Ingrid Silva: carioca nascida no Benfica, bairro no centro do Rio de Janeiro, se torna cada dia mais uma voz ativa na luta por representatividade no ballet (Steven Vandervelden/Divulgação)
Clara Cerioni
Publicado em 30 de agosto de 2020 às 08h00.
Ingrid Silva não esquece suas raízes nem suas essências. Hoje, ela é a bailarina principal do Dance Theatre of Harlem, uma tradicional companhia de ballet de Nova York nos Estados Unidos, mas foi no Brasil que sua trajetória com a dança clássica teve início.
Agora, aos 31 anos, a carioca nascida no Benfica, bairro no centro do Rio de Janeiro, se torna cada dia mais uma voz ativa na luta por representatividade no ballet em todo o mundo e na busca por justiça social, principalmente no Brasil e nos EUA.
Ingrid tem frente diversas de atuação. Fisicamente, faz mobilizações nos EUA: ela é a fundadora do EmpowHer NY, uma plataforma criada há três anos para garantir um espaço seguro às mulheres de todo o mundo, e que discute assuntos urgentes para a evolução da sociedade, como feminismo e igualdade racial.
Durante a pandemia do novo coronavírus, impedida de se dedicar aos palcos e sem poder realizar encontros presenciais, ela organizou com alguns parceiros um experimento chamado The Call, que expõe as injustiças raciais no sistema de saúde americano. Em resumo, a ação consiste em colocar uma atriz para realizar ligações a uma linha direta de enfermagem que funciona 24 horas.
Ela então molda sua voz e nome para se associar a uma pessoa branca e a uma pessoa negra. Segundo os resultados, 77% das ligações associados a uma pessoa negra terminaram com a recomendação de ir a uma unidade de atendimento de urgência, uma espécie de unidade básica de saúde, para atendimento de problemas leves. Enquanto isso, seu pseudônimo "branco" era aconselhado a ir ao pronto-socorro, indicado para casos mais graves.
"Em NY, a maioria das mortes no trabalho de parto é de mulheres negras. Isso é uma precariedade e uma deseducação em relação ao corpo negro", diz Ingrid em entrevista por telefone à EXAME.
Mas suas mobilizações não param por aí. Enquanto se dedica à vida nos EUA, a bailarina também quer garantir que os brasileiros a acompanhem e se inspirem por sua trajetória. Por isso, Ingrid investe nas suas redes sociais, principalmente Twitter e Instagram. A maior parte de suas publicações é feita em português.
Um dos momentos de maior repercussão, que elevou a bailarina ao posto de influenciadora, foi a campanha digital que fez pedindo que sapatilhas e itens de ballet clássico fossem vendidos da cor da pele (mas de todas as peles, não apenas das brancas).
E Ingrid é enfática ao dizer que isso não é moda, nem mesmo um ato de resistência: "tudo tem a ver com a linha do corpo do bailarino no palco. A minha companhia foi a primeira a pedir que todos os dançarinos estivessem com roupas e acessórios da cor da pele, porque é assim que se faz ballet clássico".
Foram 11 anos pintando as sapatilhas rosas com base da cor da sua pele. Até que uma empresa topou fazer um item sob medida para ela. Ainda, diz, é preciso "comer muito arroz e feijão" para que as empresas façam coleções com todas as tonalidades, mas considera uma vitória ter conseguido amplificar esse discurso. "Não só minha, mas de todas as meninas que sonham em ter seu espaço na dança".
Para os próximos meses, Ingrid pretende investir em seu novo projeto digital, o Blacks in Ballet, feito em parceria com os bailarinos Ruan Galdino e Fábio Mariano. A iniciativa visa dar destaque aos dançarinos negros que estão em todos os cantos do mundo.
Algumas ações vão arrecadar fundos e destinar para o projeto Dançando Para Não Dançar, uma escola de ballet localizada em periferias do Rio de Janeiro, onde Ingrid descobriu sua paixão pela dança. "Eles perderam o patrocínio, mas não podem acabar. Porque o projeto deles realmente mudou a minha vida e de muitas outras pessoas", diz.