João Campos, prefeito reeleito de Recife: "Vejo a rede social não só como um instrumento de comunicar, mas como um instrumento de transparência, para falar e mostrar o que está sendo feito, mas, também, para ouvir a reivindicação daquilo que tem que melhorar" (Prefeitura do Recife/Divulgação)
Editor de Negócios e Carreira
Publicado em 1 de dezembro de 2024 às 08h01.
Última atualização em 1 de dezembro de 2024 às 10h18.
NOVA YORK (ESTADOS UNIDOS)* — Em meio a uma gestão marcada pela alta popularidade, o prefeito de Recife João Campos (PSB) consolidou-se em 2024 como uma das principais lideranças mais à esquerda do espectro político brasileiro.
Reeleito em 2024 com 78% dos votos no segundo turno, um recorde histórico na cidade, João Campos superou adversários com forte apoio de estruturas políticas locais.
Para ele, a vitória foi resultado de uma combinação de uma comunicação eficiente com a população, inclusive com uso maciço das redes sociais — apenas no Instagram, ele tem mais de 3 milhões de seguidores; no TikTok, são mais de 21 milhões de curtidas — com realizações palpáveis para a população.
"O cidadão quer que o prefeito cuide da cidade", afirma Campos, destacando que mais de 70% dos recursos foram direcionados para as periferias da cidade. "O principal é não ter apenas uma boa fala, é ter entrega."
Campos falou à EXAME durante uma viagem aos Estados Unidos para participar de um curso sobre segurança pública na Universidade Columbia organizado pela Comunitas, organização dedicada à inovação na política pública e na responsabilidade social corporativa das empresas brasileiras.
Na entrevista, o prefeito reeleito falou sobre seu desempenho nas urnas, a sua relação com as redes sociais, além de sua visão sobre a democracia e a gestão pública.
Campos tem sido um defensor da transparência e da interação direta com a população. Em 1.250 dias de mandato, Campos manteve mais de 1.300 agendas de rua, mantendo um contato direto com os cidadãos, muitas vezes visitando locais de obras e ouvindo demandas e críticas.
"O ar-condicionado e a cadeira confortável são muito convidativos para o gestor não ir a um ambiente de cobrança", diz ele. "Mas é preciso estar no ambiente de cobrança. É preciso ver o problema, botar o pé no problema, sentir o problema. Tem que sair da posição de conforto."
Leia a entrevista a seguir.
Meu objetivo sempre foi fazer a minha parte dando o melhor de mim. O que isso significa na prática? É fazer um trabalho no Recife que seja bom para o Recife. Fico muito feliz em ver o reconhecimento da minha cidade ao meu trabalho. Tive um governo com mais de 80% de aprovação e saí de uma candidatura com 78% dos votos no primeiro turno. Foi a maior votação da história do Recife. O recorde anterior era de 56%. Em 2020, saímos com 29% no primeiro turno e, quatro anos depois, tive 78% no segundo turno. Na campanha, tive adversários à esquerda, no Psol, e um à direita, no PL, de uma pessoa muito próxima ao [ex-presidente Jair] Bolsonaro. Além disso, concorri com dois secretários do governo estadual, apoiados pelo governo do estado e com a estrutura da máquina estadual. Muita gente acredita que tudo isso é fruto de rede social.
Minha posição aqui é a seguinte: como é possível ter 78% do reconhecimento da cidade no voto direto se você apenas se comunica bem? É importante se comunicar bem, mas não é o suficiente. É preciso trabalhar muito. No meu caso, consegui bater recorde de investimentos em diversas áreas da cidade: 70% dos recursos foram para as periferias que aguardam obras por décadas, como é o caso de uma ponte entre os bairros de Iputinga e Monteiro e o parque da Tamarineira. A gente fez milhares de pequenas obras. Assim, consegui fazer uma gestão com alta aprovação. O principal, aqui, é ter entrega. O cidadão quer que o prefeito cuide da cidade. Ele quer ter certeza de que tem alguém cuidando dela. O principal é não ter apenas uma boa fala, é ter entrega. Isso não é só na política, é em tudo na vida. Agora, a comunicação é inerente ao ofício de liderar, então ela é muito importante. Imagina uma empresa: você quer que o CEO daquela empresa saiba se comunicar ou não? Vejo a rede social não só como um instrumento de comunicar, mas como um instrumento de transparência, para falar e mostrar o que está sendo feito, mas, também, para ouvir a reivindicação daquilo que tem que melhorar.
