Brasil

Itamaraty quer anunciar doação de vacinas na Assembleia Geral da ONU

Diplomatas tentam convencer Bolsonaro a divulgar agenda positiva no discurso de abertura da Assembleia-Geral

 (Marcos Corrêa /PR/Flickr)

(Marcos Corrêa /PR/Flickr)

EC

Estadão Conteúdo

Publicado em 20 de setembro de 2021 às 11h59.

Última atualização em 20 de setembro de 2021 às 15h09.

Contra o desgaste internacional do governo brasileiro, o Itamaraty quer que o presidente Jair Bolsonaro divulgue uma agenda positiva ao discursar nesta terça-feira, 21, na abertura da Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas.

Uma das medidas que diplomatas tentam fazer o presidente encampar e anunciar é a doação de vacinas contra covid-19 para nações da América Latina em piores condições de combate à pandemia, como Paraguai e Haiti, segundo assessores que participam da elaboração do discurso.

Bolsonaro entrou no domingo pela porta dos fundos do hotel onde está hospedado, ao desembarcar em Nova York. Alguns poucos manifestantes contrários ao governo o aguardavam com faixas na porta do hotel.

Não havia apoiadores do presidente no local. Em 2019, última vez que esteve em Nova York para participar presencialmente da Assembleia-Geral, Bolsonaro encontrou à sua espera manifestantes a favor e contra seu governo. Na ocasião, entrou pela porta da frente do mesmo hotel.

Na sua primeira participação na ONU, há dois anos, Bolsonaro desembarcou acompanhado pelo então chanceler Ernesto Araújo e fincou os pés nas bases do bolsonarismo em seu primeiro discurso no organismo. Na época, Bolsonaro se juntava a um time de líderes como o então presidente dos Estados Unidos, Donald Trump que desafiavam o sistema multilateral.

Desta vez, com o Itamaraty sob comando do chanceler Carlos França e o democrata Joe Biden na presidência americana, diplomatas tentam convencer Bolsonaro a centrar seu discurso em temas alinhados com a agenda de aliados americanos, europeus e da própria ONU. Os três pilares do discurso esboçado pelo time de França serão a diplomacia da saúde, onde entrará o possível anúncio a respeito das vacinas, o combate ao desmatamento e a recuperação econômica.

Desde o início do seu governo, Bolsonaro foi retratado na imprensa internacional como um líder que ameaça a democracia, os direitos humanos e o meio ambiente no Brasil. Na pandemia, foi também descrito como um negacionista.

Apesar de ter questionado a eficácia das vacinas durante o último ano, Bolsonaro deve comemorar na frente de líderes internacionais que o País avançou na vacinação mais do que muitas nações ricas e que poderá se tornar um "hub regional" de produção de imunizantes. Nesse contexto, Itamaraty e Ministério da Saúde querem o anúncio da doação de vacinas para a região.

'Arroz com feijão'

Integrantes da chamada ala ideológica do governo, no entanto, têm dito nos bastidores que França quer um discurso "arroz com feijão", sem apelo junto à base eleitoral de Bolsonaro. Em live nas redes sociais na última quinta-feira, o presidente disse que defenderá na ONU o marco temporal das terras indígenas, o que assustou diplomatas. Eles tentam dissuadi-lo da ideia e dizem que a fala despertará uma forte reação negativa entre indígenas, ambientalistas e o próprio governo americano.

Pressionado pelo governo Biden para se comprometer com o fim do desmatamento ilegal, Bolsonaro deve falar que começou a cumprir os compromissos estabelecidos na Cúpula de Líderes para o Clima, organizada pela Casa Branca em abril. Está previsto que ele diga que, em julho e agosto deste ano, houve redução no desmatamento da Amazônia e que o orçamento do Ibama foi duplicado, com o anúncio de contratação de 700 servidores para trabalhar na fiscalização ambiental.

Parte da comitiva, o ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, deve ter em Nova York uma reunião com o enviado especial do clima de Biden, John Kerry. Os dois conversaram por telefone na semana passada, quando Kerry deixou mais uma vez claro que os americanos não pretendem anunciar dinheiro público para ajudar na preservação da Amazônia, mas querem servir de ponte para alavancar recursos do setor privado.

Depois de prometer "reunir o mundo" para cobrar Bolsonaro pela preservação da Amazônia, durante a campanha eleitoral, Biden tem se mostrado pragmático na relação com o Brasil desde que assumiu a Casa Branca. O relacionamento entre os dois países é mantido, no entanto, fora do nível presidencial. Uma aproximação de Biden com o Bolsonaro, ainda que protocolar, seria mal vista dentro do partido democrata.

