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Irmã Dulce, a "santa dos pobres", tornou-se hoje 1ª santa brasileira

Irmã Dulce se relacionou praticamente com todos os ocupantes do Palácio do Planalto, e grandes empresários se esforçavam para atender seus pedidos

Irmã Dulce: primeira santa brasileira (Acervo Irmã Dulce/Reprodução/Agência Brasil)

Irmã Dulce: primeira santa brasileira (Acervo Irmã Dulce/Reprodução/Agência Brasil)

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AFP

Publicado em 13 de outubro de 2019 às 09h32.

Última atualização em 13 de outubro de 2019 às 09h42.

Irmã Dulce tornou-se neste domingo 13 a primeira santa brasileira. A agora Santa Dulce dos Pobres, nome que ganhou depois da santificação, foi canonizada em cerimônia no Vaticano que começou às 5h35 pelo horário de Brasília.

O papa Francisco liderou a missa, assistida por mais de 50.000 fiéis na Praça de São Pedro, segundo o Vaticano. A cerimônia também teve a canonização de outros quatro beatos (um inglês, uma italiana, uma indiana e uma suíça). Pelas regras da Igreja Católica, uma canonização só pode ser realizada pelo papa, ao contrário de uma beatificação, que pode acontecer na terra natal do beato -- a beatificação de irmã Dulce, por exemplo, aconteceu em 2010, na Bahia.

A canonização acontece 27 anos após a morte da freira, sendo o terceiro processo mais rápido da história, atrás apenas do Papa João Paulo II (2014) e da madre Teresa de Calcutá (2016).

Ao "anjo da Bahia", como era chamada pelos que a viam nas ruas de Salvador com seu hábito azul e branco, são atribuídos dois milagres: ter estancado a hemorragia de uma mulher após um parto e devolvido a visão de um homem que esteve cego durante 14 anos.

Incansável em sua missão de dar atendimento médico aos menos favorecidos, irmã Dulce ergueu um gigantesco complexo de saúde e assistência social no nordeste do Brasil, que a converteu, muito antes de ser canonizada neste domingo pelo Vaticano, na "santa dos pobres".

Cerimônia de canonização de irmã Dulce: celebrada pelo papa Francisco no Vaticano neste domingo 13 (AFP/AFP)

Quem foi irmã Dulce

Maria Rita Lopes Pontes nasceu em 26 de maio de 1914 em uma família abastada. Filha de um dentista e de uma dona de casa que morreu de parto quando ela tinha apenas sete anos, descobriu sua vocação ainda adolescente, quando atendia mendigos e doentes na porta da casa da família.

Aos 19 anos se tornou freira e adotou o nome de "Dulce", em homenagem à mãe. Começou atuando nos bairros mais pobres de Salvador e chegou a invadir propriedades desocupadas para abrigar doentes que pediam sua ajuda.

Em 1949, transformou o galinheiro de um convento em uma enfermaria improvisada, que logo teria 70 leitos para se transformar em um grande complexo de hospitais e centros públicos de saúde: as Obras Sociais da Irmã Dulce (OSID), que hoje atende anualmente cerca de 3,5 milhões de pessoas.

Uma freira conectada

Na época em que a saúde pública não chegava a toda a população, irmã Dulce abriu todas as portas necessárias para cumprir sua missão.

Como escreve seu biógrafo Graciliano Rocha em "Irmã Dulce, a santa dos pobres", ela "sempre interpretou com competência a direção dos ventos políticos e, assim, cativou os poderosos para ter acesso aos cofres públicos".

Com um metro e meio, uma voz fraca -- resultado de uma cirurgia nas cordas vocais -- e uma enorme perspicácia, irmã Dulce foi tecendo relações com a elite política e empresarial sem rejeitar qualquer tendência.

Se relacionou praticamente com todos os ocupantes do Palácio do Planalto, dos generais da ditadura ao presidente José Sarney (1985-1990), com quem se comunicava diretamente por telefone. De grandes empresários, como Norberto Odebrecht, a pequenos comerciantes, todos se esforçavam para atender seus pedidos.

Entre a fila de necessitados que pediram sua ajuda no final dos anos 1960 estava o escritor Paulo Coelho, que havia fugido de uma casa de saúde onde esteve internado e não tinha dinheiro para comer.

"Chegou a minha vez e a freira me perguntou: 'O que você quer?'. Eu disse, 'Queria voltar para casa, mas não tenho dinheiro. A senhora tem dinheiro?'. Aí ela disse, 'Dinheiro eu não tenho'. Escreveu num bloquinho 'Vale duas passagens para o Rio' [e disse] 'Vá à rodoviária e dá esse papel lá'", contou o escritor no programa Conversa com Bial, da TV Globo.

"Me lembro como se fosse hoje: o cara pegou aquele bloquinho e disse, 'Já sei, entra aí no ônibus, vai. A irmã Dulce vive pedindo coisas e a gente não tem como negar", lembrou, emocionado.

O escritor, que vive em Genebra e é um doador frequente da OSID, anunciou uma contribuição extra de 1 milhão de reais por ocasião da canonização.

Sem cuidar da própria saúde

Apesar de todo o cuidado com o próximo, irmã Dulce não cuidava da própria saúde, trabalhando sem descanso durante longos períodos em jejum e sem dormir.

"Nunca ninguém a convenceu a trabalhar menos, inclusive quando já era sexagenária e sua saúde estava debilitada. Era a última a ir dormir e a primeira a se levantar no convento, ao lado do hospital", destaca Rocha no livro.

Em 1955, prometeu que se sua irmã escapasse de uma gravidez de alto risco dormiria o resto da vida sentada, e cumpriu.

Nos trinta anos seguintes dormiu em uma cadeira de madeira, até voltar a repousar em cama, a partir de 1985, por ordem médica. Mas já era tarde e uma doença pulmonar crônica foi degradando sua capacidade respiratória.

Irmã Dulce faleceu em março de 1992, aos 77 anos, após uma longa permanência em uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI) instalada em seu quarto.

O papa João Paulo II, que a encontrou em Salvador em 1980, a visitou no leito de morte em 1991 e após rezar por ela declarou: "este é o sofrimento do inocente, igual ao de Jesus".

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