamente os detalhes, mas eu sei que ele fez o que era possível, prudente, coisas que não estavam comprovadas, que não eram sérias, mas, é isso aí... (inaudível)... a função era muito difícil a cobrança em cima dele...

Estratégia de defesa

AM - A estratégia de defesa é nesse sentido, entendeu? Ele foi: meu mandato, eu quero defender meu mandato, eu quero ter liberdade pra poder defendê-lo, não posso constranger o meu direito de defesa no Senado e pá pá pá, prerrogativas, estão aqui as minhas condições e pelo direito que é líquido e certo, a ilegalidade do ato - é um absurdo o que foi feito...

JEM - Mas ele não pode falar isso

AM - Não, mas tem que construir. Tem que ter gente pra fazer e falar.

JEM - É.

AM - O que que é a dificuldade? O que é que eu quero te alertar. O Renan é um cara que tem uma zona cinzenta nessa história.

JEM - É.

AM - Como é que o Renan vai se mexer....eu sei que ele tá acuado porque o outro vai... entendeu?

JEM - É.

AM - Como é que o governo se mexe, porque parece que tem alguma coisa que ele sabe do rabo de alguém. Então, eu acho que tem que tirar isso da pauta nesse momento, pra defesa dele, tô falando... pra tentar construir - não sei se é possível a defesa...

JEM - Honestamente eu não sei...

AM - Eu não sei, o que eu vou... o que eu me disponho...como eu te falei. Olha, eu não quero me envolver mais do que posso. Faço isso por absoluta solidariedade. Acho que o que o PT fez é indigno e acho que o Senado não devia ter recuado.

JEM - É. Mas nem só por causa dele.

AM - Não... é institucional, gente.

Evitar a delação

AM - O cara, pô, fodido, acuado, arrebentado, sangrando... eu vou fazer o seguinte: eu vou conversar com alguns advogados que eu confio. Acho que vou chamar o Bruno Dantas pra conversar, que foi advogado-geral da União muito tempo... do Senado, ou algum consultor do Senado que pense juridicamente se o Senado tem alguma providência pra interferir. Inclusive alegar o seguinte: nós queremos que ele se defenda, de um processo aqui pi, pi, pi...

JEM - Sim. Normal.

AM - E crie qualquer porra de um argumento contanto que ele não fique lá preso, acuado desse jeito.

JEM - Que fique em casa com tornozeleira, que fique num quartel do Exército, o caralho que seja, mas lá é...

AM - É ruim. Quando ele fala do risco da delação, hoje o advogado desmentiu. Fica um negócio assim: Parece que ele tá fazendo porque tá com medo, entendeu? Porque não tinha essa pauta...

JEM - O problema é o seguinte: é que ele tá desestruturado. Então, alguém tá colocando pra ele que essa é a única maneira de ele sair de lá.

AM - Bom, eles fazem isso com todo mundo. Desestruturam o cara. Botaram... caralho... O que fizeram com o filho do Paulo Roberto foi isso, com as filhas...

JEM - Sim. Agora, vê a situação dele: um senador com um mandato vigente

AM - Preso.

JEM - Preso, continua sendo senador e... um zé-ninguém lá.

AM - Sim... mas tem um lado e tem que pensar o seguinte... eu acho que precisa esfriar o assunto dele. Vão vir outros. Vai vir Andrade Gutierrez, não sei quem, não sei quem, o Zelada, o caralho, vai vir merda pra caralho toda hora. Aí vai diminuindo. Precisa esfriar o caso dele. Segundo: ele tando lá, não tem inquérito no Senado. Não tem como cassar um senador preso.

Solidariedade do governo

AM - Eu não conheço a Maika. Mas se você achar, porque eu vou dizer o seguinte. Eu sou um cara leal. A Dilma sabe que se não tiver uma pessoa para descer aquela rampa, eu vou com ela até o final. Eu gosto do Delcidio, eu acho ele um cara muito competente, muito habilidoso, foi fundamental para o governo, um monte de virtudes, muito mais jeitoso, ia atrás, se empenhava, fazia... você não pode pegar uma biografia como essa, uma história como essa, porque o cara tropeçou numa pedra, numa situação de desespero, tentando encontrar uma saída, você vê aquele jeito que ele vai tentando mostrar um serviço, eu não consigo entender porque ele foi aonde ele foi. Mas foi, não adianta. Então vamos ter que deglutir isso aí. O que eu acho que ele está precisando agora é algum tipo de apoio e solidariedade pessoal e político. Então, você veja o que eu posso ajudar. 'Se você achar, Mercadante, era bom você ir no Mato Grosso do Sul falar com as filhas dele.' Eu não vou me meter na defesa dele. Não sou advogado, não tenho o que fazer, não sei do que se trata, não conheço o que foi feito.

JEM - Mas o que o Rui fez, queimou qualquer possibilidade.

AM - Foi um absurdo. Eu dentro, vou tentar ajudar no que eu posso. Dentro do governo, dentro do partido menos, porque eu não tenho muitas relações hoje. Mas vou tentar porque achei um absurdo. Eu quero ajudar no que eu puder. Só vou fazer o que eu puder. Não adianta me pedir para fazer o que eu não posso fazer porque eu não vou fazer. Agora, o que eu puder fazer, eu farei. Então eu quero que você saiba disso. Conversamos nós dois. Você veja lá o que você acha que ajuda e me passa que eu vejo a providência que a gente pode tomar. Eu imagino que ele está completamente sozinho, fica ruim para a segurança dele.

JEM - O senhor é a terceira pessoa. No dia do acontecido, ligou o Renan e o Sarney para a Maika. Mais nada. E disseram barbaridades, chamaram a presidente de filha da puta".

OUÇA OS ÁUDIOS OBTIDOS POR VEJA.COM:

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Nota de Renan Calheiros (PMDB), presidente do Senado, sobre citação em conversa: 

"O presidente do Senado, senador Renan Calheiros (PMDB-AL), não foi e nem poderia ser procurado pelo ministro da Educação para tratar de nenhum dos assuntos relacionados na referida reportagem. Como se sabe, a alegada moção não existiu.

O senador afirma ainda que são totalmente improcedentes as citações feitas pelo senhor José Eduardo Mazagão. As referências não condizem com o perfil do senador.

Assessoria de Imprensa da Presidência do Senado Federal"

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