Projeto: para se inscrever em uma plataforma, o trabalhador terá que ter um CNPJ (Germano Lüders/Exame)
Agência O Globo
Publicado em 14 de agosto de 2021 às 14h45.
O governo prepara uma regulamentação do trabalho que vai atingir os cerca de 2,5 milhões que atuam como prestadores de serviços de aplicativos, sejam motoristas, entregadores ou em outras funções. Seria criado um novo modelo de MEI, que o governo está batizando de microemprendedor digital, ou MED, segundo informações obtidas pelo Globo.
A grande diferença é que a contribuição será obrigatória. Para se inscrever em uma plataforma, o trabalhador terá que ter um CNPJ. E o recolhimento das contribuições para o novo MED será feito pelas próprias empresas. Vários países já preparam regulações para o trabalho em plataformas digitais.
Hoje, ser MEI é opcional. Nem todos os motoristas e entregadores fazem suas contribuições, e os que são registrados costumam atrasar o pagamento. Ao exigir que as plataformas façam o recolhimento da contribuição, o governo quer também acabar com a inadimplência.
A regulação do trabalho nas plataformas dos diversos aplicativos de serviços está em debate no mundo todo: Espanha, Itália, Reino Unido, França, Canadá, Estados Unidos, Japão, Dinamarca, Suíça, Alemanha e também no Brasil. Por aqui, há discussões no Congresso (são mais de cem projetos sobre o tema), no Executivo e na Justiça.
Segundos especialistas, o entendimento vai desde considerar o trabalhador autônomo, sem qualquer relação trabalhista; passando por um modelo que garante alguns direitos, mas não todos e até a proteção total dada ao empregado assalariado, de acordo com a legislação de cada país.
E ainda há os casos em que a legislação é revisada, como na Califórnia, onde a categoria foi considerada empregada em 2019. Mas associações de motoristas de plataformas protestaram. Em novembro de 2020, uma espécie de consulta pública teve resultado contrário à regulação e fez o estado voltar atrás e reconhecer esses trabalhadores como autônomos.
Nos EUA, cerca de 20 estados reconhecem o vínculo empregatício e 30, não. A Espanha desenhou uma regulação em acordo firmado entre representantes de plataformas, trabalhadores e governo. Lá, além de serem considerados empregados, os sindicatos têm acesso ao algoritmo que organiza o trabalho. Mas, longe de resolver a questão, as ações na Justiça continuam.
No Reino Unido, eles foram considerados workers, uma categoria entre o autônomo e o empregado clássico, com direitos como salário mínimo, férias remuneradas, plano de previdência pago pela empresa. Mas não têm todos os direitos de um empregado tradicional.
Na Itália, é possível ser enquadrado como autônomo, empregado ou uma nova categoria, chamada de “parassubordinado”. Todos contribuem para a previdência. Os que são exclusivos têm mais direitos, como seguro-desemprego, licença-maternidade e por doença. Os que não são exclusivos não têm seguro-desemprego.
Na França, busca-se uma regulação feita pelas próprias plataformas, sem constituir vínculo empregatício, mas a discussão permanece, com ações na Justiça, alegando que só o Poder Judiciário pode estabelecer se há vínculo, não uma carta social.
Na Alemanha, a legislação divide os custos da Previdência entre o trabalhador, a plataforma e o consumidor.
A discussão no Brasil está também na Justiça. Há mais de 500 sentenças sobre o tema, a maioria considerando que o serviço é irregular, descontínuo no tempo e no espaço. Mas segundo os que defendem a vinculação, as empresas têm buscado mais acordos, o que diminui as sentenças que reconhecem a relação trabalhista.
O argumento legal no Brasil que enquadra os que trabalham nos aplicativos como autônomos está na falta de subordinação. A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) estabelece que empregado é aquele que presta serviço, “não eventual a empregador sob dependência deste e mediante salário”.
Já os que veem que há vínculo citam o parágrafo único do artigo 6º da mesma lei, que diz que meios informatizados de comando são equiparados ao controle direto.