O empresário Ricardo Pessoa é peça central nas investigações dessa frente que mira contratos de plataformas, construção e afretamentos de navios (Tânia Rêgo/Agência Brasil)
Da Redação
Publicado em 26 de maio de 2015 às 10h40.
São Paulo e Curitiba - A força-tarefa da Operação Lava Jato vai manter a estratégia de uso dos mecanismos especiais de investigação - como escutas e delações premiadas, sempre com autorização judicial - e da necessidade de prisões preventivas para interromper na Petrobras a possível prática de crimes, como cartel, corrupção e lavagem de dinheiro, em apurações envolvendo contratos do bilionário mercado do pré-sal.
O empresário Ricardo Pessoa - o dono da UTC Engenharia, em processo de acordo de delação premiada com a Procuradoria Geral da República - é peça central nas investigações dessa frente que mira contratos de plataformas, construção e afretamentos de navios e sondas de perfuração para exploração de petróleo do pré-sal.
A Polícia Federal e o Ministério Público Federal, baseados em Curitiba, sede da Lava Jato, têm indícios de que o cartel de 16 empreiteiras que se organizou para afastar concorrência, combinando e vencendo contratos da Petrobras mediante pagamento de propinas de 1% a 3% a agentes públicos indicados por partidos tenha sido replicado no setor que concentra os investimentos hoje da estatal.
As suspeitas são que o grupo de empreiteiros cartelizados continuou a se reunir e atuar de maneira coordenada, com papel de liderança de Pessoa, até o final de 2014 e avançou sobre a área naval e de exploração de petróleo, em parceria com gigantes multinacionais do setor.
Delações do grupo de empreiteiros alvos da Lava Jato e grampos telefônicos feitos nos aparelhos usados pelo dono da UTC, às véspera de sua prisão - na sétima fase da Lava Jato, em 14 de novembro - reforçam as suspeitas.
O grampo telefônico, autorizado judicialmente, revela que dois dias antes de ser preso, Pessoa jantou na casa de um dos supostos operadores de propina do setor naval (área ligada ao pré-sal), Mário Frederico Góes, e discutiu parcerias internacionais para contratos de fornecimento de FPSOs (espécie de navios-plataformas) com grupo internacional.
Mário Góes, ex-presidente da Sociedade Brasileira de Engenharia Naval (Sobena), está preso em Curitiba. Ele foi apontado como carregador de "mochilas de dinheiro" para o ex-diretor de Serviços Renato Duque e seu ex-braço direito, Pedro Barusco, que era gerente de Engenharia da estatal e fez delação premiada para se livrar da prisão.
Novo mercado
Alvo da primeira fase da Lava Jato por suas obras de construção civil em refinarias da Petrobras, a UTC Engenharia tem interesses diretos no setor do pré-sal.
A UTC é uma das donas da Enseada Indústria Naval (EIN), junto com a japonesa Kawasaki e outras duas empresas do cartel desmascarado pela Lava Jato, a Odebrecht e a OAS.
Responsáveis pela obra Estaleiro Enseada do Paraguaçu (EEP), a unidade faz sondas de perfuração marítima para exploração de petróleo, no pré-sal.
O estaleiro foi um dos cinco que teria gerado pagamento de propina nos 29 contratos de construção de sondas para a Petrobras, no valor de US$ 25 bilhões, via empresa Sete Brasil S.A. - criada pela estatal em parceria com o setor privado.
Barusco, delator, foi diretor de Operações da Sete Brasil depois de deixar o cargo de gerente de Engenharia da Petrobras. Ele confessou que houve pagamento acertado de 1% de propina nos contratos de sonda com os estaleiros - depois reduzido para 0,9%.
Parte dos valores abasteceu os cofres do PT, agentes públicos e ex-diretores da Sete Brasil, segundo o delator.
Prisão
Ricardo Pessoa foi preso em novembro de 2014, dois dias depois da visita ao operador de propina Mário Góes. O Supremo Tribunal Federal autorizou sua transferência para prisão domiciliar no final de abril, monitorado por tornozeleira eletrônica. A Corte considerou seu afastamento da presidência do grupo e o tempo de reclusão determinantes para revisão da decisão do juiz da Lava Jato, Sérgio Moro.
A força-tarefa da Lava Jato não acena agora com a possibilidade de novas prisões no âmbito do pré-sal. Mas juristas ouvidos pela reportagem acreditam que nem o acordo de delação fechado por Pessoa com a Procuradoria-Geral da República, nem a decisão do Supremo de revogar os decretos de prisão preventiva dos empreiteiros, concedendo-lhes a domiciliar, afastam a possibilidade de novas prisões ocorrerem diante de novos fatos.
Os investigadores trabalham com a hipótese que, mesmo de casa - onde cumprem prisão domiciliar monitorado por tornozeleira eletrônica - empreiteiros possam influir nos negócios.
Em parecer encaminhado ao STF, no qual foi contrário à revogação de prisão de Pessoa, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, sustentou que a liberdade do dono da UTC era um 'risco à ordem pública'.
"Não há como assegurar que seu afastamento irá realmente impedir que continuam as mesmas práticas delitivas, arraigadas na 'cultura' e como elemento próprio da forma de atuar da empresa."
O juiz federal Sérgio Moro, que mandou Pessoa para a cadeia em novembro e o julgará nos processos em primeiro grau, registrou no fim de abril em documento enviado ao STF que o afastamento da presidência da UTC, por si, não tira o papel do empreiteiro de controlador do grupo.
"Ele é o acionista majoritário, com poder de controle sobre a empresa, quer se afastando ou não formalmente da gestão. É pouco crível que, mesmo se afastando formalmente da gestão, não continue como acionista majoritário e controlador a definir as ações estratégicas da empresa."
Liderança
O próprio STF, que revogou a preventiva de Pessoa e outros executivos em decorrência do prazo prolongado, já teve posição distinta em caso similar, no passado.
Ozair Silva Proto, ex-chefe da agência do INSS em Confresa (MT) foi preso em 2009, pela Polícia Federal, junto com sua mulher, Neyrami, e outros 13 pessoas, dentro da Operação Publicanos.
Eles foram acusados por um esquema que fraudou pelo menos 30 benefícios previdenciários que provocaram um prejuízo de R$ 2,2 milhões.
Apontado como líder do esquema, Proto - ex-chefe da agência do INSS - foi denunciado pelo Ministério Público Federal e permaneceu preso até o julgamento, no dia 17 de dezembro de 2013.
Os envolvidos foram acusados por crimes como estelionato, corrupção passiva, formação de quadrilha e lavagem de dinheiro.
No STF a Defensoria Pública o representou, em 2013. Proto buscou a Corte com pedido de habeas corpus atacando a necessidade de manutenção da prisão preventiva, antes de sua condenação final.
A prisão preventiva de Proto foi mantida por unanimidade, sob relatoria do ministro Teori Zavascki e com abstenção do ministro Gilmar Mendes.
O argumento foi a necessidade da preventiva para garantir a ordem pública, diante da periculosidade do agente, que era o líder do grupo especializado em fraudar o INSS, e pelo risco de reiteração delitiva.