Celso de Mello: Ministro criticou "mentes sombrias" em relação ao tema da criminalização da homofobia (Ueslei Marcelino/Reuters)
Estadão Conteúdo
Publicado em 14 de fevereiro de 2019 às 16h48.
Brasília - O Supremo Tribunal Federal (STF) retomou na tarde desta quinta-feira, 14, o julgamento sobre a criminalização da homofobia, reiniciando a análise do caso com o voto do ministro Celso de Mello, relator de uma das duas ações sobre o tema discutidas nesta tarde.
Decano do STF, o ministro afirmou ter certeza que a sua posição em defesa dos direitos das minorias o incluirá no "índex mantido pelos cultores da intolerância". Celso de Mello também criticou "doutrinas fundamentalistas" e disse que a concepção de vida de que "meninos vestem azul, meninas vestem rosa" - conforme defendido pela ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves - impõe à comunidade LGBT uma "inaceitável restrição a suas liberdades fundamentais" ao impor um "padrão existencial heteronormativo" incompatível com a diversidade de uma sociedade democrática.
O voto de Celso de Mello é dividido em 18 tópicos e tem mais de 70 páginas, o que pode fazer com que o julgamento não termine nesta quinta-feira. Até a publicação deste texto, o decano não havia concluído a leitura do voto. O PPS e a Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT) pretendem que o Supremo não apenas declare o Congresso omisso por não ter votado projeto de lei que criminaliza a homofobia, mas também dê um prazo final para que os parlamentares aprovem uma legislação criminal que puna especificamente violência física, discursos de ódio e homicídios por causa da orientação sexual da vítima. O objetivo das ações também é fazer com que a homofobia seja equiparada ao crime de racismo.
"Eu sei que em razão deste voto e da minha conhecida posição em defesa dos direitos das minorias que compõem os denominados grupos vulneráveis, serei inevitavelmente mantido no índex dos cultores da intolerância, cujas mentes sombrias que rejeitam o pensamento crítico, que repudiam o direito ao dissenso, que ignoram o sentido democrático da alteridade e do pluralismo de ideias, que se apresentam como corifeus e epígonos de sectárias doutrinas fundamentalistas, desconhecem a importância do convívio harmonioso e respeitoso entre visões de mundo antagônicas", disse Celso de Mello, ao iniciar a leitura do voto.
"Mas muito mais importante que atitudes preconceituosas e discriminatórias tão lesivas quanto atentatórias aos direitos e liberdades fundamentais, de qualquer pessoa, independentemente de suas convicções, ou de sua orientação sexual, ou de sua percepção em torno de sua própria identidade de gênero, mais importante do que tudo isso é a função contra majoritária do Supremo Tribunal Federal", frisou o decano, ressaltando o papel da Suprema Corte em garantir a supremacia da Constituição e das leis da República.
Na última terça-feira, 12, o presidente do STF, ministro Dias Toffoli, se reuniu por cerca de uma hora com 23 parlamentares da base evangélica, que o pressionaram para que as duas ações fossem retiradas da pauta. Um dos principais temores dos parlamentares é de que a criminalização interfira na liberdade de pastores pregarem contra a homossexualidade em templos religiosos.
Toffoli manteve o julgamento, frisando que o tema foi colocado na pauta da Suprema Corte por um pedido de Celso de Mello. Depois da sessão desta quarta-feira, Celso acabou fazendo um acréscimo no voto, aprofundando a questão sobre a repressão penal da homofobia em face da liberdade religiosa.
Celso de Mello também criticou em seu voto a ideia de que "meninos vestem azul e meninas vestem rosa", em referência à controversa fala da ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves. "Essa visão de mundo fundada na ideia artificialmente construída de que as diferenças biológicas entre homem e mulher devem determinar seus papéis sociais, 'meninos vestem azul, e meninas vestem rosa', essa concepção de mundo impõe notadamente em face dos integrantes da comunidade LGBT uma inaceitável restrição a suas liberdades fundamentais", frisou Celso de Mello.
O resultado dessa concepção, destacou o decano do STF, é submeter LGBTs a um "padrão existencial heterenormativo incompatível com a diversidade e o pluralismo que caracterizam uma sociedade democrática, impondo-lhes ainda a observância de valores que além de conflitar com sua própria vocação afetiva, erótico-afetiva, conduzem à frustração de seus projetos pessoais de vida".
Dentro do STF, vem ganhando força a tese de que o Supremo pode optar por reconhecer a omissão do Congresso Nacional sem definir um prazo para os parlamentares aprovarem uma legislação criminal sobre o tema. "Não cabe dar prazo. A Constituição Federal prevê que se a omissão for de autoridade administrativa, nós podemos fixar 30 dias. Se o STF declarar a omissão (do Congresso em aprovar legislação sobre homofobia) há um processo legislativo a cargo do Congresso", disse o ministro Marco Aurélio Mello a jornalistas, antes do início da sessão plenária.
Um dos temores dentro da Suprema Corte é o de que o julgamento abra uma crise institucional com o Congresso, em um momento em que o presidente do STF, ministro Dias Toffoli, busca harmonia entre os Poderes. "Se a plataforma do presidente (Dias Toffoli) é justamente uma aproximação e evitar atrito, eu compreendo como inapropriado colocar esses processos em pauta", avaliou Marco Aurélio.