O ex-presidente Jair Bolsonaro terá de devolver joias recebidas durante o mandato (EVARISTO SA/AFP/Getty Images)
Redação Exame
Publicado em 15 de março de 2023 às 17h40.
O Tribunal de Contas da União (TCU) vai dar um prazo de até cinco dias para que o ex-presidente Jair Bolsonaro devolva o segundo jogo de joias que recebeu do regime da Arábia Saudita. O conjunto, que reúne peças em ouro como relógio, caneta e abotoaduras, está guardado em um local privado de Bolsonaro, no Brasil.
Segundo apurou o Estadão, o TCU vai solicitar a entrega de um fuzil e uma pistola que Bolsonaro recebeu de presente em 2019, dos Emirados Árabes. Além disso, o tribunal vai solicitar uma inspeção detalhada de todos os itens que Bolsonaro recebeu em seus quatro anos de governo. Aquilo que não for considerado como presente "personalíssimos" terá de ser integrado ao patrimônio da União, e não poderá ficar com Bolsonaro.
A corte de contas vai propor que os bens sejam encaminhados para a Secretaria Geral da Presidência da República, que fica dentro do Palácio do Planalto, e não sob a sua guarda.
Outra medida que será proposta é que, em todo fim de governo, nos últimos dois meses que antecedam cada mandato, seja feito um pente-fino daquilo que pode ou não ser incorporado como bem pessoal e presente para o presidente.
Conforme revelou o Estadão, a comitiva do governo Jair Bolsonaro tentou entrar no Brasil com duas caixas de joias de forma ilegal e sem declarar à Receita Federal. Uma caixa foi avaliada em cerca de R$ 400 mil, com relógio com pulseira em couro, par de abotoaduras, caneta rosa gold, anel e um masbaha (uma espécie de rosário islâmico) rose gold, todos da marca suíça Chopard.
O conjunto de diamantes bem mais valioso, estimado em cerca de R$ 16,5 milhões e que seria levado para a então primeira-dama Michelle Bolsonaro, inclui colar, anel, relógio e um par de brincos de diamantes. Este acabou retido pelos auditores da Receita, em 26 de outubro de 2021.
A comitiva do governo, que era liderada pelo então ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, tentou entrou no Brasil sem declarar os bens, o que é ilegal. Ao serem abordados pelos fiscais da Receita, em Guarulhos, que já tinham reunido informações que levantavam suspeitas, descobriu-se que carregavam as joias milionárias.
A posse do conjunto de diamantes estava na bagagem do assessor Marcos André Soeiro, que foi parado pelos fiscais. Já Bento Albuquerque, estava com o segundo pacote de peças em ouro, passou pela alfândega e não foi abordado. Ele retornou ao local de inspeção mesmo após ter saído da área, disse que era um presente para Michelle Bolsonaro e tentou liberar o item, mas não conseguiu. Nas cerca de duas horas que ali permaneceram, os integrantes da comitiva entraram em contato, ainda, com a chefia da Receita Federal, para tentar reaver o item apreendido, mas não tiveram êxito.
Desde 2016, uma regra determinada pelo TCU impõe que presidentes só podem ficar itens recebidos se estes forem considerados "bens personalíssimos". São itens como camisetas e perfumes, por exemplo. O TCU veda expressamente presentes como os que foram enviados ao casal Bolsonaro.
Quando o Estadão revelou o escândalo das joias, a primeira atitude de Bolsonaro e de Michelle foi dizer que não tinham conhecimento dos presentes e insultar a imprensa.
Nos dias seguintes, com as novas revelações e detalhamentos sobre o caso, Bolsonaro admitiu que recebeu um segundo pacote e que o guardou em seu poder, tendo incluído o item nos sistemas oficiais do Palácio do Planalto como item pessoal.
Houve ainda a tentativa determinada pelo próprio Bolsonaro de não apenas tentar retirar as joias apreendidas dos cofres da alfândega, em Guarulhos, como ainda inserir os dados desse jogo de diamantes dentro desse mesmo sistema, como item pessoal, mesmo sem ter as joias em suas mãos. Como a tentativa - que mobilizou até mesmo um voo da Força Aérea Brasileira - se mostraria fracassada, foi solicitada a exclusão dos dados do sistema. Essas informações já foram confirmadas e repassadas à Polícia Federal.
As investigações sobre o caso já envolvem, além da PF, outras frentes de apuração que são realizadas pelo Ministério Público Federal em Guarulhos, Controladoria Geral da União, Receita Federal e Comissão de Ética da Presidência da República.
O conjunto com colar, anel, relógio e um par de brincos de diamante estava na mochila de um assessor do então ministro Bento Albuquerque. A Receita apreendeu as peças, que não haviam sido declaradas, no aeroporto de Guarulhos, em 26 de outubro de 2021.
Ao saber da apreensão, o ministro de Minas e Energia retornou à área da alfândega e tentou retirar os itens, informando que era um presente da família real saudita para a primeira-dama Michelle. Ele não aceitou a opção dada pela Receita de tratá-las como propriedade do Estado brasileiro.
Em 28 de outubro o gabinete do Ministério de Minas e Energia (MME) enviou ofício ao responsável pela documentação do acervo da Presidência solicitando que fosse dado às joias "o destino legal adequado".
Em resposta, o Gabinete de Documentação Histórica solicitou o envio das joias para análise quanto à incorporação ao acervo privado ou público.
Em 3 de novembro, o Ministério das Relações Exteriores pediu a liberação das peças.