O fundamental é ter uma relação direta com as pessoas. Um prefeito não precisa de um intermediário para poder botar a cara num problema. Em 1.250 dias de governo entre a posse, lá em 2021, e o limite para inauguração de obras estabelecido pela Justiça Eleitoral antes de começar a campanha, em junho, eu fiz 1.300 agendas de rua. Toda semana estou três a quatro vezes na rua ouvindo as pessoas. A gente tem que celebrar as conquistas, mas não pode ser alguém que vive só falando de vitória. Temos que ver os problemas. Quando vou inaugurar uma obra de proteção de encostas, por exemplo, vou ali no local ver outras obras que ainda precisam ser feitas. Tem muita coisa ainda por fazer. Por que isso é fundamental? Porque não dá para ficar no conforto de um gabinete. O ar-condicionado e a cadeira confortável são muito convidativos para o gestor não ir a um ambiente de cobrança. Mas é preciso estar no ambiente de cobrança. É preciso ver o problema, botar o pé no problema, sentir o problema. Tem que sair da posição de conforto.
Consegui levar um legado para a cidade. Apenas para citar alguns grandes números. Em três anos e meio fiz a mesma quantidade de creches que o feito nos 40 anos anteriores do Recife. Fiz o maior investimento da história em proteção de encostas, um grande problema da cidade. Inaugurei mais de três obras por dia em áreas de morro. Mais de 10.000 famílias foram protegidas. Expandimos em 20% a cobertura de saúde básica e agora estamos inaugurando um grande hospital. Conseguimos fazer a cidade saltar 15 posições entre as capitais num ranking de alfabetização — da 21º para a 5ª posição entre as capitais brasileiras. Hoje somos a cidade do mundo com o maior relacionamento digital dos cidadãos com a Prefeitura pelo WhatsApp, isso dito pelo próprio WhatsApp. Até o fim deste ano, 95% dos serviços públicos estarão digitalizados. Na próxima gestão, quero intensificar tudo aquilo que está dando certo. Educação em tempo integral, espaço público de qualidade, parque, praça, alfabetização, investimento em saúde. Hoje já temos prontuário eletrônico em tudo da saúde. Além disso, fiz acordo com os quatro maiores sindicatos da saúde na cidade e todos concordaram em botar ponto eletrônico para as jornadas dos profissionais da saúde básica. Prontuário eletrônico, remuneração variável baseada em resultado, seleção técnica e profissional de gestores de todas as unidades de saúde. Uma gestão por resultado é o que vou continuar fazendo.
O grande problema hoje da gestão pública é a excessiva separação de competências. Há uma sala que cuida de algo. A sala do lado cuida da outra. São silos. E o problema está no meio. O cidadão não quer saber da divisão, ele quer o problema resolvido. Quero começar a próxima gestão com uma integração dos atendimentos ao cidadão utilizando ferramentas digitais para isso. Quero fazer uma gestão para entregar o direito que o cidadão já tem. Não quero esperar que ele reivindique. Ele nem precisa saber que tem o direito. Se a Prefeitura sabe que ele tem, a Prefeitura vai fazer chegar nele sem ele pedir.
Todo o crédito que o cidadão recifense por ter botado o CPF na nota fiscal de serviço gerava um grande fundo para a Prefeitura. Vou informar ao cidadão quando ele tiver direito a usar esse crédito de forma imediata. Quero avisar quando uma pessoa precisar tomar uma vacina e dizer o posto de saúde mais próximo para fazer isso, o horário de funcionamento. Se o cidadão autorizar, via LGPD, o uso de dados dele, quero lembrar o cidadão sobre os direitos dele de maneira simples. Vou fazer uma gestão zero clique e com o cidadão no centro de tudo.
Acabou de passar uma eleição e fui eleito para ser prefeito. Meu foco é continuar essa missão e viver um dia de cada vez. Digo sempre que o momento de eleição é no período da eleição. Tive a maior vitória da cidade, no meu pronunciamento da vitória, eu fiz questão de dizer que ali o palanque estava sendo desarmado. O momento da discussão eleitoral de 2026 vai se dar em 2026. E o que eu vou fazer é o que eu fiz até o dia de hoje. Primeiro: dizer a verdade e trabalhar todo dia dando o meu melhor. Quando você vence todo dia, você vence uma semana, quando você vence uma semana você vence o mês, vence no mês e você vence o ano. Quando chegar no momento certo, lá em 2026, vai ser feita uma avaliação das forças da frente popular e uma decisão será tomada. Ninguém é candidato de si mesmo. Tem que ser candidato de um conjunto de ideias, de um conjunto de pessoas que representa principalmente o desejo do povo. E lá na frente, claro, que o nosso conjunto de ideias vai ter um candidato, mas isso só vai ser definido lá em 2026.
