Vingadores - A Cruzada das Crianças: prefeito do Rio pediu para recolher livros da Bienal (Marvel Commics/Reprodução)
Estadão Conteúdo
Publicado em 7 de setembro de 2019 às 16h44.
Última atualização em 7 de setembro de 2019 às 17h04.
O presidente do Tribunal de Justiça do Rio (TJ-RJ), Cláudio de Mello Tavares, suspendeu a decisão que barrou apreensões da gestão Marcelo Crivella (PRB) contra obras de temática LGBTQ. A decisão de Tavares suspende liminar que havia sido concedida pelo desembargador Heleno Ribeiro Pereira Nunes, que acolheu pedido do Sindicato Nacional dos Editores de Livros, contra ação de fiscais da Prefeitura, que, sob vaias, estiveram nesta sexta-feira, 6, na Bienal do Rio para checar a forma com a qual o livro era comercializado.
O prefeito Marcelo Crivella (PRB) havia criticado a novela gráfica (história em quadrinhos) Vingadores - A Cruzada das Crianças, da Marvel Comics. Na obra, que foi lançada em 2010 e não é destinada ao público infantil, os personagens Wiccano e Hulkling são namorados. O prefeito evocou o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que prevê lacre em obras impróprias para o público infantil.
A Comissão de Direitos da Criança e do Adolescente da OAB, Suzana do Monte Moreira, por outro lado, alerta que a determinação do estatuto só se aplica a casos em que há imagens de nudez ou sexo explícito. No caso do livro da Marvel, há somente uma imagem dentro do livro de um beijo entre dois homens inteiramente vestidos, não na capa.
Ao decidir, o presidente do TJ afirmou que o Estatuto da Criança e do Adolescente prevê o "controle das publicações vocacionadas à circulação entre o público infanto-juvenil". "Vê-se que o legislador não proíbe, de forma absoluta, a circulação de material impróprio ou inadequado para crianças e adolescentes, mas tão somente exige comprometimento com o dever de advertência para além de dificultar acesso ao seu interior, por meio do lacre da embalagem (art. 78)".
"Posteriormente, ao tratar, especificamente, de publicações voltadas para o público protegido pelo Estatuto, que constitui coletividade vulnerável, repele qualquer conteúdo afrontoso a valores éticos, morais ou agressivos à pessoa ou à família", anota.
"É inegável que os relacionamentos homoafetivos vem recebendo amparo pela jurisprudência pátria, notadamente dos tribunais de cúpula, o que corroboraria o afastamento da vedação do art. 79, ao menos em parte", avalia o presidente do TJ.
No entanto, Tavares anota que "o conteúdo objeto da demanda mandamental, não sendo corriqueiro e não se encontrando no campo semântico e temático próprio da publicação (livro de quadrinhos de super-heróis que desperta notório interesse em enorme parcela das crianças e jovens, sem relação direta ou esperada com matérias atinentes à sexualidade), desperta a obrigação qualificada de advertência, nos moldes pretendidos pelo legislador".
"Nesse sentido, a notificação realizada pela Administração Municipal visou, a priori, o interesse público, em especial a proteção da criança e do adolescente, no exercício do poder-dever de fiscalização e impedimento ao comércio de material inadequado, potencialmente indutor e possivelmente nocivo à criança e ao adolescente, sem a necessária advertência ao possível leitor ou à família diretamente responsável", diz.
Segundo o desembargador, "não houve impedimento ou embaraço à liberdade de expressão, porquanto, em se tratando de obra de super heróis, atrativa ao público infanto juvenil, que aborda o tema da homossexualidade, é mister que os pais sejam devidamente alertados, com a finalidade de acessarem previamente informações a respeito do teor das publicações disponíveis no livre comércio antes de decidirem se aquele texto se adequa (sic) ou não à sua visão de como educar seus filhos'. (sic)
"Tal solução está, assinale-se, prevista em regra específica constante no diploma legal (art. 78 do ECA), sendo de direta aplicabilidade, sem necessidade de discussões calcadas em princípios, dotados de alto grau de abstração. Assim, é possível vislumbrar a plausibilidade das alegações daquele que pleiteia a suspensão - o risco de lesão à ordem pública", escreveu.
Tavares diz que estão "configurados o manifesto interesse público e a grave lesão à ordem pública que a decisão judicial impugnada está a causar, há de ser deferido o pedido de suspensão".
"Frise-se que não está a presidência antecipando entendimento a ser adotado no julgamento do recurso que porventura venha a ser interposto, nem emitindo juízo de valor a respeito da solução encontrada para o conflito. Os contornos da medida já foram delineados nas linhas acima, o que se pretende , nesta restrita via, é tão somente evitar riscos de lesão à ordem pública, o que ficou suficientemente demonstrado", concluiu.
O Sindicato Nacional dos Editores de Livros acionou a Justiça sob a alegação de que a Bienal do Rio é um evento cultural relevante, que expõe alguns livros que "espelham os novos hábitos sociais, sendo certo que o atual conceito de família, na ótica do Supremo Tribunal Federal, contempla várias formas de convivência humana e formação de células sociais".
Também alegou que a fiscalização do município do Rio reflete ofensa à liberdade de expressão constitucionalmente assegurada.
No início da tarde desta sexta-feira, fiscais da prefeitura estiveram na Bienal do Rio, para checar de que forma o livro estava sendo comercializado. Sob vaias de parte do público, os fiscais percorreram vários estandes, mas não encontraram nenhum exemplar.
Na véspera, Crivella havia criticado a obra. A prefeitura alega que não se trata de homofobia, mas sim do respeito ao Estatuto da Criança e do Adolescente, que recomenda que "publicações com cenas impróprias a crianças e adolescentes sejam comercializadas com lacre".