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Jair Bolsonaro empregava cinco funcionárias que nunca foram ao Congresso

Assessoras do último mandato como deputado não tinham crachá de funcionárias nem se registraram como visitantes da Câmara dos Deputados

Bolsonaro: em outubro de 2016, os salários das secretárias variaram de R$ 1.023 a R$ 4.188. (Sebastián Vivallo Oñate/Agencia Makro/Getty Images)

Bolsonaro: em outubro de 2016, os salários das secretárias variaram de R$ 1.023 a R$ 4.188. (Sebastián Vivallo Oñate/Agencia Makro/Getty Images)

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Clara Cerioni

Publicado em 29 de abril de 2019 às 14h15.

Última atualização em 30 de abril de 2019 às 18h11.

Durante seu último mandato como deputado federal, Jair Bolsonaro empregou pelo menos cinco assessoras que não colocaram os pés nas dependências da Câmara, segundo documentos obtidos pela Pública.

As secretárias — todas mulheres, empregadas de longa data do presidente — não pediram a emissão de crachás de funcionárias nem se registraram como visitantes em nenhum momento desde 2015. Em outubro de 2016, seus salários variaram de R$ 1.023 a R$ 4.188.

No ano de 2016, o gabinete de Jair Bolsonaro empregou 22 assessores, segundo registros da Casa. De acordo com os documentos obtidos via Lei de Acesso à Informação, pelo menos cinco ex-secretárias não tinham credencial de funcionária da Câmara dos Deputados, três a possuíam e em dois casos não houve resposta. Entre 2015 e 2019, período da última legislatura, o Sistema de Identificação de Visitantes da Câmara tampouco registra alguma entrada das cinco ex-funcionárias.

As ex-assessoras sem crachá nem registro de visitantes são Bárbara de Oliveira Ferraz, de 34 anos, Denise Marques Felix, de 61 anos, Patrícia Cristina Faustino de Paula, de 31 anos, Dulcineia Pimenta Peixoto, de 59 anos e Mirian Melo Lessa Glycério de Castro, de 43 anos.

As três primeiras trabalharam com Bolsonaro na Câmara dos Deputados por mais de uma década. Já Dulcineia e Mirian foram empregadas dele durante sete anos. Todas foram exoneradas entre 2016 e 2018.

Os assessores parlamentares podem trabalhar em Brasília ou nos estados de origem dos parlamentares, contanto que cumpram sua carga horária. O controle é feito pelos próprios deputados.

O expediente não é ilegal, mas a ausência completa de passagens pela Câmara e o histórico de casos semelhantes na família Bolsonaro levantam suspeitas.

De acordo com apuração da Pública em distintos gabinetes em Brasília, é usual que mesmo os funcionários que trabalham no estado de origem passem pela Câmara em alguma ocasião, ainda que rara, como uma votação importante ou na cerimônia de posse. Os crachás devem ser renovados a cada nova legislatura e a Casa afirma não guardar registros sobre mandatos passados.

Ex-funcionária é sócia de empresa de segurança privada e prima de assessor do presidente

A Pública tentou ouvir todas as cinco ex-funcionárias. Poucos minutos depois de ter buscado Mirian Melo Lessa via telefone, Waldir Ferraz fez contato. Ele é assessor de imprensa de Jair Bolsonaro desde os anos 1980 e um dos homens de confiança do presidente.

Mirian foi nomeada por Bolsonaro em 2010 e exonerada em 2016. Ela é sócia na empresa Segmir — Consultoria e Gestão em Segurança Privada, registrada em 2008. A empresa tem como endereço um imóvel em Freguesia na região de Jacarepaguá, na Zona Oeste do Rio de Janeiro.

O outro sócio da Segmir é o marido de Mirian, o coronel do Exército José Augusto Glycério de Castro, que foi exonerado do Comando Militar do Leste em 2016 e, no mesmo ano, prestou serviços de coordenador-geral da Assessoria Especial do Exército para os Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro.

Durante a ligação, o assessor Ferraz se identificou como primo de Mirian Melo e disse que responderia às perguntas em seu nome. Antes delas, porém, afirmou já saber a razão do contato. “É para derrubar o presidente”, afirmou, desferindo em sequência críticas à imprensa sobre casos envolvendo o presidente.

“Estão inventando um monte de histórias”, disse. Sobre as atribuições de Mirian, Ferraz disse que ela trabalhava atendendo às demandas de eleitores bolsonaristas no Rio de Janeiro, o que é permitido pela lei. Segundo ele, essas demandas envolvem assuntos militares.

Ferraz também é pai da ex-assessora Barbara de Oliveira Ferraz, que também não colocou os pés na Câmara durante o último mandato de Jair Bolsonaro. Ela foi nomeada em 2005 e exonerada em 2016.

