Natália Marcassa é vice-presidente de Relações Institucionais da Rumo Logística, reconhecida como a maior operadora ferroviária independente do Brasil (Exame Infra/YouTube/Reprodução)
Publicado em 14 de abril de 2025 às 08h05.
Última atualização em 14 de abril de 2025 às 19h38.
A Rumo Logística, maior operadora ferroviária independente do Brasil, trilha para colocar de pé um projeto que promete transformar a infraestrutura do país: uma nova ferrovia de 740 quilômetros entre Rondonópolis e Lucas do Rio Verde, no Mato Grosso.
O objetivo é mudar a lógica do escoamento de grãos do Centro-Oeste, hoje dependente da BR-163, rota de 3,5 mil quilômetros classificada como “regular” pela última pesquisa da Confederação Nacional de Transportes (CNT).
Com esse e outros projetos, a companhia pretende investir entre R$ 5,8 bilhões e R$ 6,5 bilhões em 2025 — patamar que tem se mantido nos últimos anos e deve continuar ao longo da década.
"Estamos avançando de Rondonópolis até Lucas do Rio Verde, o coração da soja. Justamente para que não tenha mais a necessidade dessa soja ser escoada pela BR-163, que é uma pista simples e muito provavelmente terá muita dificuldade de ter uma licença ambiental para fazer uma ampliação de capacidade porque passa dentro da Amazônia. Nossa ideia é chegar até Rondonópolis com essa ferrovia mais ou menos em 2028, 2029", diz Natália Marcassa, vice-presidente de Relações Institucionais da Rumo.
Economista, Marcassa é ex-secretária dos ministérios dos Transportes e Infraestrutura e tem a trajetória marcada pela atuação em políticas públicas de planejamento de transporte e regulação.
Ela contou os planos da empresa no 8º episódio do videocast EXAME INFRA, uma realização da EXAME com a empresa Suporte, onde compartilhou também os desafios para destravar obras de infraestrutura.
"Às vezes eu vejo algum contrato e penso: 'Ah, eu não acredito que eu escrevi'. É um aprendizado enorme entender as dores do privado para investir", afirma.
Sobre os planos de expansão da Rumo, a vice-presidente diz que os aportes já estão contratados para 2025 e vêm se mantendo no patamar próximo a R$ 6 bilhões nos últimos anos. Em 2023, por exemplo, foram R$ 5,7 bilhões de CAPEX.
Uma prioridade é a ferrovia a partir de Rondonópolis, onde a empresa opera o maior terminal de grãos da América Latina, com capacidade de 40 milhões de toneladas.
A nova frente de investimento para a construção dos 740 quilômetros até Lucas do Rio Verde, é viabilizada pelo modelo de autorização ferroviária. A expectativa é inaugurar o primeiro terminal no trajeto, em Dom Aquino, também no Mato Grosso, já no próximo ano, com capacidade para movimentar 10 milhões de toneladas por ano.
Com isso, a Rumo pretende encurtar o trajeto rodoviário, tirar caminhões da estrada e conectar diretamente as fazendas mato-grossenses ao Porto de Santos, em São Paulo, via trilho.
"A volumetria que a ferrovia tem em termos de grão é impossível de escoar por caminhão. Senão tiver ferrovia, não será possível ampliar todo o potencial que tem de lavoura no Mato Grosso. [Com a ferrovia] vai se ampliar em 60% nos próximos 10 anos sem desmatar um pé. Só transformando a área da pecuária em lavoura. E se não tiver ferrovia, isso não será possível, porque nessa volumetria não dá. E de toda maneira, a ferrovia é mais barata também. À medida que chegamos mais perto do produtor, esse frete ficará mais barato", diz a especialista.
Na outra ponta da cadeia logística, a Rumo também aposta no Porto de Santos, o principal complexo portuário do país e o maior da região latino-americana.
Um dos projetos mais importantes da companhia é a ampliação de um terminal de uso privado (TUP), fora do porto organizado, operado pela DPW. O investimento prevê dois novos berços de atracação e uma adição de cerca de 10 milhões de toneladas na capacidade para grãos, além de 3 milhões para fertilizantes.
