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Da Redação
Publicado em 16 de outubro de 2010 às 12h39.
Há mais de 40 anos, antes de o homem pisar na Lua, o então ministro do Planejamento, Hélio Beltrão, deu os primeiros passos de uma reforma que ajudou a simplificar a burocracia brasileira. É de 1968 o decreto de sua autoria que dispensa o reconhecimento de firma em documentos assinados na presença de um funcionário público. Mais tarde, em 1979, outro decreto, também de Beltrão, já à frente do Ministério da Desburocratização, acabou com os atestados de bons antecedentes e de pobreza, entre outras exigências absurdas e humilhantes impostas aos brasileiros. A mesma lei definiu que a autenticação da cópia de um documento fosse feita pelo próprio servidor a quem o papel tivesse de ser entregue. Porém, desde então, em vez de continuar sendo simplificada, a burocracia brasileira só piorou. Passadas três décadas, boa parte dos avanços conseguidos por Beltrão foi solapada. Agora, em 20 de julho, chegou à antessala do presidente Luiz Inácio Lula da Silva um projeto de decreto que pode significar a retomada da agenda de desburocratização. Até o fechamento desta edição, o decreto aguardava a assinatura presidencial.
Além de ratificar medidas de simplificação estabelecidas no passado, mas que deixaram de ser cumpridas por várias áreas da administração federal - como a dispensa de reconhecimento de firma e de autenticação de documentos em determinadas situações -, o projeto tem o mérito de atribuir responsabilidades ao governo, que, comodamente, insiste em transferi-las aos cidadãos. Caso o decreto seja assinado, os órgãos federais não poderão mais exigir a apresentação de atestados e certidões emitidos por outras repartições da esfera federal. Hoje, para tirar um passaporte, documento expedido pela Polícia Federal, o cidadão tem de provar que está em dia com a Justiça Eleitoral, outro órgão federal. É fato que esse tipo de mudança não ocorrerá da noite para o dia. A lei só será colocada em prática quando os órgãos federais conseguirem "conversar" entre si. Além da ordem presidencial, a lei depende da integração de bancos de dados do setor público, algo relativamente simples, considerando o estágio da tecnologia. Após a assinatura do presidente - que ocorrerá em breve, segundo o Ministério do Planejamento -, os órgãos federais terão um ano para se adequar às novas normas.
Outra frente em que o decreto avança é na criação da Carta de Serviços ao Cidadão, espécie de manual de direitos na relação com o governo. A tal carta - que deve ser oferecida ao público nos guichês e publicada no site dos órgãos federais - terá de exibir informações como o prazo para o cumprimento do serviço e o telefone da ouvidoria para eventuais reclamações sobre o órgão. "O objetivo é dar transparência à relação com o cidadão, deixando claro que o governo também cumpre prazo e tem compromissos no atendimento ao público", afirma Marcelo Viana, secretário de gestão do Ministério do Planejamento. É verdade que nem de longe estamos diante de um choque contra a burocracia. O decreto que aguarda a assinatura do presidente Lula só tem efeito sobre os órgãos federais. Sob esse ângulo, seu alcance é limitado, já que as pessoas utilizam-se muito mais da burocracia municipal e estadual do que da dos órgãos federais. A nova lei também não mudará em nada as regras cumpridas pelas empresas. No entanto, a integração dos órgãos federais deve facilitar - e muito - o caminho de medidas futuras de desburocratização das relações com o ambiente de negócios.
A boa notícia é que, embora timidamente, iniciativas de simplificação da burocracia se multiplicam pelo país. Em Maceió já é possível registrar uma empresa em uma semana. O estado de São Paulo passou a dispensar o reconhecimento de assinatura em diversas situações desde janeiro de 2008. Essa iniciativa veio se somar à do Poupatempo, programa de centralização de atendimento ao cidadão em postos de serviços existente desde 1996 e que hoje já foi copiado por vários estados e cidades. O atual alvo do programa de desburocratização paulista, capitaneado pelo secretário estadual do Emprego e Trabalho, Guilherme Afif Domingos, é a redução do tempo necessário para a formalização de empresas. "Até o início de 2010, a média para a abertura de um negócio em São Paulo será de 15 dias", afirma Afif. Atualmente, o prazo médio no país é de cinco meses, o que joga o Brasil na 125a pior posição no ranking Doing Business, do Banco Mundial, que classifica o ambiente de negócios em 181 países.
Apesar dos acenos positivos, é preciso avançar com mais velocidade e manter a persistência no ataque ao "burocrassauro". "A burocracia é como erva daninha, está sempre nascendo", diz Antônio Marcos Umbelino Lôbo, advogado e membro do Instituto Hélio Beltrão, organização não governamental voltada à desburocratização do país. Segundo ele, o decreto da década de 70 feneceu porque, com o passar do tempo, os burocratas criaram novas normas, exigindo, por exemplo, firma reconhecida em cartório, regra banida anteriormente. "Medidas contra a burocracia só pegam com ampla publicidade junto à população", diz Lôbo. Além disso, os governos têm de martelar a novidade entre os funcionários públicos e a Controladoria Geral da União têm de garantir o cumprimento das regras. Enfim, não basta assinar o decreto. É preciso fazê-lo funcionar.
O que muda nas repartições
Exemplos de mudanças que o decreto de desburocratização deve promover nos órgãos federais depois de assinado pelo presidente da República
Reconhecimento de firma em cartório
Esse procedimento será abolido quando a assinatura for feita na presença de um servidor público
Menos Certidões e atestados
Um órgão federal não poderá exigir certidões ou atestados emitidos por outro órgão também federal. A informação terá de ser providenciada pelos servidores internamente
Padrão de atendimento
Todo órgão terá de criar sua Carta de Serviços ao Cidadão, divulgando os tipos de serviço que presta, os prazos de atendimento para cada um deles e o telefone da ouvidoria para possíveis reclamações
Autenticação de documentos
Essa exigência também será abolida, desde que o servidor possa cotejar a cópia com o documento original