“Todos os funcionários do gabinete trabalharam com assuntos militares, fatalmente. Era filho, um irmão, um parente que seja, de pensionista ou de um militar da reserva. Essa pessoa que sabe o problema que ela tem, de militar, para resolver”, disse.

Quanto ao fato de assessores atuarem fora de Brasília, disse: “A imprensa tem que entender que o cargo de comissão… Eu posso trabalhar dormindo, não preciso estar no local de trabalho. O funcionário, que é lotado em qualquer gabinete, pode trabalhar onde quiser”.

Inicialmente, Ferraz afirmou que, “claro”, Mirian ia a Brasília e à Câmara. “Todos vão à Câmara dos Deputados. São funcionários.”

Quando apresentado ao fato de a ex-assessora não ter crachá nem registro de visitantes, o assessor de Jair Bolsonaro respondeu: “Se não tem, problema deles que não tenha”. E completou depois: “Eu entro lá sem precisar de nada. Sempre entrei. Por quê? Eu conheço todo mundo”.

A Câmara dos Deputados nega que seja possível entrar na Casa sem identificação.

“Para acessar as dependências da Câmara dos Deputados é obrigatório portar crachá funcional, bottom parlamentar (parlamentares e ex-parlamentares) ou adesivo de visitante, que é obtido após apresentação de documento de identidade e registro de entrada nas portarias”, informou o órgão.

Questionado sobre o protocolo, Ferraz rebateu: “Problema da Câmara. Cada um diz o que quer”.

Ao abordar novamente a suposta presença de Mirian na Casa, o assessor mudou a versão inicial: “Não sei. Poderia frequentar. Como eu vou saber?”.

“Nada a declarar”

Em 2016, o maior salário entre as cinco ex-funcionárias identificadas pela Pública foi de Patrícia Cristina. Eram R$ 4.188 de remuneração bruta. Hoje, ela é assessora de Carlos Bolsonaro na Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro.

A reportagem ligou para o gabinete de Carlos Bolsonaro e falou com uma funcionária que se identificou como Patrícia Cristina. Ela confirmou ter assessorado Jair, mas se recusou a prosseguir a conversa.

“Nada a declarar. Passar bem”, disse antes de desligar o telefone.

A ex-assessora Dulcineia Pimenta também se recusou a falar com a reportagem depois de contatada. De acordo com a apuração da Pública, ela é casada com o subtenente reformado do Exército José de Campos Peixoto. Em outubro de 2016, um mês antes de deixar o cargo, ela recebeu R$ 1.023 pelo cargo de secretária parlamentar de Jair Bolsonaro.

A Pública não conseguiu entrar em contato com as ex-assessoras Denise Marques, Bárbara Ferraz e Mirian Melo.

Denise mantém um perfil público em uma rede social onde exibe fotos ao lado do presidente Jair Bolsonaro, além de seus filhos Carlos e Flávio e a esposa, Michelle. No período em que ela foi funcionária da Câmara, o cotidiano registrado alterna fotos no Leblon, um dos bairros mais caros do Rio de Janeiro, convescotes com amigos e imagens de viagens, cliques nas praias cariocas e no Forte de Copacabana.

A reportagem solicitou o atestado de frequência de todas as cinco assessoras mencionadas, bem como informações sobre o crachá das ex-funcionárias Luciana Alves Miranda Barbosa e Marília de Oliveira Francisco. Após pedido de prorrogação, cujo prazo expirou em 25 de abril, a Câmara segue sem responder a essas solicitações.

Em janeiro de 2019, com base na Lei de Acesso à Informação (LAI), a Pública obteve uma lista de ex-assessores da família Bolsonaro na Câmara dos Deputados. Em março, mostrou que dois deles foram responsáveis por doações para campanhas da família que somaram mais de R$ 100 mil em valores atualizados.

Assessoras com crachá

Entre os nomes consultados, as ex-assessoras Solange Florencio de Faria, Miqueline de Sousa Matheus e Patrícia Broetto Arantes emitiram crachá para a última legislatura.

Hoje assessora especial da Presidência, Patrícia é parente de Telmo Broetto, ex-agente da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), que também atuou como assessor do presidente, segundo apurou a reportagem.

Em março, a Pública revelou que Telmo foi um dos principais doadores das campanhas de Jair Bolsonaro à Câmara. Em 2014, ele repassou R$ 11 mil à candidatura de Eduardo Bolsonaro, enquanto recebia R$ 10 mil de salário mensal como assessor de seu pai.

Suspeitas de fantasmas assombram família Bolsonaro

O caso das cinco funcionárias identificadas pela Pública se soma a outros já noticiados pela imprensa, que envolvem suspeitas de contratação de “funcionárias fantasmas” com recursos públicos por diferentes integrantes da família Bolsonaro.

