Badim: pacientes morreram, em sua maioria, por asfixia, segundo o IML do Rio de Janeiro (Ian Cheibub/Reuters)
Clara Cerioni
Publicado em 14 de setembro de 2019 às 09h22.
Rio de Janeiro — O incêndio que atingiu anteontem o Hospital Badim, no Maracanã, zona norte do Rio de Janeiro, deixou 11 mortos. As vítimas - quatro mulheres e sete homens - eram todas idosas. Só neste ano, houve mais de 20 casos de fogo em centros médicos e legislações estaduais e nacionais ainda estão em atualização.
Segundo o Instituto Médico-Legal, a maioria dos óbitos foi por asfixia. E os equipamentos aos quais muitas vítimas estavam ligadas deixaram de funcionar com o fogo. "Houve descompensações das doenças que as pessoas tinham", disse a diretora do IML, Gabriela Graça.
Pacientes tiveram de ser removidos emergencialmente para a rua, assim que se constatou o incêndio, que se suspeita teve início em um curto-circuito no gerador no subsolo de um dos prédios do complexo, por volta das 18 horas de anteontem.
Acompanhantes se queixaram do atendimento de funcionários e de agentes públicos, mas o diretor médico Fábio Santoro disse que não houve casos de truculência ou incidentes.
Dos 103 pacientes internados, 77 foram transferidos para outros 12 hospitais e 15 foram para casa. Além disso, pelo menos 20 funcionários do local - que é associado da Rede D'Or - e acompanhantes de pacientes acabaram internados.
Por causa do calor e da fumaça que ainda estavam no edifício, o delegado titular da 18.ª DP, Roberto Ramos, evitou dar ontem um prazo para conclusão da investigação e da perícia. Testemunhas e funcionários já começaram a ser ouvidos.
Pela prefeitura, o local está totalmente regularizado. A Defesa Civil interditou, por motivos de segurança, o complexo médico e quatro imóveis no entorno.
A área de um hospital onde ficam os geradores deve ter estrutura que a isole das outras alas do edifício em caso de incêndio e resista ao fogo e à fumaça por duas horas. É o que estabelece regulamentação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Segundo a norma, os prédios dos hospitais devem ser divididos em compartimentos, ou seja, setores preparados para tolerar o incêndio sem que ele se expanda.
"São como caixas de sapato pelas quais o fogo, a fumaça e a temperatura não passam", explica Marcos Kahn, engenheiro especialista em segurança contra incêndio e diretor administrativo da Associação Brasileira para o Desenvolvimento do Edifício Hospitalar.
Desde o início do ano, houve ao menos 21 registros de incêndio em centros hospitalares de 13 Estados. São três casos no Rio: no Infantil Ismélia da Silveira, de Duque de Caxias; na Santa Casa da Misericórdia, de Campos dos Goytacazes; e no Sanatório Oswaldo Cruz, em Petrópolis.
Entre os relatos do País, em pelo menos três casos se suspeita de problemas elétricos ou de curto-circuito - no Universitário Oswaldo Cruz, no Recife (PE), no Infantil de Vitória (ES) e no Regional de Taguatinga (DF).
Até o começo deste mês, o Estado do Rio seguia um Código de Segurança Contra Incêndio de 1976 que, ao longo dos anos, foi remendado com aditamentos pouco claros, segundo especialistas ouvidos pelo Estado.
A "colcha de retalhos" foi substituída por um novo código cujo decreto, apesar de publicado em dezembro de 2018, passou a valer há apenas nove dias. "A nova legislação elevou as condições mínimas de proteção contra incêndio", observou Kahn. Mas a implementação da legislação ainda pode demorar anos.
No Brasil, não há uma legislação federal de incêndio e cada Estado tem autonomia para estabelecer a própria, explica o diretor do Instituto Sprinkler Brasil, Marcelo Lima. "Após o episódio da Boate Kiss (2013), muitos Estados começaram a atualizar os códigos, tendo como base a legislação de São Paulo."
Em abril, dois meses após o incêndio no Ninho do Urubu (centro de treinamento do Flamengo no Rio) e sete meses após o fogo destruir o Museu Nacional, a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) publicou a norma NBR 16.651, que estabelece requisitos de proteção contra incêndio. "Ela é pioneira no setor e tem como objetivo minimizar os riscos", explicou Roberto Ramos coordenador dos estudos da norma.
Segundo Emerson Baranoski, mestre em engenharia civil e major da reserva do Corpo de Bombeiros do Paraná, a principal mudança do novo código fluminense para o de 1976 é a inclusão do conceito da proteção passiva de segurança contra o incêndio.
"Se as edificações vierem a ter o incêndio, a ideia é que a propagação seja minimizada em função do maior controle do tipo de material de acabamento e revestimento da edificação", afirmou. "Outro aspecto abordado foi a compartimentação."
Para Kahn, mesmo assim os hospitais estão entre os imóveis mais negligenciados em relação à proteção contra incêndios. "A falsa crença de que 'não pega fogo' aliada à impunidade e à certeza de que os bombeiros não vão fechar um lugar que não esteja em risco iminente contribuem para essa negligência."