Rio Solimões: dragagem de um dos trechos da hidrovia é necessário para que rota Amazônica aumente o fluxo de comércio do Brasil com países da América do Sul (Leandro Fonseca/Exame)
Repórter especial de Macroeconomia
Publicado em 24 de janeiro de 2025 às 06h08.
Última atualização em 24 de janeiro de 2025 às 09h42.
O governo brasileiro estimou que são necessários investimentos de R$ 68 bilhões para criar a infraestrutura necessária para integrar a América do Sul. O cálculo levou em conta 190 obras mapeadas como essenciais para interligar o Brasil aos demais países sul-americanos, além das construções necessárias nos territórios das nações vizinhas. Desse total, 150 dependem de recursos públicos e 40 são concessões.
Os dados fazem parte do projeto “Rotas de Integração Sul-America”, do Ministério do Planejamento, que mapeou no Brasil os investimentos necessários em rodovias, portos, aeroportos, infovias, ferrovias, hidrovias e linhas de transmissão de energia elétrica.
A política pública começou a ser construída pela pasta após o Consenso de Brasília, reunião realizada na capital federal em maio de 2023, com os presidentes dos 12 países da América do Sul, para revitalizar a integração regional.
Em declarações recentes, a ministra do Planejamento, Simone Tebet, projetou que a integração entre os países da América do Sul tem potencial de adicionar anualmente 1 ponto percentual ao Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil com a expansão do comércio e do turismo na região.
O secretário de Articulação Institucional do Ministério do Planejamento, João Villaverde, afirma que enquanto os países europeus transacionam entre si 68% dos bens e os asiáticos quase 60%, os países sul-americanos e caribenhos transacionam apenas 14% entre si.
Em 2023, segundo dados do governo, o Brasil exportou quase US$ 43 bilhões para os países da América do Sul e importou pouco mais de US$ 28 bilhões – o que corresponde, respectivamente, a 12,6% e 11,7% do total comercializado pelo país no período. Do valor exportado, 46,5% correspondem aos produtos que saíram do Brasil por via rodoviária.
No entanto, apesar dos mais de 15 mil quilômetros de fronteira terrestre, parte considerável da exportação (44,6%) foi realizada por via marítima. A indústria de transformação respondeu por 78,7% das exportações e por 68,6% das importações, o que demonstra, segundo o Ministério do Planejamento, que o comércio regional do Brasil com os vizinhos se concentra em produtos de maior valor agregado.
A partir do mapeamento e de reuniões com os governos das nações da América do Sul, o Ministério do Planejamento traçou cinco rotas para conectar o Brasil aos países vizinhos. São elas:
Villaverde diz que o projeto começou em junho de 2023, com o debate com os 11 secretários de Planejamento ou de Desenvolvimento Econômico dos estados brasileiros que fazem fronteira com os países da América da Sul. Além disso, foram realizadas reuniões com os governos dos países vizinhos para traçar as rotas.
Nas conversas foram identificadas as obras necessárias para essa integração, além de outras demandas necessárias, como a criação ou o reforço de aduanas nas fronteiras, com presença da Receita Federal, da Polícia Federal, da Polícia Rodoviária Federal e Vigilância Agropecuária Internacional (Vigiagro).
A primeira que será totalmente concluída é a Rota Amazônica, até novembro de 2025, quando ocorrerá a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 30) em Belém, no Pará. Uma das pernas das outras quatro rotas será concluída até dezembro de 2026.
Segundo Villaverde, para concluir a rota do lado brasileiro é necessário terminar a dragagem do Rio Solimões e instalar uma aduana que funcionará todos os dias em Tabatinga (AM). Dos três trechos em que era necessário aumentar o calado, dois já foram concluídos em 2024 e o último terminará em março de 2025.
No caso da aduana de Tabatinga, o secretário afirma que o servidor da Receita Federal que faz o desembaraço das mercadorias mora em Manaus e vai ao local uma vez por semana. Com o funcionamento diário da aduana, a tendência é de aumento expressivo do comércio pela região.
“Por Tabatinga, em 2024, mesmo sem aduana 100% do tempo, o volume de exportações do Brasil para os países vizinhos foi maior do que nos últimos oito anos somados", diz. "As forças de mercado já estão vendo que essa rota é uma realidade.”