São elas: Walderice Santos, Nathalia Queiroz, Danielle Mendonça, Raimunda Magalhães e Nadir Barbosa. Muitas têm ligações diretas com militares ou policiais.

Além destas funcionárias, suspeitas semelhantes foram denunciadas envolvendo os assessores Tercio Arnaud Tomaz e Wellington Romano da Silva, além de membros da própria família Bolsonaro, como Renato Antônio e Flávio, respectivamente irmão e filho do presidente.

Em janeiro de 2018, a Folha de S.Paulo publicou reportagem sobre a assessora Walderice Santos de Conceição, a Wal, que vendia açaí em Angra dos Reis (RJ) durante horário do expediente em Brasília.

Outro caso semelhante envolve Nathalia Queiroz, que trabalhou para Flávio Bolsonaro na Assembleia do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) desde os 18 anos, começando em 2007 e saindo em 2011. Depois, assumiu um cargo no gabinete de Jair na Câmara dos Deputados, de 2011 a 2018.

Enquanto ocupava o cargo em Brasília, Nathalia atuava como personal trainer no Rio de Janeiro. Em março de 2019, o The Intercept Brasil revelou que ela também não tinha crachá nem registro de visitantes ou vaga no estacionamento da Câmara.

Nathalia é filha do policial militar Fabrício Queiroz, amigo do presidente desde os anos 1980. Segundo relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), Queiroz fez diversas movimentações financeiras “incompatíveis com o patrimônio, a atividade econômica ou ocupação profissional” enquanto era assessor de Flávio Bolsonaro na Alerj. Entre janeiro de 2016 e 2017, R$ 1,2 milhão passaram por sua conta.

Queiroz assumiu que recebia salários dos demais funcionários e repassava a terceiros. Uma das beneficiadas pelos repasses de Queiroz foi Michelle Bolsonaro, esposa do presidente.

A Veja também revelou casos de assessoras da família Bolsonaro que também não tinham crachá. De acordo com a revista, Danielle Mendonça da Nóbrega nunca retirou a identificação obrigatória para os funcionários que frequentam a Alerj, durante os oito anos em que trabalhou para Flávio Bolsonaro.

Ela é esposa de Adriano Magalhães da Nóbrega, um dos chefes da milícia de Rio das Pedras, atualmente foragido da polícia.

Raimunda Magalhães, mãe do miliciano foragido, também trabalhou para Flávio Bolsonaro. Ela foi nomeada em 2015, mas só pediu a emissão de um crachá dois anos depois.

Mais recentemente, em abril, reportagem da Folha revelou que o vereador Carlos Bolsonaro empregou Nadir Barbosa Goes, 70 anos. Mas ela nega ter trabalhado para o filho do presidente.

Nadir é irmã de Edir Barbosa Goes, militar e funcionário na Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro. Sua esposa — Neula de Carvalho Goes — também foi empregada de Carlos Bolsonaro.

Há também homens na lista de possíveis “funcionários fantasmas”. Em agosto de 2018, O Globo revelou que Tercio Arnaud Tomaz, assessor de Carlos Bolsonaro na Câmara dos Vereadores, não trabalhava no legislativo carioca, mas sim para a campanha política de seu pai.

Agora, ele é assessor especial da Presidência da República. Ainda no ano passado, foi revelado também que Wellington Romano da Silva passou quase 250 dias em Portugal, enquanto recebia recursos públicos para trabalhar como assessor de Flávio Bolsonaro na ALERJ.

E a prática envolve os próprios membros da família Bolsonaro. Irmão do presidente, Renato Antonio Bolsonaro foi exonerado da Assembleia Legislativa de São Paulo (ALESP) após o SBT revelar que, mesmo recebendo R$ 17 mil de salário, ele não aparecia para trabalhar no gabinete do deputado estadual André do Prado (PR).

Após a publicação desta reportagem, a assessoria de imprensa do deputado enviou um nota à Pública afirmando que Renato “cumpria jornada de trabalho conforme disciplina a Resolução 806, de 2000 bem como sua atribuição estava em consonância com a Resolução nº 911 de 31 de agosto de 2016”  e que, após a reportagem do SBT, “o Ministério Público do Estado de São Paulo instaurou um procedimento para apurar os fatos. Após ouvir as manifestações apresentadas, receber e analisar a documentação exigida à Assembleia Legislativa, o MP pediu o arquivamento do pedido”. Leia aqui a íntegra da nota do deputado.

Em janeiro deste ano, a BBC também mostrou que Flávio Bolsonaro fazia faculdade e estágio no Rio de Janeiro entre 2000 e 2002. No mesmo período, recebia salário para trabalhar como assistente técnico na Câmara dos Deputados, em Brasília, pelo PRB, partido ao qual seu pai estava filiado à época.

*Este conteúdo foi publicado originalmente no site da Agência Pública.

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