Lula: ex-presidente pode pedir que medidas urgentes sejam solicitadas para assegurar seus direitos políticos (Ueslei Marcelino/Reuters)
Estadão Conteúdo
Publicado em 5 de abril de 2018 às 13h39.
Genebra - A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de negar habeas corpus preventivo ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva não fará necessariamente com que o caso apresentado pelos advogados do brasileiro na ONU ganhe um status de prioridade ou que uma decisão seja antecipada.
Mas as leis do Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas permitem que Lula possa pedir que medidas urgentes sejam solicitadas para assegurar seus direitos políticos, enquanto tramita seu processo em Genebra.
Por enquanto, o organismo indicou que a defesa de Lula não apresentou um pedido neste sentido. Mas que tal iniciativa foi adotada no que se refere à situação de políticos catalães, presos nos últimos meses. As informações são dos membros do Comitê de Direitos Humanos, órgão que está lidando com a queixa do ex-presidente.
O caso de Lula foi levado ao Comitê de Direitos Humanos Nações Unidas em julho de 2016, pelo advogado Geoffrey Robertson. A denúncia central era de que o juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba, Sérgio Moro, estaria sendo parcial no julgamento do ex-presidente. Em outubro daquele ano, as equipes legais da ONU aceitaram dar início ao exame.
Mas, pela primeira vez, peritos do Comitê revelam o motivo pelo qual, um ano e meio depois, o caso ainda não conseguiu ser avaliado em seu mérito: em um processo sigiloso, o Estado brasileiro e Lula se enfrentam sobre a questão da capacidade do sistema judiciário brasileiro lidar de forma isenta do caso e os esgotamento dos recursos domésticos.
"O caso foi de fato registrado. Mas agora está na fase de exame de sua admissibilidade", explicou o perito Yuval Shany, um dos 18 peritos do Comitê, em coletiva de imprensa nesta quinta-feira, 5, na ONU. "Há idas e vindas entre a parte queixosa e o Estado", disse. Para que o caso seja tratado em seu mérito, porém, ele aponta que primeiro há que se decidir se os remédios locais foram esgotados ou não.
"Só podemos lidar com o caso se isso foi totalmente resolvido pela Justiça doméstica. O sr. Lula sugeriu que as injustiças são tais, que não há remédios locais efetivos para ele no Brasil", explicou Shany. "O estado (brasileiro) contesta isso. Portanto, precisamos primeiro decidir sobre essa questão", disse.
Na fase inicial de a avaliação de uma queixa, não se avaliava o conteúdo do caso. Mas somente se a ONU tem o direito ou não de examinar e fazer suas recomendações. Em 2017, o governo brasileiro deu respostas às Nações Unidas sobre o caso, alegando que todas as instituições do estado estão "funcionando" e que os direitos do ex-presidente foram preservados.
Shany indicou que, em janeiro, um complemento de queixa foi apresentado por Lula. "O caso portanto está para ser decidido. Mas apenas no que se refere à sua admissibilidade", disse.
O governo brasileiro foi uma vez mais notificado pela ONU sobre novas denúncias que Lula apresentou ao Comitê, depois de ter sido condenado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região.
"Uma das condições para que um caso seja apreciado é se a jurisdição interna tenha chegado a um ponto em que não é mais possível apresentar um recurso", explicou o procurador-geral adjunto de Portugal e perito do Comitê da ONU, José Manuel Santos Pais. "As primeiras entidades são os tribunais nacionais. Quando essa situação chega ao fim e um pessoa não tem mais a quem se queixar, recorre-se às instâncias internacionais", disse.
"Mesmo que tenha essa possibilidade de se queixar, a pessoa entende que as medidas que tem à disposição não são remédios efetivo para sua situação. O Comitê pode chegar à constatação que esses remédios, embora existam, não é efetivo e aceita a queixa", disse.
Se o debate jurídico ainda não chegou ao fim, existem brechas nas regras da ONU que poderiam permitir que medidas urgentes fossem exigidas ao Estado brasileiro. Há poucos meses, o mesmo Comitê avaliou que a Espanha deveria adotar medidas provisórias para permitir que o deputado catalão, Jordi Sanches, pudesse participar das eleições na Catalunha. Ele havia sido preso e considerava que, diante de sua situação legal, não poderia participar das eleições.
Santos Pais explicou que a decisão do órgão foi a de pedir que o Estado espanhol suspendesse sua decisão, até que o Comitê tomasse uma decisão sobre o catalão. "Estava em causa seus direitos políticos", indicou.
No caso de Lula, nenhum pedido por enquanto foi recebido pela ONU no sentido de exigir medidas urgentes e que, apesar da decisão sobre o político catalão, cada caso teria de ser avaliado de forma independente.
"Em teoria, não poder participar de uma eleição poderia ser um dano irreparável", disse o perito Yuval Shany. "Nesse caso, pode-se exigir medidas provisórias", explicou. Mas ele ponderou. "Não podemos especular se Lula tomará essa decisão ou não. Mas, se enviar esse pedido por conta da eleição, teremos de examinar na base se haverá um dano irreparável", completou.
"Temos de examinar o risco real, se há um caso forte e se teremos de intervir para evitar uma violação aos direitos humanos", disse. Ele também insistiu que não é porque Sanches, na Catalunha, teve uma decisão favorável que o mesmo ocorreria com Lula.
Além de participação em eleições, um caso pode ser acelerado quando os danos irreparáveis de uma decisão sejam iminentes. Entre as situações que poderiam merecer um status de prioridade está a deportação da pessoa para um local onde correria risco de vida ou uma condenação de pena de morte.
Mas não é apenas o caso de Lula no Comitê que atrai a atenção da ONU. O jornal O Estado de S. Paulo apurou que chamou a atenção da entidade os ônibus atingidos por tiros enquanto integravam a caravana do ex-presidente Lula pelo Sul do País, na semana passada. O incidente, ainda que esteja sendo investigado, foi tratado internamente na ONU como um "sinal negativo" do clima de tensão no País.
O cenário ganhou ainda um novo elemento diante das palavras do comandante do Exército, general Eduardo Villas Boas, que soaram os alertas dentro da entidade.
Em rara manifestações política, pelo Twitter, Villas Boas disse que o Exército "julga compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz social e à Democracia". O general afirmou também que o Exército "se mantém atento às suas missões".
Fontes dentro da entidade indicaram à reportagem que a declaração de um militar sobre uma decisão da Justiça foi vista com "preocupação".