Ministro Ricardo Lewandowski, do STF, derrubou a censura imposta ao jornal O Estado de S. Paulo (Luis Dantas/Wikimedia Commons)
Estadão Conteúdo
Publicado em 9 de novembro de 2018 às 09h43.
O ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), derrubou a censura imposta ao jornal O Estado de S. Paulo que estava proibido de publicar informações no âmbito da Operação Boi Barrica envolvendo o empresário Fernando Sarney, filho do ex-presidente José Sarney (MDB). A decisão do ministro foi divulgada depois de o jornal completar nesta quinta-feira, 8 3.327 dias sob censura por determinação do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT), que foi cassada agora por Lewandowski.
Em sua decisão, Lewandowski destacou que o plenário do Supremo garantiu em julgamento no ano de 2009 "a plena liberdade de imprensa como categoria jurídica proibitiva de qualquer tipo de censura prévia".
"Dessa forma, não há como se chegar a outra conclusão senão a de que o acórdão recorrido (do TJ do Distrito Federal e dos Territórios), ao censurar a imprensa, mitigando a garantia constitucional da liberdade de expressão, de modo a impedir a divulgação de informações, ainda que declaradas judicialmente como sigilosas e protegidas pelo ordenamento jurídico, viola o que foi decidido na ADPF 130/DF (julgamento de ação que derrubou a Lei de Imprensa, legislação do tempo da ditadura considerada inconstitucional pelo STF em 2009)", concluiu Lewandowski.
"Isso posto, julgo procedente o recurso extraordinário para cassar o acórdão que concedeu antecipação de tutela", determinou Lewandowski.
Para Manuel Alceu Affonso Ferreira, advogado do Grupo Estado, a decisão reafirma que "jornalismo investigativo não pode estar sujeito a censura alguma". "Finalmente, é uma decisão de mérito que afasta a possibilidade de censura, reafirmando uma linha que o Supremo vem adotando em muitos casos. Tinha muita confiança de que terminaria desta maneira", disse ele, que defendeu o jornal desde a primeira instância.
O processo chegou ao Supremo em setembro de 2014 e foi originalmente distribuído à ministra Cármen Lúcia. Em setembro de 2016, foi encaminhado ao gabinete de Lewandowski, depois de Cármen assumir a presidência da Corte. Após a troca de relatoria a Procuradoria-Geral da República (PGR) encaminhou parecer favorável ao Estado.
Em maio deste ano, Lewandowski negou seguimento ao recurso do Estado em decisão monocrática (individual) e determinou que todo o processo fosse enviado à 12.ª Vara Cível de Brasília para que julgasse o mérito da ação "como bem entender".
À época, Lewandowski não apreciou o mérito da questão e alegou que o instrumento legal usado na apelação (o recurso extraordinário) não era válido em casos de medidas cautelares como as liminares.
O jornal recorreu da decisão de Lewandowski e conseguiu - por 3 votos a 2 - manter o caso no Supremo, em julgamento no plenário virtual da Segunda Turma do STF, ocorrido de 31 de agosto a 6 de setembro de 2018.
Dos cinco ministros da Segunda Turma, três acolheram o pedido do jornal para que o processo fosse apreciado pelo Supremo: Edson Fachin, Gilmar Mendes e Celso de Mello. O ministro Dias Toffoli, por outro lado, acompanhou naquele julgamento o entendimento de Lewandowski - de que não cabe recurso extraordinário contra decisão liminar.
Com a maioria formada na Segunda Turma a favor do processamento do recurso do Estado na Corte Suprema, Lewandowski retomou a análise do processo e decidiu agora cassar a decisão do TJDFT.
A censura ao Estado diz respeito à publicação de gravações no âmbito da Operação Boi Barrica que sugerem ligações do então presidente do Senado, José Sarney, com a contratação de parentes e afilhados políticos por meio de atos secretos. Na época, advogados do empresário Fernando Sarney alegaram que o jornal feria a honra da família ao publicar trechos de conversas telefônicas gravadas na operação com autorização judicial.
No julgamento do plenário virtual da Segunda Turma do STF concluído há dois meses, o ministro Edson Fachin destacou que o Supremo proibiu "enfaticamente a censura de publicações jornalísticas, bem como tornou excepcional qualquer tipo de intervenção estatal na divulgação de notícias e de opiniões".
O decano do STF, ministro Celso de Mello, por sua vez, argumentou naquela ocasião que a "liberdade de manifestação do pensamento, que representa um dos fundamentos em que se apoia a própria noção de estado democrático de direito, não pode ser restringida pelo exercício ilegítimo da censura estatal, ainda que praticada em sede jurisdicional".
A Associação Nacional de Jornais (ANJ), a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e ex-presidentes do Supremo Tribunal Federal (STF) elogiaram, nesta quinta-feira, a decisão do ministro Ricardo Lewandowski que derrubou a censura imposta ao Estado. O jornal estava há mais de nove anos impedido de publicar reportagens com informações no âmbito da Operação Boi Barrica.
Para o diretor executivo da ANJ, Ricardo Pereira, é "surreal" que a censura ao jornal tenha durado tanto tempo. "Finalmente chegou ao fim essa censura absurda, em total desrespeito à Constituição. A ANJ espera que isso fique na história como um exemplo a nunca ser seguido porque isso desde o início estava evidente que era uma proibição que desrespeitava o princípio da liberdade de imprensa", comentou.
O presidente da Abraji, Daniel Bramatti, afirmou que se trata de um caso exemplar de desrespeito à liberdade de imprensa que não deve se repetir. "É lamentável que o Poder Judiciário tenha demorado tanto para se manifestar. Esperamos não ver novos exemplos de censura judicial, algo incompatível com os valores democráticos", disse Bramatti, que é jornalista do Grupo Estado.
Ex-ministros. Na avaliação do ex-presidente do Supremo Tribunal Federal Carlos Ayres Britto, toda decisão judicial que derruba uma censura à liberdade de imprensa "é de ser saudada como geminadamente constitucional-democrática". "Afinal, a liberdade de expressão é a maior expressão da liberdade. Materialmente, o maior dos direitos constitucionais. E a liberdade de expressão, quando veiculada por órgão de imprensa, sobe ao patamar de superdireito fundamental", disse Ayres Britto.
O ex-presidente do STF Carlos Velloso concorda. "Toda decisão em favor da liberdade, contra a censura, é saudável", afirmou.
Para o presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Claudio Lamachia, a decisão "é consonante com os princípios norteadores de nossa democracia e do Estado de Direito". "A liberdade de imprensa é assegurada pela Constituição para que a sociedade tenha acesso a informações qualificadas. Aos ocupantes do poder, cabe compreender que a crítica é parte fundamental do sistema democrático", disse o presidente da entidade. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.