COVAS NETO: vereador se coloca contra Aécio Neves para retomar bandeiras antigas do PSDB e trazer de volta o eleitorado insatisfeito (Fernando Moraes/VEJA São Paulo/VEJA)
Raphael Martins
Publicado em 26 de agosto de 2017 às 08h34.
Última atualização em 29 de agosto de 2017 às 10h40.
São Paulo – O PSDB terminou a semana tendo que lidar com mais um incêndio dentro de casa. Uma reunião de emergência foi convocada na quinta-feira entre o presidente afastado, Aécio Neves (MG), o interino Tasso Jereissati (CE) e presidentes das executivas estaduais para alinhar discursos. Dias antes, a imprensa noticiava que Aécio havia se reunido com o presidente Michel Temer, fora da agenda oficial, para tirar Tasso do posto. No centro da polêmica está o programa de TV do partido, aprovado por Tasso, em que o PSDB afirma que “errou” e condena o “presidencialismo de cooptação” do governo Temer.
A ideia do encontro entre Aécio e Temer era retomar o controle do partido, para anular as vozes divergentes ao governo e retomar a paz na aliança PSDB-PMDB, estremecida após a votação da denúncia por corrupção passiva contra o presidente Temer na Câmara, em que metade dos deputados tucanos votaram contra o governo. Não bastasse o mal estar da suposta conspiração e indisposição causada pelo vídeo, ao saber do encontro às escuras no Jaburu, o presidente do Diretório Municipal de São Paulo e vereador da capital, Mário Covas Neto, o Zuzinha, articulou uma nota de repúdio à atitude do senador mineiro.
“A presença de Aécio Neves hoje, em reuniões internas ou públicas, só nos causa desconforto e embaraços. Prove sua inocência, senador, e aí sim retorne ao partido”, diz o texto. “Que fique claro: quem pode falar em nome do PSDB é quem está no exercício da presidência. No caso, o senador Tasso Jereissati”. Foi o suficiente para colocar o vereador paulistano no centro da fogueira das vaidades tucanas.
A turma do “deixa disso” respondeu rápido. Manifestaram-se contrários o Diretório Estadual do PSDB e o presidente do Instituto Teotônio Vilela e suplente de senador, José Aníbal, simpático à composição com Michel Temer. “Quem fala em nome do PSDB somos todos nós, qualquer coisa diferente disso é censura. O Aécio é senador por Minas e se reuniu com o presidente para tratar da Cemig”, disse Aníbal. Os figurões do partido preferiram silenciar.
Pouco tempo atrás, o clima no PSDB era de uma guerra silenciosa. As disputas internas tinham o objetivo de firmar um dos três caciques como candidato ideal à Presidência da República em 2018, posto que o PSDB deixou há 15 anos. As eleições municipais de 2016, em que o partido aumentou em 15% o número de prefeituras sob seu controle, mostraram que era uma oportunidade única de surfar na onda antipetista.
Em maio, o silêncio acabou. A delação do empresário Joesley Batista, sócio do grupo J&F, expôs (como nunca antes na história do tucanato) o então presidente da sigla, Aécio Neves (MG). O mineiro esteve presente em outros diversos depoimentos dados por delatores à Operação Lava-Jato. São nove inquéritos no Supremo, cinco só do acordo com a Odebrecht. Desta vez, porém, o senador e candidato derrotado à Presidência em 2014 foi flagrado em áudio pedindo 2 milhões de reais a Joesley, o que segundo a Procuradoria-Geral da República é um pagamento de propina. Principal fiador da aliança entre PSDB e o governo Michel Temer, Aécio perdeu a Presidência do partido, mas não deixou de ter influência entre aliados na Câmara e na Executiva Nacional.
O PSDB rachou em dois. Os aecistas pregavam a permanência no governo. Outras alas, incluindo o presidente interino, senador Tasso Jereissati (CE), defendiam o desembarque. Ao mesmo tempo, o governador paulista, Geraldo Alckmin, e o prefeito paulistano, João Doria, passaram a disputar de forma mais intensa a indicação do partido para disputar a presidência em 2018. O clima, que já estava quente, esquentou ainda mais com a publicação de Covas Neto.
Foi a primeira vez que uma figura representativa do partido levantou a voz contra a direção nacional. “Para um domingo chuvoso, com pouca notícia, a nota acabou ganhando uma repercussão grande. Mas o resultado final foi atingido. Aécio afirma que não é candidato, não assume mais o partido e o Tasso deve ficar até o final. Para o que a gente pretendia, deu certo”, diz Covas Neto em entrevista a EXAME. “Como licenciado, ele está desautorizado a falar em nome do partido. Não está na plenitude do direito nem do ponto de vista legal, nem político”.
A grife Covas
Filho de uma das principais figuras da história do PSDB, o ex-governador Mário Covas, Zuzinha tem 58 anos, é advogado e ex-piloto da Stock Car. Foi campeão brasileiro da categoria Light em 1999. Politicamente, preferia agir por baixo dos panos, coordenando campanhas. Esteve nas campanhas do pai ao Senado, em 1986, à Presidência da República, em 1989, e ao governo do estado, em 1990, 1994 e 1998. Só em 2012 disputou sua primeira eleição para vereador de São Paulo. Teve 60.697 votos: o terceiro mais votado no partido e oitavo no ranking da Câmara dos Vereadores. Em 2016, voltou às urnas para o mesmo cargo. Foram 75.593 votos, o melhor tucano e quinto colocado no geral.
