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Indígenas temem por suas terras após eleição de Bolsonaro

A Constituição brasileira protege os direitos dos povos originários sobre suas terras, mas Bolsonaro já insinuou que não tem a intenção de se ater ao texto

Imagem de arquivo: Hoje, no Brasil, vivem mais de 800.000 indígenas de 305 etnias, que falam 274 línguas (Percurso da Cultura/Flickr)

Imagem de arquivo: Hoje, no Brasil, vivem mais de 800.000 indígenas de 305 etnias, que falam 274 línguas (Percurso da Cultura/Flickr)

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AFP

Publicado em 14 de novembro de 2018 às 11h09.

Última atualização em 14 de novembro de 2018 às 11h09.

Os povos indígenas brasileiros lutaram durante décadas para defender suas culturas e terras ancestrais, mas agora temem que a chegada do ultradireitista Jair Bolsonaro ao poder ameace estes direitos tão arduamente conquistados.

O capitão do Exército na reserva, deputado durante 27 anos, ficou conhecido pela retórica exaltada, repleta de comentários machistas, racistas e homofóbicos. Mas quando se trata de questões indígenas, as ameaças são concretas.

"Muitas pessoas hoje estão com medo", disse à AFP Luiz Eloy Terena, conselheiro legal da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB).

"Nós estamos preocupados porque ele [Bolsonaro] declaradamente já afirmou que vai diminuir as terras indígenas", acrescentou.

No Brasil, vivem hoje mais de 800.000 indígenas de 305 etnias, que falam 274 línguas, distribuídos em um país de dimensões continentais de mais de 208 milhões de habitantes.

Em luta constante para preservar um modo de vida ameaçado desde a chegada dos europeus, há mais de 500 anos, os maiores perigos para estas comunidades agora vêm dos poderosos setores do agronegócio, da extração de madeira e da mineração.

E Bolsonaro é um antigo aliado destes lucrativos lobbies, aos quais voltou a agradar na semana passada durante entrevista à TV Bandeirantes, na qual assegurou que se depender dele, "não haverá mais demarcação de terras indígenas" no Brasil.

Preocupação

São razões mais do que suficientes para justificar os temores destas comunidades.

"Acho que têm muitos motivos para estar preocupados. A julgar pelo seu passado, ele [Bolsonaro] sempre se opôs à demarcação e ao reconhecimento de territórios indígenas", avaliou Fiona Watson, diretora da ONG Survival International.

A Constituição brasileira protege os direitos dos povos originários sobre suas terras, mas Bolsonaro já insinuou que não tem a intenção de se ater ao texto.

Em um vídeo registrado no Congresso em 2016, o então deputado afirmou, sorridente, que em 2019 iria "desmarcar" a Terra Indígena Raposa Serra do Sol e "dar fuzil e armas a todos os fazendeiros" deste território situado no estado de Roraima.

"Tem gente que pode pensar que são apenas ameaças, mas estou certa de que tem uma intenção aí", disse Watson em entrevista por telefone de Londres.

Bolsonaro "é muito antipovos indígenas, quer integrá-los", acrescentou.

A política de "integração" - implementada durante a ditadura militar (1964-1985), da qual Bolsonaro se declara um admirador - consistiu em tirar os autóctones de suas terras ancestrais para misturá-los à sociedade moderna.

"É como forçar os indígenas a deixarem de sê-lo", afirmou Watson. "Através da integração, os está tirando de suas terras, arrastando-os para povoados ou cidades", alertou.

"Zoológico"

Na véspera da eleição de Bolsonaro, o Conselho Indígena de Roraima (CIR) pediu aos eleitores que não deixassem "que o discurso de ódio, da intolerância, da injustiça e da ganância seja maior do que a nossa própria vida coletiva". Mas não teve muito êxito.

O capitão do Exército na reserva, de 63 anos, venceu as eleições e dias depois já repetia na televisão que as reservas indígenas estavam "superdimensionadas".

"O índio não pode continuar sendo preso dentro de um área demarcada como se fosse um animal dentro de um zoológico", declarou Bolsonaro na entrevista à TV Bandeirantes.

"O índio é um ser humano igual a nós: ele quer evoluir, ter energia elétrica, médico, dentista, internet, jogar um futebol, ter um carro, quer viajar de avião, porque ele - quando tem contato com a civilização - ele rapidamente vai se moldando à nova maneira de viver que é bem diferente e melhor do que a dele", acrescentou.

Com apoio categórico da chamada bancada BBB (Boi, Bala e Bíblia) no Congresso, as políticas esboçadas pelo presidente eleito sobre as terras indígenas apontam neste sentido.

Esta semana, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) criticou o Brasil por não ter financiado adequadamente a Fundação Nacional do Índio (Funai), deixando-a indefesa diante de poderosos grupos do agronegócio, cujos interesses passam pelos territórios indígenas.

"Uma das formas que elas utilizam é investindo no enfraquecimento da Funai. Tendo uma Funai fraca, você tem uma comunidade indígena exposta", ressaltou Terena.

Ao encerrar sua visita de uma semana ao Brasil, o comissário da CIDH, Francisco Eguiguren, assegurou que o organismo "não é contra projetos que usam recursos naturais", embora tenha destacado que "devem levar em conta as pessoas que vivem ali".

Mas, apesar de ter tudo contra eles, Watson insiste em que ainda há esperança para os descendentes dos habitantes originários destas terras que hoje se chamam Brasil.

"O encorajador em meio a todas essas péssimas notícias resultantes da eleição de Bolsonaro é que os povos indígenas estão muito organizados", avaliou.

"Eles vão lutar, não há dúvidas disso".

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