Habitações precárias: número representa 14,3% da população total da região (Getty Images)
Da Redação
Publicado em 13 de junho de 2014 às 10h09.
São Paulo – Um estudo realizado pelo Centro de Estudos da Metrópole (CEM) indica que 3,8 milhões de pessoas moravam, em 2010, em condições precárias nos 113 municípios da macrometrópole paulista – área de 31,5 mil quilômetros quadrados (km2) que engloba as regiões metropolitanas de São Paulo, Campinas, Baixada Santista, Vale do Paraíba e Litoral Norte, além da aglomeração urbana de Jundiaí.
Esse número representa 14,3% da população total da região e revela 1,1 milhão de pessoas a mais em situação de precariedade do que registraram os dados do Censo Demográfico realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) naquele mesmo ano.
O resultado é fruto da reclassificação dos setores censitários – as porções em que os municípios são divididos para o recenseamento –, do cálculo de novas estimativas e da criação de arquivos cartográficos conduzidos pelos pesquisadores do CEM, um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPIDs) da FAPESP.
Na classificação do IBGE, setores urbanos em que a aplicação do Censo envolve algum tipo de complexidade, como favelas e loteamentos clandestinos, são chamados “subnormais”.
O recenseamento de 2010 contabilizou quase 2,7 milhões de pessoas morando nessas condições na macrometrópole paulista. Os demais setores urbanos são, em geral, classificados como “não especiais”. No total, a macrometrópole tinha 26,64 milhões de habitantes.
“O problema é que os setores subnormais são determinados antes mesmo de o Censo ser realizado, com o objetivo de organizar a logística de trabalho dos recenseadores. Esse levantamento prévio é feito a partir de informações do Censo anterior ou de cadastros das prefeituras – ou seja, de dados que já estão desatualizados”, disse o coordenador do estudo, Eduardo Marques, pesquisador no CEM e professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH/USP).
Outro fator de distorção citado por Marques é o sub-registro de núcleos pequenos. “Em locais heterogêneos, todos os domicílios são classificados pelo IBGE ou como subnormais ou como não especiais. Com isso, favelas incluídas em áreas predominantemente não especiais não são contabilizadas como habitações precárias”, disse Marques.
Diante desse cenário e a pedido da Empresa Paulista de Planejamento Metropolitano (Emplasa) e da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU), os pesquisadores do CEM buscaram identificar, entre os setores considerados não especiais, quais se assemelhavam aos do tipo subnormal, de acordo com variáveis socioeconômicas, demográficas e de características habitacionais, mas que mesmo assim haviam sido classificados como não especiais.
Entre as variáveis consideradas estão habitação e infraestrutura (porcentagem de domicílios sem coleta de lixo, sem ligação à rede de abastecimento de água, sem ligação à rede de esgoto ou fossa séptica, com apenas um cômodo e número de banheiros por habitante); renda e escolaridade do responsável pelo domicílio (porcentagem de responsáveis não alfabetizados, com renda de até três salários mínimos e com menos de oito anos de estudo); e aspectos demográficos (número de domicílios particulares permanentes e improvisados no setor censitário, número total de pessoas residentes no setor censitário e número médio de pessoas por domicílio).
“A partir desse levantamento quantitativo, novas cartografias foram elaboradas e espacializadas em um sistema computacional de informações geográficas e comparadas com imagens de satélites para validação”, disse Marques.
O resultado foi a reclassificação de setores onde habitam 1.132.208 habitantes (ou 322.008 domicílios) – que passaram a ser nomeados pelo CEM de “setores precários”. Pelo Censo 2010, do IBGE, eles se enquadrariam em setores não especiais. No entanto, estão sob condições que os aproximam dos setores subnormais.
“Nós já havíamos desenvolvido essa metodologia em 2007, para o Ministério das Cidades. Naquela época, usando dados do Censo de 2000, estimamos os assentamentos precários dos municípios brasileiros pertencentes a regiões metropolitanas ou com população superior a 150 mil habitantes”, disse Marques. “O que fizemos agora foi atualizar os dados para 2010 e para regiões metropolitanas do Estado de São Paulo.”
De acordo com os pesquisadores do CEM, conhecer um retrato mais fiel sobre os setores censitários pode ajudar a preencher lacunas associadas às dificuldades de definir as situações de precariedade habitacional e à falta de dados abrangentes, comparáveis e de baixo custo.
“A maior ou menor presença de assentamentos precários, sua concentração ou disseminação, sua associação com determinados elementos do território e do ambiente construído são fundamentais para o enfrentamento da questão pelos planos municipais e para a formulação de políticas públicas de nível regional”, disse Marques.
“A produção dessas estimativas pode ajudar os órgãos responsáveis a dimensionar as demandas e entender quais são exatamente as questões a serem tratadas”, disse.
Confira os mapas de cada região: Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), Região Metropolitana da Baixada Santista (RMBS), Região Metropolitana de Campinas (RMC), Região Metropolitana do Vale do Paraíba e Litoral Norte (RMVP-LN), Aglomeração Urbana de Jundiaí (AU de Jundiaí).
A Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) é a que tem o maior número de pessoas residentes em domicílios particulares permanentes em setores subnormais (2.169.502 pessoas) e em setores precários (652.318). As outras áreas que se destacam negativamente são a Região Metropolitana da Baixada Santista (RMBS), com 297.091 habitantes em setores subnormais, e a Região Metropolitana de Campinas (RMC), com 234.273 moradores em setores precários.
Na soma dos setores subnormais e precários, as regiões de São Paulo, da Baixada Santista e de Campinas apresentam proporções próximas: respectivamente 15%, 16,5% e 14,2% do total de setores dessas regiões. Separadamente, a região da Baixada Santista tem o maior percentual de setores subnormais (14,4%) e a aglomeração urbana (AU) de Jundiaí, de setores precários (8,8%).
Dos poucos municípios que não apresentam precariedade na Região Metropolitana de São Paulo, apenas São Caetano do Sul ocupa posição central na região. A capital paulista concentra o maior número de setores precários, em especial nos extremos sul, leste e norte. Na Grande São Paulo, destacam-se negativamente São Bernardo do Campo, Santo André, Mauá, Osasco, Taboão da Serra, Embu e o eixo Guarulhos-Itaquaquecetuba.
Na Baixada Santista, há uma concentração de pessoas morando sob condições de precariedade nos municípios de Guarujá, Cubatão, Santos, São Vicente e Praia Grande.
Já na região de Campinas, setores subnormais e precários concentram-se nas cidades de Campinas, Hortolândia e Sumaré, em uma mancha urbana que avança para o município de Monte Mor.
As menores taxas de precariedade estão na Região Metropolitana do Vale do Paraíba e Litoral Norte (RMVP-LN), fator que o CEM credita à menor concentração urbana. O maior percentual da região está no município de São Sebastião, seguido de Campos do Jordão.
Na aglomeração urbana de Jundiaí, 72% da população que vive em condições de precariedade está em duas cidades: Várzea Paulista (28% da população total) e Jundiaí (13% do total).
Quando os dados de 2000 e 2010 foram comparados, os pesquisadores identificaram, segundo Marques, aumento absoluto e decréscimo relativo na precariedade habitacional da Região Metropolitana de São Paulo: o número de pessoas residentes em condições de precariedade passou de 2,6 milhões para 2,8 milhões, mas em termos de proporção da população houve queda de 15% para 14,5%.
“Nas demais regiões metropolitanas, houve aumento absoluto e relativo – exceto no Vale do Paraíba e Litoral Norte, área muito heterogênea, com dados menos robustos, sobre a qual não podemos ter muita certeza”, afirmou o coordenador do estudo.
Áreas de risco
A equipe do CEM avaliou, de forma preliminar, a superposição entre setores marcados pela precariedade habitacional e áreas de risco. Para tanto, foram utilizados dados da Emplasa relativos às regiões de São Paulo, Vale do Paraíba e Baixada Santista. “Mesmo com informações parciais, a relação entre precariedade e risco aparece”, disse Marques.
Na região de São Paulo, a maior coincidência entre risco e precariedade está em Guarulhos, Ribeirão Pires, Diadema, Cotia, Taboão e Itapevi. Na Baixada Santista, em Bertioga, Cubatão e Guarujá. E na Região Metropolitana do Vale do Paraíba, em Campos de Jordão, São Sebastião e Caraguatatuba.
“Especialistas em habitação sabem que muitas áreas precárias contêm áreas de risco. Essa é uma das razões pelas quais é fundamental promover políticas de urbanização e recuperação de favelas e loteamentos”, afirmou Marques.
Política habitacional
A segunda etapa do estudo sobre assentamentos precários da macrometrópole paulista incluiu a análise dos instrumentos de gestão voltados à política habitacional nos 113 municípios que compõem a região.
Os pesquisadores do CEM observaram a evolução, ao longo da década de 2000, de cinco instrumentos: órgãos destinados à gestão da política habitacional e urbana; cadastros ou fontes de informação para a identificação do déficit municipal de moradias; consórcios intermunicipais de habitação; instâncias de participação popular para o planejamento de políticas habitacionais (conselhos municipais de habitação ou similares); e fundos específicos para a política habitacional urbana.
A investigação foi feita a partir de dados da Pesquisa de Informações Básicas Municipais (Munic) do IBGE.
Órgão destinado à gestão da política habitacional e urbana e cadastro ou fonte de informação para a identificação do déficit municipal de moradias são os instrumentos mais presentes – em 2011, 83,2% dos municípios declararam contar com o primeiro e 79,6% com o segundo. Fundo e conselho apareceram em seguida, com 65,5% e 63,7%, respectivamente. Consórcio intermunicipal de habitação foi o menos citado, por 8,8% dos municípios.
“Os instrumentos são bastante heterogêneos, mas ainda há médias abaixo do desejável. E isso trabalhando apenas com indicadores sobre a existência desses instrumentos. Se dispuséssemos de informações sobre o funcionamento das instituições, a situação seria certamente muito pior. Entretanto, é importante destacar que a situação tem melhorado desde o primeiro estudo sobre o tema, realizado em 2007 pelo CEM para o Ministério das Cidades e coordenado pela professora Marta Arretche”, disse Marques.
Os relatórios completos do estudo “Diagnóstico dos assentamentos precários nos municípios da Macrometrópole Paulista” podem ser acessados aqui.