Marina Silva: candidata à Presidência pela terceira vez criticou duramente a emenda constitucional que instituiu o teto dos gastos públicos (Adriano Machado/Reuters)
Reuters
Publicado em 6 de julho de 2018 às 13h51.
Brasília - Candidata à Presidência pela terceira vez, a ex-senadora Marina Silva (Rede), criticou duramente a emenda constitucional que instituiu o teto dos gastos públicos e afirmou que sua manutenção inviabiliza a administração do governo federal nos próximos anos.
Em entrevista à Reuters na sede da Rede na quinta-feira, Marina evitou afirmar que irá rever o teto de gastos, algo tratado quase como um tabu pelo mercado financeiro, mas afirmou que será necessário fazer uma avaliação "criteriosa" da emenda.
"Não sou eu que estou dizendo, é a realidade que diz isso. E qual é a realidade? O governo congelou por 20 anos a educação que temos, a saúde que temos, a segurança, a infraestrutura. Isso é razoável? Com a PEC vai se inviabilizar a gestão pública federal nos próximos anos", disse.
Marina defende que o controle dos gastos públicos não precisa ser feito por um limite constitucional, mas pela própria lei orçamentária. Lembra que em sua campanha de 2010 propôs que o Orçamento não poderia aumentar a cada ano mais que a metade do crescimento do Produto Interno Bruto.
"Naquela época ninguém tratava disso e ninguém deu bola", reclamou.
Marina, que ficou em terceiro lugar nas duas últimas eleições presidenciais, fica em segundo lugar ou mesmo em empate técnico na liderança com o deputado Jair Bolsonaro (PSL-RJ), quando o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva não aparece como candidato. O petista lidera quando seu nome está nas sondagens.
A presidenciável admitiu que esta será sua tentativa mais difícil, já que seu partido não tem recursos e um tempo mínimo de tevê, mas vê chances reais de se eleger com base em um possível desejo de mudança na sociedade.
"Os partidos da estagnação, da polarização e que estão fortemente envolvidos em casos de corrupção vêm agindo politicamente para impedir que a sociedade --que sinaliza muito fortemente que quer fazer mudanças-- possa fazer isso", disse, referindo-se às novas regras eleitorais aprovadas com apoio dos maiores partidos.
Com uma bancada de apenas dois deputados federais, a Rede tem apenas 8 segundos de tempo para propaganda de rádio e tevê e 0,62 por cento do fundo eleitoral, o que equivale a 10,5 milhões de reais --o MDB, que terá a maior parcela, terá 234 milhões de reais.
Sem alianças formais à vista com partidos maiores, Marina não tem meios de aumentar nem recursos nem tempo de tevê. Ela pode até mesmo ficar fora dos debates televisivos, já que pela atual legislação eleitoral as redes de TV não são obrigadas a convidar partidos com representação inferior a cinco parlamentares no Congresso. Além dos dois deputados, a Rede tem apenas um senador.
Ainda assim, a ex-senadora disse que a aliança "mais importante" não é com os partidos, é com a sociedade.
"No meu entendimento, ganhar uma eleição com 8 segundos de televisão, pouquíssimos recursos, um partido que é mais um movimento do que um partido em termos tradicionais... se a sociedade fizer isso, apesar de tudo feito para que não consiga, com certeza haverá uma mudança, uma transição", disse.
Marina usa a ideia de "aliança com a sociedade" e além dos partidos para justificar como conseguiria governar com um Congresso que, ao contrário do que ela prega, será eleito pelas mesmas regras e com a mesma organização atual.
"Acredito muito que haverá uma mobilização favorável para que as pessoas dentro dos partidos do campo democrático que não se corromperam e que não ficaram estagnadas pela lógica pessoal e pelo 'poder pelo poder', também possam fazer um alinhamento político, inclusive ter um tempo para reinventar os seus partidos", argumentou.
A presidenciável disse que a eleição de 2014 - que teve no segundo turno a petista Dilma Rousseff e o tucano Aécio Neves - foi uma "fraude" por ter sido baseada na corrupção, caixa 2 e recursos públicos desviados, como da Petrobras.
"Se alguém advogar que é legal ganhar uma eleição com base em dinheiro da corrupção, de caixa 2 desviado da Petrobras, dos fundos de pensão, de Belo Monte, do BB, Caixa, então que faça essa defesa. Eu acho que foi uma fraude", afirmou.
"Eu estava disputando a Presidência da República Federativa do Brasil, mas havia aqueles que estavam disputando quase como um disfarce porque a coisa mais importante era manter nas mesmas mãos a estrutura criminosa que se apoderou do Estado brasileiro."
Ex-ministra do Meio Ambiente do governo Luiz Inácio Lula da Silva, ela frisou que a eleição sem o ex-presidente --líder nas pesquisas de intenção de voto, mas preso desde abril cumprindo pena no processo do tríplex-- não é fraude.
"A eleição sem Lula é o cumprimento da lei. E aí vem mais uma deturpação. Se alguém acha que uma eleição roubada não é uma fraude, alguém que acha que alguém que cometeu um erro e que, assegurado o mais legítimo direito de defesa não deva cumprir a pena e que se cumprir a pena que lhe foi imputada passa a ser uma fraude, tem alguma coisa muito errada no imaginário político do Brasil", destacou.
Para Marina, não se pode definir o que é legal ou ilegal por um plebiscito da população.
"As pessoas podem achar que destruir a Amazônia é legítimo e fazer um plebiscito e isso vai ser aprovado, mas a lei diz que ela tem de ser preservada. O fato de a maioria dizer isso torna legal a sua destruição?", comparou.
A ex-ministra, que se intitula sustentabilista progressista, criticou a avaliação "patrimonialista" de que poderia herdar parte dos votos que iriam para Lula.
"As pessoas tratam já como voto do Lula antes de já ter sido dado na urna, ou como voto da Marina, do Ciro, de quem quer que seja. Vou dialogar com todos os cidadãos brasileiros, inclusive com os cidadãos brasileiros que hoje indicam que podem votar com o ex-presidente Lula e dialogando com eles com respeito, entendendo que é uma escolha livre para dar o seu voto em quem eles quiserem", frisou.
Com uma agenda econômica mais liberal, construída desde 2014, Marina afirma que usará a legitimidade obtida nas urnas para fazer as reformas "necessárias", mas não nos moldes do que foi feito ou proposto pelo atual governo.
A pré-candidata disse também considerar difícil que algum candidato a presidente tenha uma proposta para a reforma da Previdência com "começo, meio e fim". Ela afirmou que vai fazer um debate do tema com todos os atores, uma vez que a proposta apresentada pelo governo Temer só ouviu os empresários e "queimou" a discussão.
Ainda assim, a pré-candidata disse que será preciso discutir a "proeminência" do regime previdenciário público em relação ao privado e que a reforma tenha de levar em conta o "problema da longevidade da população" e aqueles que estão à beira de se aposentar.
A ex-senadora reforçou que, se eleita, não vai privatizar a Petrobras, o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal e que as demais estatais e empresas públicas têm de ser avaliadas dentro de um plano.
Para a ex-ministra, não se pode privatizar ativos da sociedade brasileira para tapar o rombo daqueles que agiram perdulariamente. Disse que a privatização da Eletrobras, se ocorrer, teria de se dar dentro de um contexto da adoção de nova matriz energética brasileira, social e ambientalmente responsáveis.