No mesmo dia, o gabinete de Albuquerque reforça a pressão.
Em correspondência datada de 22 de novembro de 2021, enviada ao príncipe da Arábia Saudita Abudulaziz bin Salman Al Saud, Albuquerque omitiu a apreensão das joias. O ministro afirma que os presentes recebidos do regime saudita foram incorporados ao acervo brasileiro "de acordo com a legislação nacional e o código de conduta da administração pública”.
Um segundo conjunto de joias, contendo um relógio, uma caneta, um par de abotoaduras, um anel e um tipo de rosário, trazido ilegalmente para o país na mesma leva foi entregue à Presidência em 29 de novembro de 2022 pelo assessor especial do MME Antônio Carlos Ramos de Barros Mello. Eles estavam sob a guarda da pasta, segundo ele. Essas peças foram trazidas na bagagem pessoal de Albuquerque.
Um recibo mostra que Bolsonaro recebeu pessoalmente o segundo pacote de joias no Palácio da Alvorada. O documento foi assinado pelo funcionário Rodrigo Carlos do Santos às 15h50min do próprio dia 29 de novembro de 2022. Um dos tópicos do formulário questiona se o item foi visualizado pelo presidente. A resposta: “Sim”.
No dia 28 de dezembro de 2022, às vésperas do fim do mandato de Bolsonaro, o então secretário da Receita, Julio Cesar Viera Gomes, enviou ofício para a alfândega do aeroporto em São Paulo pedindo a liberação das joias.
No mesmo dia, a Ajudância de Ordens da Presidência, que era chefiada pelo tenente-coronel Mauro Cid, homem de confiança de Bolsonaro, envia ofício à Receita solicitando as joias.
Em 29 de dezembro de 2022,o primeiro-sargento da Marinha Jairo Moreira da Silva foi enviado a Guarulhos em voo da FAB para tentar recuperar as joias. A justificativa que consta no Portal da Transparência diz que o militar faria a viagem “atendendo a demanda recebida do chefe da Ajudância de Ordens do presidente da República”.
Assessor de Bento Albuquerque, trouxe as joias recebidas na Arábia Saudita dentro de uma mochila. Ao passar pela alfândega, o assessor informou não ter nada a declarar. As peças foram encontradas e apreendidas pela Receita durante o raio X feito pela fiscalização de rotina entre os passageiros do voo 773, da Arábia Saudita para Guarulhos. Além das joias, dentro da mochila havia um certificado de autenticidade da marca Chopard. A cena foi registrada pelas câmeras de segurança do local.
Em 2021, era o ministro das Minas e Energia do governo Bolsonaro. As joias ganhas foram encontradas na mochila de seu assessor. Ao saber que as peças haviam sido apreendidas pela Receita, Albuquerque retornou à área da alfândega e tentou, ele próprio, retirar os itens, informando que se trataria de um presente pessoal para Michelle. Em carta enviada ao príncipe da Arábia Saudita, ele omitiu a apreensão das joias. Como O GLOBO mostrou, a Receita Federal irá intimar Albuquerque para ele dar explicações sobre a entrada do pacote.
Militar e ex-chefe de gabinete de Bento Albuquerque, foi um dos primeiros servidores a empenhar esforços para tentar reaver as joias. Em 3 de novembro de 2021, dias depois da apreensão do conjunto de diamantes, enviou ofício à Receita Federal dizendo que Bento Albuquerque esteve em Riad para o lançamento da Iniciativa Oriente Médio Verde e que, na ocasião, “foram oferecidos, por autoridades estrangeiras, alguns presentes à representação brasileira”.
Junior disse que, uma vez que o ministro não poderia recusar ou devolver os presentes, “se faz necessário e imprescindível que seja dado ao acervo o destino legal adequado”. No fim do mandato de Bolsonaro, ele foi indicado para cargos em empresas estatais.
Homem de confiança do ex-presidente Jair Bolsonaro, o coronel Mauro Cid foi quem pediu um avião da Força Aérea Brasileira (FAB) com urgência para que Jairo Moreira da Silva pudesse buscar as joias apreendidas.
No dia 28 de dezembro de 2022, o próprio presidente enviou um ofício à Receita comunicando a viagem do subalterno e cobrando a devolução das joias.
Chefe da Ajudância de Ordens do presidente, o sargento da Marinha seguiu para Guarulhos em 29 de dezembro de 2022 para "atender demandas" de Bolsonaro, conforme consta na solicitação de voo da FAB. Foi a última tentativa de reaver as joias.
"Não pode ter nada do (governo) antigo para o próximo, tem que tirar tudo e levar", argumentou o funcionário ao tentar convencer os fiscais alfandegários, conforme consta em relatos colhidos pelo jornal. Bolsonaro viajou para os Estados Unidos no dia seguinte e não retornou ao Brasil.
A segunda caixa de joias entregue pelo governo da Arábia Saudita a Bolsonaro ficou guardada no cofre da pasta por mais de um ano, até chegar ao acervo da Presidência, de acordo com assessores de Bento Albuquerque.
A pasta, via Itamaraty, pediu a Receita que tomasse as "providências necessárias para liberação dos bens retidos" em Guarulhos. A Receita retrucou que só seria possível fazer a retirada mediante os procedimentos de praxe nestes casos, com quitação da multa e do imposto devidos.
O próprio comando do órgão entrou em campo para liberar o material, segundo o jornal "O Estado de S.Paulo", mas os servidores do órgão mantiveram a decisão e fizeram valer a lei.
(Com informações do Estadão Conteúdo e O Globo)