O projeto é fruto de uma parceria da Rumo com a americana CHS, maior cooperativa agrícola dos Estados Unidos e antiga parceira da empresa em outros terminais.
"A gente não dá conta de fazer tudo sozinho. Por isso buscamos parceiros estratégicos como a CHS para acelerar os investimentos", diz Marcassa.
A executiva afirma que há uma corrida contra o tempo para garantir que a infraestrutura acompanhe o crescimento da produção.
"Muito provavelmente, vamos precisar de mais 20 a 25 milhões de toneladas de capacidade em Santos entre 2028 e 2030. Já estamos construindo, mas sabemos que ainda não será suficiente".
Além da nova ferrovia em construção, a Rumo está duplicando a Malha Paulista — principal ligação ferroviária entre o interior e o Porto de Santos. A ampliação, resultado da renovação da concessão, deve elevar a capacidade da ferrovia de 30/40 milhões de toneladas para até 80 milhões em 2028.
Já são 55 milhões de toneladas desde que R$ 3,5 bilhões foram investidos pela Rumo nos últimos cinco anos, de um total de R$ 7 bilhões previstos. A ampliação inclui duplicação de trilhos, expansão de pátios de cruzamento e melhorias em terminais.
"Ferrovia é sempre multimodal: envolve caminhão, trilho e porto. A gente precisa encurtar o trecho rodoviário, trazer a carga mais cedo para o trilho e garantir fluidez no terminal portuário. Tudo isso precisa estar conectado", afirma a vice-presidente da companhia.
Marcassa reforça que a lógica de investimento é guiada por volume. "Ferrovia só se sustenta com carga pesada. Custa R$ 27 milhões o quilômetro, contra R$ 5 milhões na rodovia. Sem escala, o investimento não se paga."
A especialista também defende o papel ambiental estratégico das ferrovias, que emitem pelo menos 8 vezes menos carbono que o transporte rodoviário. Apesar disso, Marcassa afirma que falta acesso a instrumentos de financiamento voltados à transição ecológica, como o Fundo Clima, para as concessionárias ferroviárias.
"Hoje, 90% das emissões do transporte vêm das rodovias. Só essa ferrovia do Mato Grosso representa 2% a mais da malha nacional e pode neutralizar uma parcela expressiva das emissões", diz a especialista.
A executiva também aponta desequilíbrios no financiamento público. Do crédito do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) voltado ao transporte, segundo ela, 70% ainda vai para rodovias e somente 30% para ferrovias. "Isso precisa mudar se quisermos acelerar os investimentos", afirma.
Na Rumo há apetite para ampliar os investimentos em Santos, por exemplo, garante. "Mas ainda falta capacidade financeira. Estamos fazendo o que conseguimos com recursos privados".
A vice-presidente observa, por outro lado, que mesmo sem subsídios ou contrapartidas públicas, a companhia acredita que ainda há espaço para crescer, mas chama atenção para a necessidade de créditos mais baratos.
"Com o custo atual, há muitos projetos que simplesmente não se viabilizam", finaliza Natália Marcassa.
O EXAME INFRA é um podcast da EXAME em parceria com a empresa Suporte, especializada em soluções para obras e projetos de infraestrutura. Com episódios quinzenais disponíveis no YouTube da EXAME, o programa se debruçará sobre os principais desafios do setor de infraestrutura no Brasil.
Ep. 1 - EXAME INFRA: SP planeja concessões de rodovias, CPTM e mais com R$ 30 bi em investimentos
Ep. 4 - '26 anos em 5': rodovias no Brasil terão R$ 150 bi em investimentos até 2030, diz presidente da ABCR
Ep. 5 - Com R$ 22 bi ao ano, Brasil ainda investe menos da metade para atingir meta de saneamento
EP. 6 - Privatização da Sabesp triplica velocidade da empresa, que contrata R$ 15 bi em 90 dias, diz diretor
EP. 7 - Investimento no Porto de Santos chega a R$ 22 bi e promete modernização e integração com a cidade