O sucesso instantâneo se explica em grande parte pelo sobrenome. “A política brasileira é muito familiar, feita de clãs, e o sistema eleitoral brasileiro valoriza quem tem base formada e máquina eleitoral”, afirma o cientista político e professor do Insper Fernando Schüler. “Ser um Covas tem a grife, uma marca. Como o voto em lista aberta é pouco politizado, sem uma competição de ideias na eleição, um nome influente ganha com o voto difuso. Há quem imagine estar votando no pai ao votar no filho”.
A admiração pelo pai é frequente no discurso do vereador. Na foto que ilustra a reportagem é possível ver a foto de Covas exposta nas paredes do gabinete. A semelhança física é evidente, ainda que Zuzinha não vista os óculos de aros grandes, uma das marcas do pai. Para interlocutores tucanos, contudo, as semelhanças param aí. Zuzinha é descrito como uma pessoa de temperamento difícil e que não é afeita ao dia a dia da política, com pouco “jogo de cintura”. “Por vezes, ele não entende que o nome não vai lhe trazer capital político e trânsito com as pessoas. Falta humildade”, diz um correligionário. “Por outro lado, é uma pessoa do bem, com grande vinculação ao partido e que faz críticas extremamente pertinentes”.
A personalidade, dizem outros vereadores, é o que lhe tirou a Presidência da Casa no início de 2017. Com a votação expressiva e João Doria como prefeito eleito, imaginava que seria apoiado pelo tucano para ocupar o cargo. Não foi. Doria preferiu apoiar Milton Leite, do DEM, assim como todos os colegas de PSDB na Câmara. Dos 11 vereadores tucanos, Zuzinha teve um voto — o seu.
Como presidente do Diretório Municipal, Zuzinha apoiou a candidatura de Doria de forma ativa. Organizou as prévias e compareceu a todos os debates com adesivo do João Trabalhador no peito. A recompensa não veio: “Saber que houve movimento junto ao governo para que eu não tivesse voto nenhum ultrapassou o limite do razoável. Se quisesse não me apoiar, que não apoiasse ninguém também”, diz. “Fiquei bastante magoado. Tentei descobrir o porquê, mas não consegui saber. Talvez porque eu não pudesse corresponder a uma expectativa aqui na Câmara. Isso nunca seria dito para mim”. Zuzinha garante que a relação com o prefeito aos poucos melhorou.
Há polêmica também com o vice-prefeito, seu sobrinho Bruno Covas. “Na época da minha campanha para vereador apareceu outro candidato, com a foto dele na divulgação, dizendo ‘Bruno vota nele’. Não era ‘apoia’. Era ‘vota’”, diz. “Fui candidato a presidente do Diretório Municipal, ele estava comigo no início e, sem mais nem menos, não estava mais. Estava com José Aníbal e com Ricardo Tripoli. Aí percebi o seguinte: a vida política dele é independente da minha”. A relação hoje também é morna.
Uma coisa é certa: a vontade de sumir dali. “É uma das decisões que tirei em janeiro durante a história da Presidência da Câmara: é melhor procurar outro caminho. Não quero ficar em um lugar onde não sou desejado ou que não esteja me sentindo muito bem”, diz.
Covas Neto quer disputar uma vaga ao Senado Federal. O vereador garante também que não entra na disputa com Aloysio Nunes Ferreira, 72 anos, cujo mandato termina no ano que vem.
Apoio de dentro ou de fora?
O caminho para uma indicação ao Senado será penoso. Dentro da Câmara, colegas já olham as pretensões com desconfiança — a aposta é, no máximo, uma corrida ao cargo de deputado federal. Mas há, nos meandros, um plano. “Faço uma briga que talvez não seja para o meu tamanho, mas faço porque é meu sentimento e estou certo que não estou sozinho”, diz Zuzinha sobre o incêndio que causou.
De fato, parcelas do partido que são críticas às atuais relações da alta cúpula do partido com o governo Temer comemoraram a atitude do vereador. Em um grupo de WhatsApp do PSDB de São Paulo, com integrantes de peso como a deputada federal Mara Gabrilli e o secretário municipal de Inovação, Daniel Annenberg, as manifestações foram positivas. Entre boa parte do eleitorado paulista, o eco também foi extremamente favorável.
Imbuído pelo nome Covas, Zuzinha busca agora uma postura moralizadora do PSDB, batendo nas alianças suspeitas, e de retomada de antigas bandeiras, como o parlamentarismo. Saiu, inclusive, em defesa do polêmico programa de TV do partido que motivou a reunião da Executiva Nacional. “Essa forma de fazer política [de Aécio] não foi o que nos uniu lá atrás. Isso vai fazendo o partido perder identidade”, afirma. “Ter um Congresso Nacional do PSDB como está se discutindo é um passo na direção correta. Algumas questões devem ser retomadas para que tenhamos um discurso comum”.
O PSDB tem marcado para dezembro o Congresso Nacional do partido, em que haverá renovação das Executivas Nacional, estaduais e municipais. Até lá, a fogueira vai continuar queimando.