Ajuda, por que qual é a grande questão? No modelo de democracia liberal representativa de forma livre as pessoas escolhem quem são os seus representantes para poder representá-las. Qual é o grande problema? Há uma distância entre os representantes e os representados. Quanto maior essa distância, menos legitimidade. Os que estão liderando passam a ser cada vez mais questionados. O que precisa ser feito? Aproximar as pessoas dos seus líderes. E você, para isso, precisa ter mais credibilidade. E a credibilidade é feita através da confiança. E, no caso de um serviço, a Prefeitura é uma grande plataforma de serviço. Se eu passar a ver o cidadão também como um usuário que usa serviço da Prefeitura, ele quer serviço de qualidade, com eficiência, com rapidez, com justiça. Ter processos eficientes aproxima as pessoas do seu serviço e faz com que elas lhe legitimem enquanto líder. Precisamos trabalhar por um Estado mais eficiente. A política precisa entender isso. As pessoas veem que há uma crise mundial da democracia liberal representativa, mas ao mesmo tempo que há uma crise, as soluções que se apresentam mais vistosas à população não são soluções efetivas. É como se todo mundo acertasse no diagnóstico de que tem problema, mas o que é vendido como remédio muitas vezes tem um efeito colateral muito pior do que a própria fala da democracia aposta.
Isso é o que a gente vê nesses movimentos que nascem, enfim, tem muito o mínimo sobre isso, que nascem no ventre da democracia, mas que passam a ter vieses autoritários, de questionar o funcionamento das instituições, a liberdade das instituições, querer tirar poder das instituições, a desarmonia entre as instituições. Vários movimentos de eleições no mundo inteiro, dentro de ambientes democráticos, é possível ver líderes com tendências autoritárias nascendo dentro disso. Isso é perigoso. Agora, a sensação que dá é que o mundo todo sabe o que está acontecendo, mas enquanto ninguém apresentar uma solução democrática, eficiente, justa, que combata privilégios, que aproxime as pessoas da política e das suas instituições, a gente não vai ter uma solução concreta para isso. A gente precisa fazer a nossa parte bem feita e jamais se desiludir em relação à democracia. Você falou da minha família, meu bisavô [o ex-governador de Pernambuco Miguel Arraes] passou 15 anos exilado na Argélia, sem saber se um dia teria o direito de pisar no seu país. Porque ele não abriu mão de um mandato a ele conferido pelo povo, num momento em que a ele foi dado o suposto direito de negociar benefícios com o governo militar à época para não ser exilado. Ele foi preso, exilado, mas não abriu mão de uma luta democrática. Então a gente jamais pode abrir mão de fazer uma defesa da democracia, mas que isso não esteja só num discurso teórico, que é importante, mas que quem defende a democracia tem que entender também que ela tem muito a melhorar e que ela precisa lutar muito por eficiência e por justiça social. E isso se faz com mecanismos mais modernos, eficientes, transparentes. Isso precisa ser feito. Então o discurso tem que ser posto em prática.
Acho que mais uma vez a gente viu aqui o uso de dados para tomar decisão. Todo mundo tem convicção, crenças, paixões, posições pessoais. Mas é preciso ter a capacidade de analisar dado, de gerar dado e de analisar dado. Tenho feito muito isso. Tudo que eu posso tomar de decisão olhando o dado, tomo porque o dado ajuda. Não estou dizendo que a decisão é linear. É preciso olhar o dado para, com base no dado, entender se faz sentido, se o dado tem que ser melhorado, se seu caminho está correto ou não está. A grande lição de Nova York no tema segurança pública é que em duas ou três décadas a cidade saiu de um local extremamente perigoso e inseguro para um local com índice de segurança alto. Além disso, é preciso ter gente trabalhando com segurança integrada. Tudo isso pode ser orquestrado mediante avaliação de dados. Deixar eventuais posições pessoais ou uma convicção pessoal de lado, tomar um banho um pouco de dados, de informação, de técnica, e tentar equilibrar isso em uma solução prática efetiva de uma cidade. Essa foi uma lição importante do curso.
*O jornalista viajou a convite da Comunitas