O ministro Abraham Weintraub assumiu o MEC após a saída de Ricardo Vélez (Valter Campanato/Agência Brasil)
Estadão Conteúdo
Publicado em 23 de abril de 2019 às 11h50.
Última atualização em 23 de abril de 2019 às 14h33.
São Paulo — Desde o início da gestão Jair Bolsonaro, o Ministério da Educação (MEC) protagonizou uma "guerra cultural" no governo - da obrigatoriedade para alunos cantarem o Hino Nacional à revisão do golpe de 1964 em livros de História - e a segunda demissão no primeiro escalão do governo federal. Professor da Escola de Educação da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, o brasileiro Paulo Blikstein alerta que o aprendizado dos alunos foi esquecido no debate.
Um dos fundadores de um centro de empreendedorismo e inovação educacional, com foco em iniciativas brasileiras, Blikstein diz que há uma "falsa dicotomia" entre gastar muito com educação e gastar melhor. Para o professor, não é preciso escolher entre um e outro.
O que a indicação do ministro Abraham Weintraub, com experiência na área de Previdência, indica para o futuro da pasta?
Infelizmente, por enquanto as indicações foram quase todas fora da área de educação. Um gestor genérico vai precisar de seis meses para começar a entender gestão educacional. Então isso equivale a andar mais devagar. O ministro precisa interromper a agenda ideológica que parou o MEC por cem dias e começar a agenda do aprendizado. O MEC é um dos ministérios mais complexos e exige gestão especializada. É necessário conhecer a escola, a universidade, as redes municipais e estaduais. O sucesso do ministro vai depender, ironicamente, de deixar-se de lado as bandeiras da campanha.
Quais os riscos e os desafios?
Em vez de ouvir planos estruturantes de longo prazo nesses cem dias, ouvimos que os adolescentes não têm de receber educação sexual, que o professor tem de andar armado, que o livro de História tem de ser revisto, que a escola tem de ser militarizada. Só factoides e ações sem embasamento empírico, dados, evidência. O desafio do (novo) ministro é parar esse negócio. Não é isso que se espera do MEC. O que se espera é um programa de longo prazo e execução, com competência, desses programas. Senão, há um sério risco de desorganização profunda do sistema, e quem paga a conta são os nossos alunos.
É possível um consenso entre educadores e os seguidores da ideias de Olavo de Carvalho?
Opiniões divergentes são importantes na democracia. Se o Olavo de Carvalho e os seguidores dele têm opinião, têm de ser ouvidos. Mas eu não conheço nenhum plano do Olavo de Carvalho que diga, com base em estudos de educação, 'Está aqui um plano de longo prazo para a educação brasileira, sobre como nós vamos formar professores, escrever currículos, como financiar o sistema, de onde virá o dinheiro'. Nunca ouvi nada disso. Se o foco (do ministro) é aumentar a qualidade da educação, não é a agenda que ele tem de ouvir. Ele tem de olhar os especialistas, os pesquisadores, as pessoas que entendem de educação. Tem de usar a pesquisa empírica, dados, evidências, as melhores práticas. O último ministro desprezou tudo isso.
O que pode servir de inspiração para o país?
Antes até de comparar com outros países, nós temos de olhar para as experiências que deram certo no Brasil, como o Ceará e a cidade de Sobral. Ali, os municípios que melhoram a educação recebem mais dinheiro do Estado. Acho isso uma excelente ideia, e não vejo porque isso não está no Brasil todo. Em termos internacionais, nenhum país resolve o problema da educação sem elevar o status da profissão de professor. E isso não é só salário. É o apoio à formação. Por exemplo, na Finlândia, a formação tem quatro ou cinco anos, toda financiada pelo governo. Só os melhores do ensino médio são selecionados (para a Licenciatura). E isso também envolve as condições de trabalho na escola. Parece óbvio, mas são três coisas importantíssimas: bom salário, boa formação e boas condições de trabalho.
As melhores práticas internacionais estão em consonância com a discussão das bases curriculares para o ensino básico?
O MEC deveria seguir o caminho que foi traçado até agora, principalmente seguir com a implementação da BNCC (Base Nacional Comum Curricular). Apesar de suas limitações, ela faz parte de uma política de estabelecimento de um plano mínimo de ensino garantido a todos os alunos do Brasil. Esse é um ótimo objetivo. Mas eu pensaria na BNCC como um projeto de longo prazo. Países que fizeram projetos semelhantes demoraram de cinco a dez anos para colocar o documento em prática, e tiveram vários ciclos de redação. O gasto por aluno no Brasil aumentou mas ainda é pequeno. Além disso, precisamos voltar a olhar para a escola pública como o grande projeto brasileiro. Na maioria dos países da OCDE, o rico e o pobre vão para a mesma escola pública. Isso faz com que a sociedade como um todo queira melhorar a educação pública. No Brasil, estamos caminhando para um cenário de escolas de elite em bolhas de século 21 e escolas públicas que não saem do século 19. É uma desigualdade obscena.
O presidente Jair Bolsonaro já disse que o problema da Educação no País não passa pelo montante de recursos que a área recebe, e sim pela forma como o dinheiro é gasto. O que o senhor pensa sobre isso?
Há uma falsa dicotomia entre o nível e a qualidade do investimento. É uma falácia dizer que temos dinheiro suficiente, que é só mal gasto. São as duas coisas: é preciso ter mais investimento e precisa ser de qualidade. O Brasil é a oitava economia do mundo, e não pode ter a 30.ª melhor educação. A gente tem de ser ambicioso nisso.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.