Pela primeira vez, os dois estarão na mesma cidade, mas não haverá reunião bilateral com o mandatário americano. Assessores de Bolsonaro, no entanto, esperam que os dois tropecem um no outro no corredor da Assembleia-Geral, para que o brasileiro possa ao menos cumprimentar o americano. O presidente dos Estados Unidos é o segundo a discursar na Assembleia-Geral, depois do Brasil. Por isso, é praxe haver um aperto de mãos na coxia.

O presidente também deve mencionar no discurso o visto humanitário autorizado para afegãos e o fato de o Brasil voltar ao Conselho de Segurança da ONU a partir de 2022, em uma das vagas rotativas.

Encontros bilaterais e comitiva

Bolsonaro terá encontros bilaterais com o primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, e com o presidente da Polônia, Andrzej Duda. Ele também será recebido pelo secretário-geral da ONU, António Gutérres, como é tradicional.

Da última vez em que pisou em Nova York, Bolsonaro não teve nenhum encontro bilateral com líderes mundiais. Na época, além de participar da abertura da Assembleia-Geral, ele se reuniu com Rudy Giuliani, advogado pessoal de Donald Trump, e foi ao rápido coquetel tradicionalmente oferecido pelo presidente americano aos demais chefes de Estado.

Bolsonaro está acompanhado por oito ministros: Carlos Alberto França (Relações Exteriores), Paulo Guedes (Economia), Marcelo Queiroga (Saúde), Joaquim Leite (Meio Ambiente), Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional), Luiz Eduardo Ramos (Secretaria-Geral da Presidência), Anderson Torres (Justiça e Segurança Pública) e Gilson Machado (Turismo).

Em sua primeira noite em Nova York, Bolsonaro e parte da comitiva deixaram o hotel para comer pizza na calçada de um restaurante próximo ao local em que está hospedado. A pizzaria não possui espaço interno para refeições. As imagens do presidente e seus auxiliares comendo pizza na calçada foram publicadas por ministros nas redes sociais.

O terceiro filho do presidente, o deputado Eduardo Bolsonaro, e a primeira-dama, Michelle, também viajaram a Nova York. A comitiva é composta ainda pelo presidente da Caixa, Pedro Guimarães, e pelo secretário de Assuntos Estratégicos da Presidência, Flávio Rocha.

Os diplomatas Nestor Forster (embaixador do Brasil em Washington) e Ronald Costa Filho (representante permanente do Brasil junto à ONU) encontraram o grupo em Nova York.

O governo leva aos Estados Unidos o advogado Rodrigo Mudrovitsch como convidado especial. Ele foi indicado em dezembro por Bolsonaro para concorrer ao cargo de juiz da Corte Interamericana de Direitos Humanos no âmbito da Organização dos Estados Americanos (OEA).

Queiroga se reúne com investidores

O ministro Marcelo Queiroga se reunirá no período da manhã com investidores de fundos de investimento estrangeiros. O encontro acontecerá na sede do consulado do Brasil em Nova York.

Segundo o próprio ministro disse a jornalistas no período da manhã, não há previsão até o momento de reunião com autoridades americanas para trocar informações a respeito da vacinação de adolescentes, que é realizada nos Estados Unidos. A agenda do ministro em NY, no entanto, ainda está em elaboração.

A Pfizer disse nesta segunda-feira, 20, que a sua vacina contra a covid-19 funciona para crianças de cinco a 11 anos. A vacina da farmacêutica já está disponível para qualquer pessoa com 12 anos ou mais em vários países, entre eles o Brasil e também os EUA.

A morte de uma adolescente de 16 anos em São Bernardo do Campo foi usada como uma das justificativas do Ministério da Saúde para recomendar a suspensão da imunização de adolescentes sem comorbidades na semana passada, contrariando a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Um estudo feito por 70 especialistas e divulgado nesta sexta-feira pela Secretaria de Estado da Saúde, no entanto, aponta que a fatalidade não foi causada pela vacina da Pfizer contra covid-19. O diagnóstico apontou que a causa do óbito, sete dias após a jovem ser imunizada, foi uma doença autoimune, grave e rara, conhecida como Púrpura Trombótica Trombocitopênica (PTT).

Acompanhe tudo sobre:Conselho de Segurança da ONUGoverno BolsonaroItamaraty

Mais de Brasil

STF rejeita recurso e mantém pena de Collor após condenação na Lava-Jato

O que abre e o que fecha em SP no feriado de 15 de novembro

Zema propõe privatizações da Cemig e Copasa e deve enfrentar resistência

Lula discute atentado com ministros; governo vê conexão com episódios iniciados na campanha de 2022