Trem da CPTM, em São Paulo: denúncia fala em fraudes na licitação e em um aditivo de R$ 13 milhões quando a obra já estava em andamento. (Marcos Santos/USP Imagens)
Da Redação
Publicado em 29 de março de 2016 às 11h52.
São Paulo - A Justiça de São Paulo aceitou a denúncia contra sete executivos acusados de cartel e fraude à licitação de 2009, durante o governo José Serra (PSDB) em São Paulo, para a criação de uma Parceria Público Privada (PPP) no setor metroferroviário paulista.
A parceria, no valor total de R$ 1,8 bilhão, contempla a aquisição de 288 carros novos para a frota da linha 8 - Diamante da CPTM, além da responsabilidade de realizar por 20 anos a manutenção preventiva, corretiva e revisão geral da frota.
Para a juíza Roseane Cristina de Aguiar Almeida, da 28ª Vara Criminal da capital, responsável pelo caso, há indícios de que os cinco executivos da Alstom e dois da CAF denunciados pelo Grupo de Atuação Especial de Combate a Delitos Econômicos (Gedec) do Ministério Público de São Paulo cometeram crimes.
Diante disso, a magistrada aceitou a 8ª denúncia contra empresários acusados de participar do cartel em São Paulo e deu o prazo de dez dias para que os réus respondam às acusações e indiquem testemunhas.
A denúncia tem por base as investigações do Ministério Público de São Paulo e o acordo de leniência da multinacional alemã Siemens com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) em 2013.
Nesta licitação, apenas o Consórcio Paulista, formado pelas empresas CAF - Brasil Indústria e Comércio S.A., CAF S.A. - Construcciones Y Auxiliar de Ferrocarriles S.A. e ICF - Inversiones en Concesiones Ferroviarias S.A.,ofereceu proposta para assumir a PPP e foi a vencedora do certame.
Ainda assim, segundo a denúncia, houve crime financeiro e crime contra a administração pública, pois executivos da Alstom, CAF, Bombardier, Siemens, MGE, Mitsui e Tejofran teriam discutido estratégias para dividir o certame e até fazer parcerias.
Na acusação são listadas dez trocas de e-mails entre executivos da Alstom com referência às reuniões com representantes de outras empresas e também com a indicação de que eles não chegaram a um "acordo global" sobre como seria dividido o contrato entre as empresas.
Diante disso, a denúncia aponta que a CAF já sabia que as outras empresas não iriam apresentar proposta para a licitação, o que configurou uma "competição sem competidores".
"Exatamente pelo teor das conversas (a CAF) teve a certeza da não participação de outras empresas na 'concorrência' e ofereceu o preço que bem entendeu - seguramente muito acima daquele que resultaria de ambiente competitivo, já que não encontraria qualquer resistência", assinala a denúncia.
Chamou a atenção do Gedec o fato de que o preço oferecido pelo consórcio formado pela CAF ser apenas 0,0099% abaixo do valor de referência estabelecido pela CPTM na licitação.
Além disso, dentre as trocas de e-mails que indicam as tratativas entre empresas concorrentes, uma mensagem de Cesar Ponce de Leon, de 19 de setembro de 2009, mostra a preocupação do grupo em explicar para a CPTM o porquê de apenas uma oferta, caso todas as empresas decidissem dividir o projeto.
"A solução de se juntarem todos, tem para mim o problema de que teremos que explicar ao cliente que só haverá uma oferta (pode-se justificar pelo problema de capital, dos prazos de entrega etc.). Além do mais, se os trens novos são para nós e para a CAF, acho difícil que Bombardier e Siemens o aceitem. A segunda solução (CAF e nós, + MGE mais financeiro) me parece mais viável", afirmou o executivo para seus colegas de empresa.
Em seguida, ele ainda sugere que não haveria competição se uma das empresas não participasse. "Mas haverá competição, a não ser que a Siemens 'jogue a toalha"".
Apesar de indicar a participação de executivos de outras empresas na denúncia, o Ministério Público afirma que não encontrou provas suficientes para enquadrá-los nos crimes.
Além da licitação com proposta única e dos e-mails indicando a estratégia conjunta das empresas, chamou a atenção do Ministério Público o fato de o governo do Estado de São Paulo ter assinado, já em fevereiro de 2015 no segundo mandato do governo Geraldo Alckmin, um aditivo de R$ 13,3 milhões, "praticamente equivalente àquele valor da diferença entre o valor de referência (da CPTM e o valor proposta (da CAF)".
A justificativa do aditivo era a instalação de equipamentos de bordo de Controle de Tráfego Automático em 36 novos trens fornecidos, o que não estava previsto no contrato inicial.
Apesar da referência, a denúncia não acusa nenhum funcionário público, nem as estatais e nem o governo de São Paulo, de irregularidades.
Na ocasião da denúncia, a Alstom e a CAF informaram que estão colaborando com as autoridades brasileiras.