Rocinha: número de mortes aumenta em meio à pandemia (Stefano Figalo/Getty Images)
Agência O Globo
Publicado em 26 de abril de 2020 às 10h56.
O avanço da Covid-19 tem submetido famílias ao efeito mais cruel da pandemia: a morte sem atendimento médico. Em dez dias, dois moradores do Morro da Providência morreram em casa com sintomas da doença. O chef de cozinha José do Nascimento Félix, de 48 anos, faleceu em 12 de abril, um dia depois de ter alta da Coordenação Regional de Emergência (CER) do Centro. O entregador de quentinhas Maurício Rodrigues de Oliveira, de 64, sequer teve tempo de procurar uma unidade de saúde: foi encontrado por vizinhos, terça-feira, provavelmente dois dias após a morte. A Ozz Saúde, empresa que assumiu mês passado o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), fez a declaração dos óbitos. Mas não removeu os corpos, que permaneceram nas residências por mais de 30 horas.
Os casos de José e Maurício, que viviam sozinhos, expõem uma situação grave. Líderes comunitários denunciam o jogo de empurra para conseguir a remoção gratuita daqueles que estão morrendo em casa, após a pandemia. O Samu não faz o serviço, e, segundo representantes de favelas, as delegacias só estão emitindo guias para mortes violentas, que permitem acionar o rabecão.
— Antes, o rabecão levava o corpo e colocava numa geladeira, enquanto se resolvia o sepultamento. Agora, cheguei ao ponto de enrolar uma senhora morta num lençol e levá-la para a UPA (Unidade de Pronto-Atendimento). Uma ambulância transferiu o corpo — desabafa Wallace Pereira, presidente da Associação Pró-Melhoramentos dos Moradores da Rocinha. — Não podemos esquecer que há outras doenças. Com a Covid, o número de mortes na Rocinha cresceu. A remoção de um corpo custa R$ 800. Cadê as autoridades públicas?
Levantamento no Sistema de Informação de Mortalidade do Ministério da Saúde, feito pelo professor e pesquisador da Fiocruz Daniel Soranz em 383 óbitos por Covid-19, mostra que, no estado, 4,9% morreram em casa, e 2,8%, no município. Em UPAs, CERs e emergências, foram 24,4% dos óbitos no estado e 16,4% da capital. Nos hospitais, ocorreram 69,7% das mortes no estado e 80,8% no município.
— Com o aumento da pandemia não acompanhado pelo serviço público, a tendência é que mais gente morra em casa — lamenta Soranz.
Segundo a Secretaria estadual de Saúde, à qual o Samu passou a ser vinculado, entre 1º e 22 de abril a Ozz atendeu a 705 chamados relacionados a pacientes com suspeita de Covid-19 de 13.784 atendimentos. O órgão não informou quantos das 189 pessoas encontradas mortas tinham sintomas da Covid-19, alegando que só o Laboratório Central de Saúde Pública Noel Nutels pode constatar a doença.