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Intervenção no Rio gera temor em moradores de favelas

Moradores da Rocinha e da Cidade de Deus se disseram traumatizados com a histórica brutalidade de agentes de segurança

Rio: "Pobre sempre paga o pato. Pelo fato de a gente morar em comunidade, eles vão agir como na ditadura" (Ricardo Moraes/Reuters)

Rio: "Pobre sempre paga o pato. Pelo fato de a gente morar em comunidade, eles vão agir como na ditadura" (Ricardo Moraes/Reuters)

EC

Estadão Conteúdo

Publicado em 19 de fevereiro de 2018 às 16h44.

Rio - A notícia da intervenção federal na segurança do Rio está gerando apreensão em moradores de favelas. Eles temem condutas abusivas por parte dos militares das Forças Armadas e da polícia, como revistas indiscriminadas e invasão a domicílios. Circulam nas redes sociais dicas de como lidar com excessos e se precaver de detenções e apreensões.

Num vídeo que viralizou no Facebook, três jovens negros recomendam que seus pares, rotineiramente vítimas de racismo por parte das forças de segurança, circulem sempre com a nota fiscal do celular, para provarem que não se trata de produto roubado, e evitem usar guarda-chuvas e furadeiras que possam ser confundidos com armas de fogo.

A reportagem do jornal O Estado de S. Paulo ouviu moradores de duas favelas que passaram por operações das Forças Armadas: Rocinha, na zona sul, e Cidade de Deus, na zona oeste. Pedindo anonimato, eles se disseram traumatizados com a histórica brutalidade de agentes de segurança. E afirmaram que, assim como seus vizinhos, já estão mudando suas rotinas para se resguardar.

"Pobre sempre paga o pato. Pelo fato de a gente morar em comunidade, eles vão agir como na ditadura. Achamos que os inocentes vão pagar e tem muita gente com medo. Meu medo maior é pelos meus filhos, meninos negros", contou uma moradora da Rocinha.

"Muita gente que já não saía de casa, por causa da guerra no morro que vem desde o ano passado, agora evita ainda mais estar na rua. Desde sexta-feira, já circulam no WhatsApp informações truncadas. Muita gente que andava sem documento agora mudou", disse uma vizinha.

"Tem gente que sai para trabalhar de manhã e não fica ninguém em casa. Se tiver operação, podem meter o pé na porta para investigar se tem algo ilegal. Aí deixam sua porta arrebentada e fica por isso mesmo, não pagam outra", lembrou um morador da Cidade de Deus. "Na comunidade, militar não entra com mandado, isso é só na zona sul".

Um outro morador da favela disse que os residentes mais antigos se sentem como "nos anos 1970 e 1980", quando a discriminação com a população das favelas era "ainda maior". "Era uma época em que tinha toque de recolher às 22 horas. As pessoas que trabalhavam de noite tinham que mostrar a carteira assinada na revista", lamentou.

"Parte da Cidade de Deus aprova, acha que vai melhorar a segurança", contou outro. "Nós queremos a paz. Tem muito jovem se entregando ao tráfico porque sai para procurar emprego e não consegue, enquanto o tráfico está lá na porta dele pronto para alistá-lo".

No vídeo em que três jovens de comunidades postaram nas redes sociais, há dicas para quem pode se tornar alvo de abordagens potencialmente agressivas. Entre elas: evitar sair de casa tarde da noite, portar carteira de identidade ou de trabalho, informar a amigos onde se está indo e gravar com celular quando sofrer um abuso.

Um outro aviso que tem circulado sinaliza que não se deve andar com pacotes grandes na mão nem com produtos caros sem nota fiscal, tampouco é recomendável correr na rua - sob risco de parecer uma fuga.

Boatos de WhatsApp

Também têm corrido boatos, transmitidos via WhatsApp. Um deles é um falso boletim interno do Exército que diz que todo cidadão que estiver na rua após as 22 horas tem de apresentar a carteira de trabalho assinada, "caso contrário, será levado sob custódia para um quartel ainda a ser definido na Vila Militar" e que menores de idade serão presos caso estejam sozinhos na rua.

O "alerta" chega a proibir o tráfego de motocicletas à noite. "Serão dias difíceis, porém necessários", afirma o falso comunicado.

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