Bolsonaro e Mandetta: conflito sobre isolamento social levou ao desentendimento do presidente e do ministro (Ueslei Marcelino/Reuters)
Clara Cerioni
Publicado em 15 de abril de 2020 às 10h01.
Última atualização em 15 de abril de 2020 às 10h49.
O ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, admitiu a auxiliares ter cometido um erro estratégico ao elevar o tom do embate com o presidente Jair Bolsonaro sobre a conduta do governo federal no enfrentamento ao novo coronavírus e deve submergir, nos próximos dias, para sair do foco da crise.
Aliados de Bolsonaro, no entanto, veem com descrença a promessa do ministro de fazer uma espécie de "voto de silêncio" sobre suas divergências com o presidente.
Nesta terça-feira, 14, o chefe da pasta, que vem se desentendendo há semanas com o chefe do Executivo, inclusive avisou sua equipe que ele deve ser demitido nos próximos dias, disseram duas fontes que acompanham o processo. Na conversa, ele voltou a dizer que não pedirá demissão e esperará a formalização de sua saída e a indicação de um sucessor.
As duas fontes ouvidas pela Reuters atribuíram o aviso a um "feeling" do ministro ou a "recados" que ele tenha recebido no Planalto. Não houve ainda uma conversa formal entre o ministro e Bolsonaro ou o ministro da Casa Civil, Walter Braga Netto.
Mandetta se baseia no esfriamento da relação com os ministros militares, que lhe davam apoio explícito até agora. Na semana passada, antes de uma reunião ministerial de emergência chamada por Bolsonaro, o ministro também conversou com seus auxiliares e afirmou que seria demitido. Chegou a cobrar na reunião que Bolsonaro o demitisse porque não mudaria suas posições.
No entanto, durante aquele dia os militares e outros ministros civis que apoiavam o ministro haviam convencido o presidente a mudar de ideia. Mandetta deixou o Planalto no cargo e, dois dias depois, em uma audiência privada com Bolsonaro, acertou uma trégua, ainda que frágil.
A equipe do ministro Luiz Henrique Mandetta no Ministério da Saúde já se prepara para deixar a pasta junto com ele e, dos sete secretários que formam hoje a cúpula do órgão, cinco devem sair se a demissão for formalizada, disseram à Reuters fontes que acompanham o processo.
De acordo com uma das fontes, saem com o ministro o secretário-executivo, João Gabbardo, que toca o dia a dia operacional do ministério e a organização do esforço para combate ao coronavírus, o secretário de Vigilância em Saúde, Wanderson de Oliveira, responsável pelas ações de controle da epidemia, o secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos em Saúde, Denizar Vianna, responsável por autorizar e organizar as pesquisas, protocolos e testes de medicamentos contra a Covid-19.
Também devem deixar os cargos o secretário de Atenção Primária à Saúde, Erno Harzheim, e o secretário de Atenção Especializada em Saúde, Francisco de Assis Figueiredo.
Os dois auxiliares que ficam, das áreas de gestão do trabalho em saúde e de Saúde Indígena, não foram indicados por Mandetta e são ligados diretamente ao governo do presidente Jair Bolsonaro.
Nos últimos dias, Bolsonaro tem conversado com dirigentes de siglas do Centrão, que interpretaram o movimento como uma preparação de terreno para a saída do ministro da Saúde, que é filiado ao DEM. Nesta terça-feira, o presidente se reuniu com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP).
"O presidente já abriu esse diálogo e deve partir para a indicação de um técnico no ministério", disse o senador Vanderlan Cardoso (PSD-GO). "Enquanto Mandetta não sair ou for demitido, esses problemas vão continuar e Bolsonaro ficará mais desmoralizado".
Desde o início do mês, Bolsonaro já recebeu parlamentares e dirigentes do PP, PL e Republicanos e hoje deve conversar com o presidente do PSD, Gilberto Kassab. Todos os partidos compõem o Centrão.
Para os integrantes do governo, segundo o jornal O Estado de S.Paulo, uma solução provisória para a saída de Mandetta seria a de colocar o "número 2" do ministério, João Gabbardo, no cargo de ministro.
Mandetta perdeu apoio de militares do governo, figuras que foram importantes para sua permanência no cargo no último conflito público que teve com o presidente há duas semanas. Contudo, os militares viram em sua entrevista de domingo ao Fantástico, da TV Globo, um tom de provocação.
Integrantes do ministério observaram que, embora esteja defendendo orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS), Mandetta adotou tática errada ao falar em "dubiedade" na equipe sobre medidas para combater a pandemia.
Mesmo depois de alertado por militares sobre a necessidade de não expor diferenças com Bolsonaro em público, o ministro dobrou a aposta e seguiu contrariando o presidente sobre temas como isolamento social e uso da cloroquina em pacientes diagnosticados com coronavírus.
A entrevista ao Fantástico pegou Bolsonaro de surpresa e as declarações de Mandetta foram encaradas como um ato premeditado de quem quer forçar a demissão. Auxiliares do presidente observam que ele só não dispensou o ministro ainda porque faz um cálculo pragmático.
Pesquisas mostram que Mandetta, hoje, é mais popular que Bolsonaro e sua demissão, neste momento, agravaria a crise.