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Da Redação
Publicado em 26 de outubro de 2012 às 21h23.
Brasília - O maior julgamento do STF, que condenou por corrupção o círculo político do ex-presidente Lula, abriu um precedente que poderá desencadear uma primavera anticorrupção, em um país onde a impunidade é comum, indicaram analistas e juristas.
O julgamento "transmite uma mensagem extremamente positiva de luta contra a corrupção, porque a impressão que se tinha era de que para (se condenar) altos cargos políticos os tribunais exigiam provas quase impossíveis (de conseguir) e não havia condenação", disse à AFP a professora de Direito da Fundação Getúlio Vargas, Tânia Rangel.
O complicado julgamento, iniciado em 2 de agosto no Supremo Tribunal Federal, condenou 25 políticos, entre deputados e lideranças históricas do Partido dos Trabalhadores, além de empresários, pelo esquema ilegal de compra de apoio político de partidos aliados do governo no Parlamento.
O escândalo conhecido como "Mensalão" fez tremer em 2005 o governo de Lula e desmembrou o PT. Apesar de tudo, assim como Dilma Rousseff, o ex-presidente conseguiu se manter fora do caso e foi reeleito em 2006, deixando o poder em 2010 com uma popularidade recorde de mais de 80%.
O julgamento continua no STF com a decisão das sentenças dos 25 condenados, que devem ser rigorosas. A grande maioria será definida nas próximas semanas.
Os principais acusados são o ex-chefe de gabinete José Dirceu, braço direito de Lula desde que chegou ao poder em 2003 até o escândalo em 2005, e o presidente do PT na época, José Genoino.
Dirceu e Genoino, ambos ex-guerrilheiros que combateram a ditadura militar (1964-1985), foram fundamentais na criação do partido que chegou ao poder no Brasil agitando a bandeira da ética, mas acabaram cometendo as mesmas práticas tradicionais da política brasileira.
Os brasileiros não estão acostumados com seus políticos na cadeia. O STF, que tem a autoridade para julgar ministros, parlamentares e o presidente, condenou apenas seis políticos importantes desde a aprovação da Constituição de 1988, sendo que o primeiro deles foi em 2010 e nenhum foi parar na prisão.
Algumas coisas mudaram nos últimos anos: acaba de entrar em vigor a lei da Ficha Limpa, que partiu de uma iniciativa popular e que impede a eleição de políticos condenados pela justiça ou cujos mandatos foram revogados, e multiplicaram-se as iniciativas por uma transparência maior na administração pública.
Desde que assumiu o cargo em 2011, a presidente Dilma Rousseff, também do PT, destituiu sete ministros acusados de corrupção, o que foi interpretado como uma intolerância maior às práticas ilegais.
Mas as mudanças "são muito lentas", lamentou Cláudio Abramo, diretor da ONG Transparência Brasil, para quem o país precisa de mais regulação, fiscalização e atacar diretamente práticas institucionalizadas, como a da distribuição de cargos de confiança para aliados "em troca de apoio e para que não exista controle".
O julgamento na Suprema Corte criou um precedente jurídico: simplificou a condenação por corrupção, que anteriormente era quase impossível, ao estabelecer que, se for provado que um político recebeu benefícios indevidos, entende-se que houve suborno para que esses benefícios fossem retribuídos com outros favores, sem a necessidade de provar a existência de tais favores.
Para Abramo, este julgamento terá um impacto real se influenciar outras decisões, ou seja, se provocar uma "primavera de condenações na justiça".
"O julgamento é uma mensagem de efeito a médio e longo prazo, se os partidos políticos perceberem que a impunidade já não é uma certeza", disse à AFP o cientista político Everaldo Moraes.
O juiz do caso, Joaquim Barbosa, implacável nas condenações, tem cativado as redes sociais, onde é apresentado como um Batman na luta contra a corrupção. As máscaras com seu rosto já se tornaram um hit para o próximo carnaval.
Na prática política, o julgamento pareceu afetar muito pouco as eleições municipais de 7 de outubro, nas quais o PT cresceu 14% e permaneceu como terceira força política. Um segundo turno está previsto em 50 cidades para domingo, entre elas a maior do país, São Paulo, onde o candidato do partido à Prefeitura, Fernando Haddad, é o favorito das pesquisas de intenção de voto à frente do ex-governador do estado José Serra.
"É difícil e muito cedo para medir o impacto do julgamento nas eleições municipais ou presidencial de 2014 (quando o PT deve procurar levar Dilma Rousseff novamente à presidência), mas eu entendo que o PT, que governa há nove anos, pode crescer ainda mais e se tornar a primeira força", disse Moraes.
O STF vai julgar um outro caso muito parecido envolvendo o grande adversário do PT, o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), no financiamento de uma campanha regional em 1998, que utilizou as mesmas instituições bancárias e empresas publicitárias que o "Mensalão".