Polícia: segundo dados do Instituto de Segurança Pública, foram 34 casos em junho deste ano, ante os 129 de maio (Ricardo Moraes/Reuters)
Agência O Globo
Publicado em 20 de julho de 2020 às 16h45.
Última atualização em 20 de julho de 2020 às 18h35.
No primeiro mês da determinação do Supremo Tribunal Federal (STF) que suspendeu as operações policiais em comunidades fluminenses durante a pandemia — permitidas apenas em casos excepcionais —, o Rio teve uma queda de 73% nas mortes cometidas por agentes de estado, que atingiram o menor patamar desde dezembro de 2015.
Segundo dados do Instituto de Segurança Pública (ISP), foram 34 casos em junho deste ano, ante os 129 de maio. Simultaneamente, durante a quarentena, também houve retração em outros dos principais índices de criminalidade, como os de homicídio doloso. O resultado, para especialistas, evidencia que a diminuição da letalidade policial não implica um aumento da violência.
"Os números de junho surpreenderam. Não imaginávamos uma redução nessa magnitude", afirma a cientista social Silvia Ramos, coordenadora do Observatório da Segurança RJ, do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (Cesec). "Isso mostra que a intervenção da Suprema Corte foi fundamental. Em abril e maio já vivíamos o isolamento social, mas o padrão de mortes por agentes do estado continuava alto. Para nós, a queda ocorreu devido à liminar do STF."
A especialista destaca que o mais prudente é aguardar os próximos meses para observar se a tendência será mantida. Ela, no entanto, vê com bons olhos o efeito inicial, já que os índices de criminalidade não aumentaram com a suspensão temporária das operações.
Na comparação de junho em relação a maio, o número de assassinatos, por exemplo, caiu 6% (de 273 para 256) e os roubos de cargas diminuíram 11% (de 455 para 404). Já os roubos de rua foram em direção contrária: cresceram 15%, passando de 3.814 em maio para 4.385 em junho — ainda assim bem abaixo dos 9.551 do mesmo mês de 2019.
A decisão do STF sobre as ações policiais tinha sido tomada em 5 de junho, pelo ministro Edson Fachin. Em seu voto, ele disse que a prioridade do governo na pandemia devia ser preservar as vidas e citou o assassinato, em maio, do menino João Pedro, de 14 anos, no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo. Dessa forma, as operações só podem ocorrer em situações específicas, com comunicação prévia ao Ministério Público do Rio.
Há duas semanas, o STF iniciou o julgamento de uma ação protocolada pela Defensoria Pública do Rio e pelo PSB para que a suspensão dure até o fim da pandemia. Outros dois ministros, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio Mello, seguiram o voto de Fachin, mas o julgamento foi interrompido pelo recesso do tribunal.
Apesar da liminar, algumas operações seguem acontecendo, segundo relatam moradores de comunidades como Borel, Providência, Vila Vintém, Salgueiro e Vila Kennedy. Silvia Ramos diz que o observatório monitora essas ocorrências e explica que, em muitos casos, há uma linha tênue entre o que é patrulhamento rotineiro e operação. Ainda assim, mesmo em operações realizadas em junho, ela acredita que houve um cuidado maior por parte dos policiais.
Integrante da Rede de Comunidades e Movimentos Contra Violência do Rio, Patrícia Oliveira é uma das que denunciam que, embora em menor quantidade, ainda são realizadas operações.
"Na pandemia, há mais pessoas e crianças em casa. Por isso é perigoso", diz Patrícia, moradora da Vila Vintém, em Padre Miguel.
Ignacio Cano, sociólogo do Laboratório de Análise da Violência da Uerj, acredita que o impacto da determinação do STF poderia ser ainda maior se, de fato, ações desse tipo tivessem sido interrompidas. Contudo, ele concorda que a queda em outros índices de violência enfraquece os argumentos dos que dizem que a letalidade policial é sinônimo de redução da criminalidade.
"Na visão simplista do governador (Wilson Witzel), matar acaba com crime. Há décadas sabemos que não é assim. Os dados do ISP podem ser complementados por um estudo recente do Ministério Público do Rio que mostrou que as áreas de batalhões com maior letalidade não tiveram redução de violência", destaca o pesquisador.
A Polícia Militar admite que a decisão do STF “pode ter influenciado para a queda das mortes por intervenção de agentes do estado", mas diz que que há “um incremento de disputas territoriais por grupos criminosos que têm ceifado vidas inocentes, além da expansão de barricadas em comunidades." Já sobre as ações após a liminar, afirma que todas cumpriram as "exigências legais e os protocolos técnicos, para preservar vidas de moradores e dos policiais.”
Já a Secretaria de Estado de Polícia Civil alega que houve “nítida expansão dos domínios do tráfico de drogas", citando a Cidade Alta e o Jacaré como exemplos. Para a pasta, a liminar cria “zonas de blindagem" aos criminosos e tem efeito em toda a sociedade, não só na letalidade policial, pois permitiria o “aumento da prática de outros crimes, como o comércio clandestino, dedicado ao contrabando e à violação da propriedade intelectual."