A rota Amazônica, conta Villaverde, tem potencial de aumentar o volume de vendas de produtos industriais fabricados na Zona de Manaus, desde eletrodomésticos a veículos. Atualmente, os produtos consumidos no Peru, no Equador e na Colômbia, por exemplo, precisam sair de Manaus para o porto de Santos e passar pelo canal do Panamá até chegarem ao destino. Com a rota concluída, o tempo de viagem será consideravelmente reduzido e o volume exportado tende a aumentar.
“Não temos mais capacidade de exportar bens industriais para a China. Mas os nossos vizinhos que estão aqui compram o que a gente vende a partir da Zona Franca. E eles podem comprar muito mais com essa rota de escoamento”, diz.
Além dos industrializados, Villaverde aponta que os produtos da bioeconomia, como castanhas, açaí e cosméticos, têm potencial de serem exportados para os países vizinhos que estão no mesmo bioma.
“Toda essa produção que é da floresta e que depende da floresta de pé para existir pode ser exportada. Os nossos vizinhos estão no mesmo bioma vestem-se do mesmo jeito que os brasileiros, torcem para times de futebol, assistem as nossas novelas, comem as mesmas coisas e são potenciais consumidores do que a gente vende aqui”, diz.
Em uma das pernas da rota 1, que liga o Brasil às Guianas pelo Amapá, a pavimentação asfáltica de rodovia de 104 quilômetros deve ser entregue até o fim de 2026. "O Brasil nunca teve uma conexão rodoviária com a França. A Guiana Francesa é a França", diz. A obra começou em dezembro de 2024.
Em 2025, o governo brasileiro deve assinar a ordem de serviço para construir a ponte binacional Brasil-Bolívia, sobre o rio Mamoré, que ligará a cidade de Guajará-Mirim, em Rondônia, à sua irmã Guayaramerín, do lado boliviano, na província de Bêni. A obra faz parte da rota 3, terá duração de três anos e, segundo Villaverde, é uma dívida histórica do Brasil com a Bolívia.
A obra está prometida desde 1903, quando o Brasil incorporou o que hoje é o Acre. Naquela ocasião, quando o Barão de Rio Branco anexou o Acre ao país, ele se comprometeu, por meio de um tratado, a fazer uma ferrovia na região, o que nunca foi feito. Em 1966, no início da ditadura militar, durante o governo Castelo Branco, o governo brasileiro voltou a conversar com a Bolívia e decidiram substituir o projeto ferroviário por uma ponte, financiada 100% pelo Brasil. Entretanto, a obra também não foi realizada.
"Isso nunca saiu do papel e agora vai. Em 2025, estaremos em Guajará-Mirim para assinar a ordem de serviço para começar a obra da ponte, que é uma das mais caras do PAC, no valor de R$ 475 milhões", diz.
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Na rota 4, a Bioceânica de Capricórnio, estão em construção 205 quilômetros de rodovia no Paraguai que leva à ponte binacional em Porto Murtinho (MS), que também está em obras. A infraestrutura deve ficar pronta em março de 2026.
A ponte binacional é parte da ligação entre os portos brasileiros de Santos (SP), Paranaguá (PR), São Francisco do Sul (SC) e Itajaí (SC) com os portos chilenos de Iquique e Antofagasta, através do Paraguai e da Argentina.
As obras no Brasil e em outros países serão financiadas com recursos públicos e de bancos de desenvolvimento. Em 2024, o governo brasileiro desembolsou R$ 4,1 bilhões e prevê investir outros R$ 4,5 bilhões em 2025.
Além disso, as concessões devem contar com financiamentos de US$ 3 bilhões do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Em valores convertidos com a cotação média do dólar a R$ 6, são R$ 18 bilhões.
O Banco Interamericano de Desenvolvimento (DIB), o Fundo Financeiro para Desenvolvimento da Bacia do Prata (Fonplata) e o Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF) oferecerão financiamentos US$ 7 bilhões em financiamentos aos países da América do Sul, segundo Villaverde. Em valores corrigidos são R$ 42 bilhões em recursos disponíveis para investimentos.
Em dezembro de 2024, na Colômbia, uma reunião de ministros e vice-ministros de todos os países da América do Sul sobre rotas de integração sul-americanas definiu, em comunicado final, que será criado um observatório na internet para que qualquer pessoa monitorar o andamento das obras das cinco rotas.
A previsão é de que o site fique pronto até o fim de 2025. Será possível consultar, segundo Villaverde, o status da obra, a modalidade e o preço. O observatório será financiamento pelo consórcio de bancos de desenvolvimento.
O observatório será gerenciado pelos 12 países da região, por meio do Consenso de Brasília. A próxima reunião para verificar o andamento do observatório será em Quito, no Equador.