MARIA HELENA GUIMARÃES: “Precisamos ter um olhar mais focado na melhoria da qualidade e da equidade do sistema” / Cristiano Mariz/VEJA
Da Redação
Publicado em 1 de fevereiro de 2017 às 14h41.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h06.
Camila Almeida
O Ensino Médio brasileiro está com as notas estagnadas há cinco anos, abaixo da meta estabelecida no Plano Nacional de Educação. No Ensino Fundamental 2, que compreende do sexto ao nono ano, houve evolução, mas o país ainda está abaixo da meta. Só houve avanço significativo nos anos iniciais da educação, etapa em que ocorre a alfabetização, do primeiro ao quinto ano. Como começar a resolver esse atraso? E como resolver os problemas surgidos com o Fies, o programa de financiamento para o ensino superior? Sobre esses assuntos EXAME Hoje conversou com professora e socióloga Maria Helena Guimarães, secretária executiva do Ministério da Educação, e ex-secretária de educação de São Paulo, durante o governo de José Serra. Ela particiou na última semana da Conferência para a América Latina do banco Credit Suisse, em São Paulo.
O Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) foi mantido. Como cobrar mais resultados, menos inadimplência e mais assiduidade dos alunos beneficiados?
O Fies é um sistema necessário e importante, mas para o aluno mais pobre, de baixa renda. O governo federal, até o início de 2016, estava dando Fies para alunos com renda familiar de cinco salários mínimos per capita [o limite eram 20 salários mínimos por família, um total de 15.760 reais brutos]. Isso em termos de Brasil é alto. A gente precisa rever o modelão de financiamento da educação brasileira em geral, e isso vale tanto para o Fies quanto para as universidades públicas. Nós temos índices de absenteísmo e evasão muito elevados no ensino superior privado e no público. Cabe ao Ministério da Educação estabelecer um modelo de gestão em que faça parte do processo cobrar mais resultados. Se o aluno abandona o curso, não atinge as notas ou reprova, não existe um mecanismo de cobrança que faça esse aluno se dedicar mais, uma vez que ele está sendo financiado pelo governo. A mesma coisa na universidade pública. Acho que é possível e necessário cobrar uma eficiência maior do sistema.
Em termos gerais, por que não estamos conseguindo melhorar a qualidade do ensino de forma geral?
Os anos iniciais dependem especialmente de um foco no processo de alfabetização, com iniciação à língua portuguesa e à matemática e um certo letramento científico sobre o sistema solar, alguma coisa de biologia, zoologia e botânica, para que seja possível começar a entender o mundo. Nessa fase, as notas melhoraram. Na passagem do quinto para o sexto ano, a criança sai de uma escola municipal pequena e vai para uma escola estadual maior. Essa passagem precisa ser mais bem concebida e organizada, para que a escola seja capaz de identificar as habilidades que ela desenvolveu e o que ela precisa aprender. A criança chega ao sexto ano despreparada para enfrentar um ensino dividido por disciplinas, com professores diferentes (porque ela tinha um professor só), e a escola não se prepara para receber essas crianças. Não existe transição e, a partir do sexto ano, elas passam a acumular dificuldades. Os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) mostram que, a partir dos 14 anos, os adolescentes começam a abandonar a escola, seja porque precisam ajudar a família ou porque não conseguem acompanhar, foram reprovados, ficaram para trás.
Por que no Ensino Médio isso ainda é mais complicado?
Essa dificuldade se agrava. O aluno termina o nono ano sem o conhecimento para enfrentar o currículo do Ensino Médio que, no caso do Brasil, é extremamente fragmentado, enciclopédico e academicista. O aluno chega a essa etapa sem ter domínio das competências em leitura, escrita e matemática, sem ter capacidade de resolver problemas ou de buscar informações e ser capaz de aplicá-las. Ele entra no primeiro ano do Ensino Médio e se depara com um currículo que foi criado para servir às universidades, preparado para subsidiar os vestibulares ou o Enem, que é um vestibular nacional centralizado.
Como resolver esse problema?
Há três anos, o Brasil está discutindo a Base Nacional Comum Curricular, que eu acho importante. Ela será obrigatória para todas as escolas municipais, estaduais e particulares, e deverá ser a referência para a organização dos currículos. Eles serão múltiplos, respeitando a autonomia dos estados e municípios, mas a Base vai exigir um alinhamento dos programas de formação inicial e continuada dos professores, das avaliações nacionais, dos materiais e livros didáticos. A Base define os conhecimentos essenciais que os alunos devem ter aprendido ao final de cada etapa. No primeiro ano, ele deve aprender fonemas e grafemas, por exemplo; até o terceiro, ele precisa aprender a escrever um pequeno bilhete. O modo como chegar lá será definido pelos currículos. Alguém me perguntou sobre o método construtivista de ensino. Mas existe também o método Waldorf e vários outros, é importante respeitá-los. Para nós, não interessa o método. Interessa que, a partir de diferentes metodologias, as escolas terão que atender àquilo que a Base diz.
Em relação ao orçamento, preocupa o fato de o novo teto de gastos limitar o crescimento dos investimentos em educação?
Nós até que tivemos um aumento relevante no orçamento no MEC este ano. O problema é que, na educação básica, o MEC tem um papel supletivo. O financiamento acontece com 45% de recursos municipais, 42% estaduais e menos de 15% do governo federal. Então, a participação do governo federal na educação básica vai continuar nesse mesmo patamar. O problema é conseguir garantir mais equidade ao sistema, e eu acho que o MEC tem um papel importante nesse sentido. Eu entendo que nós deveríamos, progressivamente, pactuar políticas com os estados e municípios para que eles considerem as desigualdades e as diversidades. Já que não é possível dar a mesma coisa para todos, vamos dar mais para os que precisam mais.
A senhora costuma dizer que não deve ser o papel do Brasil investir tanto no ensino superior quando há tanta deficiência no ensino básico. Existe um desequilíbrio de prioridades?
Dada a enorme dificuldade da educação básica brasileira, que tem 38 milhões de alunos, o investimento que é feito no ensino superior público poderia ter mais resultados. Porque o investimento no ensino superior público é muito alto para um número muito menor de alunos. São apenas 1,2 milhão de alunos em universidades federais e 800.000 no ensino superior estadual. Não que o ensino superior não seja relevante – ele é fundamental para o futuro do país, para o desenvolvimento, para a inovação tecnológica. Do ponto de vista do financiamento, há um desequilíbrio. Os governos em geral investem muito mais no ensino superior do que na educação básica; essa é a tendência, aqui no Brasil especialmente. Precisamos ter um olhar um pouco mais focado na melhoria da qualidade e da equidade do sistema, e isso vai exigir uma distribuição mais igualitária das recursos.