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Juiz reconhece que havia tortura de presos políticos

Nelson da Silva Machado Guimarães reconheceu nesta quinta-feira que havia tortura sistemática de presos políticos no DOI-Codi de São Paulo


	Estudantes simulam o pau de arara, método de tortura, durante protesto contra a impunidade dos crimes da ditadura militar
 (Antonio Cruz/ABr/Wikimedia Commons)

Estudantes simulam o pau de arara, método de tortura, durante protesto contra a impunidade dos crimes da ditadura militar (Antonio Cruz/ABr/Wikimedia Commons)

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Da Redação

Publicado em 31 de julho de 2014 às 21h04.

Rio de Janeiro - Em depoimento à Comissão Nacional da Verdade (CNV), o juiz aposentado Nelson da Silva Machado Guimarães, que atuou na 2ª auditoria da Justiça Militar Federal de São Paulo a partir de 1969, reconheceu nesta quinta-feira que havia tortura sistemática de presos políticos no DOI-Codi de São Paulo.

Guimarães relatou que teve conhecimento de casos de tortura em dependências militares e policiais durante a ditadura, mas em várias ocasiões não pediu que os crimes fossem investigados porque, segundo afirmou, isso "era inútil e iria favorecer os guerrilheiros treinados fora do Brasil".

"Todos sabem que havia tortura (durante a ditadura militar), como há tortura hoje no Brasil. Só que não são mais os filhos do patriciado. São os pobrezinhos, os bandidos, sim, mas que não tiveram educação, não tiveram nem família", disse o juiz aposentado em entrevista após o depoimento, realizado na sede do Arquivo Nacional, no centro do Rio.

Sentado ao lado da mulher, Guimarães tentou justificar sua omissão em relação aos crimes cometidos por agentes do Estado afirmando que "na guerra se mata e se tortura nos dois lados".

"A estupidez de um extremismo acaba gerando, naqueles que deveriam se opor a essa estupidez de maneira legal, um outro tipo de estupidez."

Ele disse aos integrantes da CNV que chegou a encaminhar ofícios ao Comando do Exército solicitando a abertura de inquérito para apurar denúncias de tortura no DOI-Codi e citou o caso específico do ex-ministro Paulo Vannuchi.

Mas relatou saber que esses pedidos, "por razões óbvias", naquela situação, não dariam em nada.

"Na vida pública, vocês sabem, temos que engolir alguns sapos." Guimarães citou a "teoria da proporcionalidade" para justificar suas decisões numa situação de "choque de valores" em que, segundo afirmou, "um dos lados deve ser preservado, tendo em vista um bem maior".

Visita

Ele confirmou ter visitado Frei Tito em um hospital militar, após ele ter sido levado para o DOI-Codi. "Estava deitado e despido, com evidentes marcas de pau de arara nas mãos e nos tornozelos.

Eu disse que tomaria as providências que estivessem ao meu alcance e procurei o general no dia seguinte. Primeiro ele negou. Eu disse o que tinha visto. Então ele afirmou que tinha sido a polícia", relatou Guimarães à CNV.

"Pedi que isso não se repetisse com presos da Justiça Militar e me pareceu que nada mais eu podia fazer."

O juiz aposentado terminou seu depoimento afirmando que tomou na ocasião "as medidas que eram mais justas, embora não fossem as ideais".

Durante a audiência, foi apresentado depoimento gravado da advogada Eny Moreira, integrante da Comissão da Verdade do Rio.

Ela citou decisão do então juiz, que autorizou a retirada de dois presos políticos da Casa de Detenção, onde faziam greve de fome, para o DOI-Codi, onde foram torturados. Os presos eram Vannuchi e Paulo de Tarso Venceslau.

Apesar dos ferimentos aparentes e evidentes em Vannuchi, que mal podia andar em virtude de torturas no saco escrotal, o juiz não autorizou o retorno deles à penitenciária, afirmou Eny.

Guimarães também viu no telão o depoimento do jornalista Arthur Scavone, ex-preso político, que afirmou ter visto o magistrado no DOI-Codi de São Paulo.

Sobre um dos casos relatados na audiência, o de Madre Maurina, Guimarães declarou: "Ela me contou que sofreu choques nas pontas dos dedos. Isso não é uma coisa gravíssima. Gravíssimo é morrer ou ser todo quebrado. Isso (choques) é apenas a estupidez humana."

Contradição

Rosa Cardoso, integrante da CNV, apontou uma contradição no depoimento do juiz.

"Ele disse que não tomou providências na maior parte dos casos porque era inútil, elas não seriam cumpridas. Mas termina dizendo que a Justiça Militar era independente, ou seja, que não funcionava como instrumento do sistema repressivo."

Rosa diz que houve prevaricação.

"Um juiz é obrigado a denunciar os crimes de que tem notícia. Ele atuava ilegalmente porque prevaricava, deixando de tomar as providências devidas, e, de outro lado, ampliando a política de desaparecimento e de ocultação de cadáveres."

José Carlos Dias, outro integrante da comissão, lembrou que até hoje as Forças Armadas continuam negando a existência de tortura em suas dependências, como ocorreu recentemente em resposta às sindicâncias solicitadas pela CNV.

"O depoimento do juiz desmente a resposta das Forças Armadas."

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